Um sentimento de vergonha me envolveu como bogotano quando soube o que ocorreu a Mario Vargas Llosa na Feira do Livro da cidade capital. O amplo auditório principal de Corferias estava cheio e o orador, um grande prêmio Nobel de Literatura, convidado de honra desse evento internacional, dialogava placidamente com o escritor Juan Gabriel Vásquez. De repente, um indivíduo saído da mesa o interrompeu e começou a esboçar um agressivo discurso “em nome da população oprimida” [1]. Em um momento, o espontâneo perguntou ao escritor peruano, em tom furioso, em que consistia sua relação com o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez. Consciente de que se tratava de uma provocação, Vargas Llosa não lhe respondeu e fez, pelo contrário, uma alusão a uma de suas obras de 1984, na qual evoca episódios da fracassada revolta trotskista de seu país: “Parece um personagem saído de ‘Historia de Mayta’”.
Sem poder se conter, o energúmeno começou a rasgar as páginas do livro que tinha em suas mãos, visivelmente uma obra do prêmio Nobel peruano, antes de ser tirado do recinto pelo serviço de segurança. Para dar importância ao detestável ato, Mario Vargas Llosa disse, em meio aos aplausos do público: “Isto é o interessante destas reuniões, que podem resultar aborrecidas, para muitos, e de um país como a Colômbia onde há gente para tudo”, antes de tirar a principal conclusão do vivido nesse instante: “Começa-se rasgando livros e termina-se matando gente”.
Dias antes Mario Vargas Llosa havia viajado a Caracas. Lá teve a enorme coragem de expressar, nas barbas dos esbirros de Nicolás Maduro, sua solidariedade com o movimento juvenil que luta contra a tirania venezuelana e a ingerência cubana nesse país. O pigmeu que tratou de sabotar o grande escritor peruano em Bogotá, pode ter sido parte da resposta vingativa de Caracas contra o autor de “A cidade e os cães”. E não só disso, senão a faixa de lunáticos que querem na Colômbia, de qualquer maneira, mediante a violência mais extrema, a imposição do sistema político que levou ao desastre a Venezuela, Cuba e os países do chamado campo socialista.
Ao abrir a boca para indagar o que Vargas Llosa pensava de Álvaro Uribe Vélez, o homem revelou ser um dos que vêem no ex-presidente colombiano um enorme obstáculo para esses planos. Logo, o ocorrido em Corferias não pode ser analisado ingenuamente. Não foi o ato de uma pessoa “que sente aversão pelos livros”, como alguém insinuou em um texto que acabo de ler. O ocorrido ontem foi um ato político claro, uma mensagem de ódio e de brutalidade esquerdista, montado contra um grande intelectual latino-americano culpável por ser liberal.
Como não relacionar esse incidente com a diatribe desatada pelo falecimento no México de Gabriel García Márquez, outro grande gênio das letras, porém de militância castrista? Os que julgamos indigna de um grande homem sua convivência com a ditadura castrista sempre respeitamos o escritor. Ninguém rasgou um livro do prêmio Nobel colombiano com esse pretexto. As pessoas normais, liberais e conservadoras, de direita e de centro, não costumam queimar livros. Os que destroem livros acreditando que com isso demolirão as idéias são os fascistas e os comunistas.
As hordas de Hitler queimavam livros nas praças públicas. Lenin os havia precedido nisso. Sua ditadura começou expulsando milhares de filósofos, escritores, advogados e artistas. Lenin insistia: “Devemos exilar a todos. […] Vamos limpar a Rússia por um bom tempo…”. Depois veio a política de “esmagar a inteligência” com redadas massivas, fuzilamentos e processos fraudulentos. Com Stalin cresceu o terror contra a cultura e se multiplicaram as listas de livros, folhetos e fotos que deviam ser enviados à fogueira. As universidades soviéticas perderam toda a liberdade acadêmica. Centenas de cientistas foram presos, como Tupolev, o famoso inventor de aviões. Mao também empreendeu contra a cultura “burguesa” antes e durante a infame “revolução cultural”. No Camboja, os comunistas queimavam bibliotecas inteiras, enquanto massacravam a terça parte da população do país. Em todos os países, sem exceção, onde os comunistas chegaram ao poder, os livros, a arte, a cultura, a religião e a ciência foram perseguidas.
O que fez o frenético de Corferias se inscreve nessa tradição imunda: queimam ou destroem um livro, o objeto de cultura por excelência, para advertir que destruirão todo vestígio de cultura quando chegarem ao poder. Essa foi a visão que Vargas Llosa teve nesse instante e por isso disse o que disse. Essa foi a mensagem que o ativista que insultou Vargas Llosa lançou aos colombianos.
Há como uma continuidade entre esse ato ignóbil de Corferias e a campanha contra a liberdade de expressão que um senador liberal-chavista trata de montar em Bogotá. Este último utiliza como pretexto um Twitter de María Fernanda Cabal, representante eleita pelo Centro Democrático, que critica a relação entre Gabriel García Márquez e Fidel Castro. Esses dois pigmeus, o de Corferias e o outro, estão no mesmo conto: destruir os livros de um escritor anti-castrista e punir uma eleita do povo por não ser castrista. A violência é a marca dessas duas atuações. Um quis calar a boca do Prêmio Nobel de Literatura peruano e o outro quer recortar a liberdade de expressão na Colômbia. A violência, sempre a violência. Não é o mesmo que pediu há alguns dias “fuzilar literalmente” os que se opõem a que se conceda a impunidade às FARC?
Nota da tradutora:
[1] Para ilustrar esse magnífico artigo, assistam no vídeo abaixo o desagradável acontecimento:
Tradução: Graça Salgueiro
Esse conteúdo foi originalmente publicado no site de Heitor de Paola