Vasos de barro como gravadores de som?

26/06/2012 00:00 Atualizado: 06/08/2013 18:45

À medida que os vasos de barro são feitos, as vibrações dos sons ao redor podem ser gravadas no barro. (Photos.com)

A possibilidade de reproduzir a história do ‘disco acústico’

Quando o francês Édouard-Léon Scott de Martinville completou a primeira gravação de teste em 9 de abril de 1860, suas pretensões estavam longe de deixar um rastro de som que pudesse ser reproduzido por gerações futuras.

Os trabalhos do investigador se limitavam a capturar ondas de som da voz humana e expressá-las de maneira visual em um papel turvo; ele nunca imaginou que aquelas frequências impressas por aquele “fonoautógrafo” seria reproduzida em outro momento.

Em 2008, as gravações de Scott podem ser ouvidas graças ao complexo programa de informação desenvolvido pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

Aquelas vozes que Scott acreditou ter perdido na “biodimensão” da superfície do papel mais uma vez agitou os éteres no estúdio de gravação, trazendo com eles uma antiga melodia francesa na forma de uma voz feminina.

O fragmento de áudio, que mal dura dez segundos, foi trazido de volta à vida um século e meio depois de sua morte.

Vasos que falam

Muitos cientistas teorizam sobre a possibilidade de reproduzir sons impressos por acidente sobre uma superfície macia, similar ao que aconteceu no caso do fonautógrafo de Scott.

Na verdade há um “mito” amplamente divulgado sobre a possibilidade de recapturar vozes de antigos vasos de cerâmica que captaram vibrações enquanto ainda estavam frescos.

Para decorar um vaso com padrões espiralados, um artesão pode arranhar a superfície suavemente com uma palha quando a cerâmica molhada está girando na roda. Como consequência, inadvertidamente, o modelo pode capturar ondas sonoras das redondezas. Desta forma, o pedaço de palha pode traçar um “rastro de áudio” no barro.

A recuperação destes sons através da tecnologia moderna é parte de uma lenda discutida entre os especialistas.

Poderia um vaso gravar os sons ao seu redor enquanto marcado por um instrumento vibratório? Além disso, é a ciência capaz, ou será capaz, de reproduzir estas gravações?

A história da gravação de sons arranhando a superfície de um objeto remonta a 1888, quando Thomas Edison extraiu sons de uma folha de metal, e mais tarde em cilindros de cera de abelha. Mas estes eventos fazem parte da história das gravações “conscientes”, seguidas de gravações “inconscientes” feitas por Scott, e provavelmente muito mais tarde do que as gravações involuntárias que artesãos e relojoeiros podem ter feito em suas obras.

‘Azul’

A reprodução de sons a partir da rotação de vasos foi um experimento conduzido através de numerosas oportunidades, mas com resultados que não estão claros.

Richard G. Woodbridge, um investigador cujo trabalho aparece na Proceedins do IEEE em 1969, afirmou ter reproduzido o som de um motor de 60 hertz enquanto modelava o vaso.

Em outro experimento, Woodbridge alegou ter descoberto traços de música no tecido exposto a vibrações, enquanto pintava-o com tinta azul. O investigador disse ter pesquisado e encontrado a palavra “azul”, que ele mesmo gritou quando moveu o pincel.

Quando os investigadores de MythBusters, um programa popular de televisão, conduziram testes em um vaso de barro em 2006, eles puderam obter um pouco mais do que rabiscos acústicos, nada reconhecível como uma voz humana. No entanto, os sons foram captados numa precária agulha de metal, um método pouco confiável quando se deseja reproduzir um som autêntico.

Além disto, segundo descoberto pelo professor sueco Mendel Kleiner, o giro da roda do oleiro deve atingir rotações de alta velocidade para capturar vibrações com exatidão.

Mitos ou tecnologia defeituosa?

A exploração acústica começou com um estudo aprofundado da ficção científica. No entanto, a leitura de vasos de cerâmica é um marco.

Como muitas experiências têm demonstrado, a vibração sonora de um elemento rudimentar (como uma palha) que arranha uma superfície lisa (como a lama ou a tinta) provavelmente sempre será ofuscada por vibrações fortes, tais como o pulso do artesão.

Isso não quer dizer, no entanto, que a reprodução não é possível. A resposta talvez esteja em uma tecnologia mais desenvolvida, na forma de “leitura óptica” (semelhante à leitura por raio laser), ao invés do riscar desajeitado de uma agulha em uma reentrância microscópica.

Visto de certa perspectiva, o mundo pode encontrar-se cheio de registros acústicos de outros tempos, nós só precisamos dos meios de recuperá-los. Se a “hipótese do vaso” acabar por ser verdadeira, com uma tecnologia consideravelmente superior, seríamos capazes de reproduzir os sons captados em milhões de pinceladas ao longo da história nas paredes, pinturas a óleo, cerâmica, e outras criações.