Violência étnica, um desafio na República Central Africana

11/02/2014 15:49 Atualizado: 11/02/2014 15:49

A presidente interina da República Central Africana (RCA) disse a centenas de soldados em posição de formação na última quarta-feira que estava orgulhosa deles. Apesar de sua exortação para que trouxessem ordem ao país, depois que ela partiu, os soldados desfizeram seu alinhamento e esfaquearam e espancaram sem piedade um homem até a morte. Os soldados então arrastaram o cadáver pelas ruas.

O ataque horrível mostrou o grau de ódio e selvageria em que caiu este país empobrecido e a dificuldade enfrentada pela comunidade internacional, que já implantou milhares de forças de paz para tentar estabilizá-lo.

A reunião em 5 de fevereiro foi destinada a destacar a reconstrução do exército nacional, deixado em frangalhos quando o presidente François Bozizé foi expulso do poder num golpe em março de 2013. A presidente interina Catherine Samba-Panza assumiu no mês passado depois que o líder rebelde que havia tomado o poder, Michel Djotodia, afastou-se em meio à crescente pressão internacional.

Samba-Panza tinha dado esperança à República Central Africana de restabelecer a paz e a reconciliação no país. Ela deve servir cerca de um ano até conduzir o país a eleições nacionais. Mas os especialistas lembram que, sem abordar as causas profundas das batalhas em curso entre cristãos e muçulmanos, a violência não será contida em longo prazo.

Desafios históricos

“A crise atual é o resultado da lenta decomposição da República Central Africana”, disse Raphael De Benito, da organização parisiense Billets d’Afrique. De acordo com De Benito, a RCA nunca teve a oportunidade de se desenvolver devido a seu passado colonial, golpes, corrupção endêmica e saques dos recursos.

O conflito no país é um conflito social que tem sido alimentado pela extrema pobreza, falta de acesso aos recursos e péssima distribuição da receita dos minérios.

Além disso, a República Central Africana não tem instituições de governo e pessoal capacitado. Ela está cheia de homens armados (a maioria deles suspeitos de não serem centro-africanos, mas sudaneses ou chadianos), que ajudaram a derrubar o ex-presidente, mas que agora exigem recompensa. Há também muitas milícias no país que afirmam apoiar o presidente deposto Bozizé.

Encontrar uma solução

De acordo com Christopher Zambakari, bolsista no Centro Rotary de Estudos Internacionais na área de paz e resolução de conflitos na Universidade de Queensland, Austrália, o desafio para a presidente interina é reestruturar o poder de tal forma que acomode os diversos grupos no país sem discriminar certos membros da sociedade, quer com base na etnia ou religião.

A discriminação é outra causa do conflito na República Central Africana. A autora Louisa Lombard, numa análise publicada em “Argumentos Africanos”, escreve que, após os franceses chegarem à República Central Africana, o Estado cresceu principalmente na capital de Bangui, enquanto o Nordeste, como a cidade de Ndele, foi declarado um distrito autônomo que se tornou isolado e considerado um território ocupado por estrangeiros.

“As pessoas no Nordeste da República Central Africana se sentem negligenciadas”, escreveu Lombard. “As pessoas com nomes islâmicos são obrigadas a pagar mais pedágios, que se proliferam especialmente nas regiões sul e oeste do país, em relação às pessoas com nomes cristãos, e é mais difícil para pessoas do Nordeste obter documento nacional de identidade. Muitos muçulmanos, como o ex-presidente Michel Djotodia, assumiram um nome cristão para minimizar a discriminação que enfrentam.”

Mas mesmo que Samba-Panza faça o seu melhor, a paz no final das contas dependerá da vontade das partes que lutam no país.

“No reinado de Djotodia, a maioria dos cristãos foram perseguidos e, agora que um presidente cristão assumiu, os cristãos estariam retaliando”, escreveu Douglas Orang’i, professor de inglês e linguística da Universidade de Djibouti, por e-mail. “Para a crise ser resolvida, deve haver boa vontade religiosa que é efêmera agora. Isso dificulta as negociações de paz da presidente interina.”

“O fato de que pessoas foram mortas no mesmo dia em que ela foi nomeada aponta numa direção em que ela não tem impacto, algo que temos de observar.”

Influência externa

Muitos temem que a neutralidade, profissionalismo e autoridade de Samba-Panza não sejam suficientes para impedir as atrocidades, pois a República Central Africana é muito dependente de forças externas.

“Infelizmente, o governo de transição não terá sucesso em acabar com a influência da comunidade internacional e dos países vizinhos da região”, disse Servan Le Janne, um jornalista do diário político Slate Afrique.

“Isto sugere que a autonomia do governo será reduzida enquanto aqueles envolvidos procurarão tirar proveito de sua ascendência: como atores que sempre desempenharam um papel importante nos assuntos da África Central.”