Veredito de genocídio vinga sofrimento do Tibete, mas sem alívio

20/11/2013 09:37 Atualizado: 20/11/2013 09:53

Em 9 de outubro de 2013, o mais alto tribunal criminal da Espanha indiciou Hu Jintao, o ex-líder supremo da República Popular da China, por cometer genocídio no Tibete. A decisão trouxe alguma justiça para os demandantes tibetanos que entraram com a ação em 2005, um grupo que incluía várias pessoas que sofreram anos de cárcere e tortura nas prisões chinesas por “crimes” como recusar-se a renunciar a fé budista.

Esta não é a primeira vez que a China é considerada culpada de genocídio no Tibete. Em 1959, após um levante fracassado destinar o Dalai Lama e milhares de refugiados tibetanos ao exílio na Índia, Nepal e Butão; o advogado indiano Purushottam Trikomdas foi à Comissão Internacional de Juristas em Genebra para verificar e documentar os crimes de genocídio da China cometidos contra o povo tibetano: mais de um milhão de mortos causados por Mao Tsé-tung como resultado do conflito armado, encarceramento e fome.

O relatório da Comissão disse: “A evidência aponta para um plano sistemático de erradicação da etnia, cultura e religião do Tibete.”

Hu Jintao, governador do Tibete antes de ascender ao topo do Politburo, continuou a política de Mao de “punho de ferro” contra o povo tibetano e a perseguição ao budismo tibetano se intensificou.

Hu Jintao era presidente da República Popular da China (RPC) durante o levante tibetano em março de 2008, quatro meses antes de a China sediar os Jogos Olímpicos. Ele retaliou brutalmente no Tibete após as Olimpíadas. Fotografias e filmes do exército contrabandeados para fora do Tibete mostram ataques a casas, espancamentos, pelotões de fuzilamento e valas de sepultamento em massa.

Propaganda

Apesar da decisão recente do tribunal espanhol, aliados e apologistas da RPC provavelmente continuarão a adiar a versão do regime chinês da história do Tibete. A propaganda chinesa tem sido altamente eficaz. Durante anos, sinólogos de universidades ocidentais ensinaram que o Tibete era uma sociedade organizada com “servidão retrógrada” e que, sob o regime comunista chinês, agora eles têm uma nova e bem-vinda prosperidade com a “libertação pacífica do Tibete”.

Por anos, as autoridades comunistas chinesas têm se referido ao Dalai Lama, o ilustre Prêmio Nobel da Paz, como “um assassino incestuoso”, “bandido contrarrevolucionário” e “um carrasco com mel nos lábios e assassinato no coração”. Esta demência stalinista é ridícula, mas tem ofuscado repetidas tentativas do Dalai Lama de negociar com Pequim.

O Dalai Lama é uma ameaça para os líderes chineses como Hu Jintao e o atual líder chinês Xi Jinping por duas razões: ele é a personificação da nação tibetana e o símbolo vivo da fé budista tibetana.

“Doença a ser erradicada”

Um exame do caso tibetano revela as políticas linha-dura da China a respeito do budismo. Por um milênio, os mosteiros do Tibete funcionaram como centros de educação, arte e comércio para sua cultura nômade.

Após a fuga do Dalai Lama para a Índia em 1959, os guardas vermelhos de Mao saquearam e destruíram mais de 6 mil mosteiros tibetanos. Monges e freiras foram publicamente torturados e condenados à morte por terem “status de classe ruim”.

A Revolução Cultural (1966-1977) foi especialmente cruel no Tibete. Todas as formas de religião e cultura popular, desde dançar para queimar incenso, foram proibidas. Cabelos longos, usados por homens e mulheres, foram rotulados como “as traças pretas e sujas da servidão”. Foram necessários 30 anos para que essa história chegasse à imprensa internacional.

A campanha de Mao de “destruir os Quatro Velhos” foi o ápice da patologia comunista. Os guardas vermelhos queimaram templos, livros e arte e chacinaram estudiosos, monges e artesãos, tudo em nome de destruir o “velho pensamento”.

Quando os Estados do Sudeste Asiático emergiram de seu confinamento totalitário na década de 1990, o budismo reapareceu e sanghas – comunidades monásticas – foram rapidamente restabelecidas. Mas o Tibete é um país ocupado e em cativeiro do Partido Comunista Chinês (PCC).

O Culto de Mao é muito mais proeminente no Tibete do que na China central. Os comunistas dizem que a independência do Tibete poderia “dividir a pátria”.

O colapso da União Soviética despedaçou o princípio fundamental da teoria marxista de que o socialismo venceria as estratificações sociais de classe e etnia. A bandeira comunista chinesa declara um Estado multiétnico: Uma grande estrela que representa a etnia majoritária han, cercada por pequenas estrelas, os mongóis, manchus, uigures, wei e tibetanos.

De acordo com as experiências sociais e econômicas de Mao, 60 milhões de povos minoritários da China foram coagidos a reencarnar como cidadãos chineses “vermelhos e especializados”.

Tibetanos e outras “minorias” são punidos por expressar sua identidade étnica e cultural. A campanha de “dura repressão” implementada em 1995, momentos após a administração Clinton desvincular o comércio e os direitos humanos, visava o clero budista do Tibete para punições extremas.

É uma ilusão esperar que Xi Jinping trará reforma significativa quando os PCC funciona como o organizador da burocracia estatal. Em seu primeiro ano no poder, Xi Jinping intensificou a “reeducação” maoísta e a “reforma do pensamento” no Tibete.

Tibetanos que resistem denunciar o Dalai Lama nas sessões obrigatórias de “reeducação patriótica” recebem punição especialmente cruel. Desde 1996, o PCC proibiu todas as fotografias e imagens do Dalai Lama como “literatura reacionária” e o budismo é oficialmente chamado de “doença a ser erradicada”.

Descrevendo catástrofe

O século 20 foi uma catástrofe para a fé budista, mas alguns estudiosos têm analisado a colisão desastrosa do budismo com a modernidade. Governos totalitários do século XX devastaram milhares de comunidades budistas.

Então, como descrever a tragédia budista no século 20? O Dicionário de Inglês da Oxford define “genocídio” assim: “origem do grego ‘genos’ (raça) + -cídio; a supressão deliberada de um grande grupo de pessoas, especialmente os de um determinado grupo étnico ou nação”.

Será que “conquista” é mais preciso? “Conquista” é definida como “a subjugação e o controle de um lugar ou pessoas com o uso da força militar”.

Em qualquer caso, a comunidade mundial não fez nada enquanto o Tibete foi invadido pela China e encerrado por trás da Cortina de Bambu.

O advogado indiano J.S. Verma escreveu: “Se o mundo tivesse agido quando a China invadiu o Tibete em 1951, o Tibete certamente teria sido salvo… A China se recuperava de uma guerra civil desastrosa e não tinha recursos para lidar com dois conflitos: na Coreia no Oriente e no Tibete no Ocidente… A Índia pagou por esse erro quando a China garantiu seu controle sobre o Tibete em 1959 e, em seguida, invadiu a Índia em 1962.”

Em seu relato em primeira pessoa da apreensão de sua terra natal pela China, o Dalai Lama relata sua viagem a Pequim em 1955. Num jantar de Estado, Mao virou-se para o Dalai Lama e disse: “Veja você, a religião é veneno. Ela tem dois grandes defeitos: Prejudica a raça e, em segundo lugar, retarda o progresso da comunidade. O Tibete e a Mongólia foram envenenados por ela.”

O Dalai Lama abaixou a cabeça e suspirou: “Então, afinal de contas, você é inimigo do darma.”

Maura Moynihan é uma jornalista e pesquisadora que trabalhou por muitos anos com refugiados tibetanos na Índia e no Nepal; suas obras de ficção incluem “Hotel Yoga” e “Kaliyuga”