“Vamos abolir o dinheiro para sermos felizes!”

05/12/2013 13:06 Atualizado: 05/12/2013 13:20

É com enorme frequência que ouço pessoas declamando quão belo e puro o mundo seria caso não existisse o dinheiro, pois o dinheiro macula todas as relações humanas e só traz problemas e discórdias, sendo que, na realidade, “ninguém precisa de dinheiro para viver”.

Confesso haver momentos em que eu não sei se tais pessoas estão realmente falando a sério ou se elas estão apenas sendo retóricas. Partindo do princípio de que tais declarações não são meramente retóricas, é necessário dar uma resposta.

No cerne de toda a análise econômica moderna — e tem sido assim desde a época de Adam Smith — está a importância da divisão do trabalho. A divisão do trabalho permite que nós nos especializemos exatamente naquilo em que somos bons. É por meio da divisão do trabalho que conseguimos descobrir que, quando nos especializamos naquelas áreas em que possuímos uma vantagem comparativa e competitiva, passa a haver uma maior demanda por nossos serviços e, consequentemente, uma maior riqueza ofertada em troca de nossos serviços.

Uma economia baseada no escambo é uma economia inerentemente primitiva. Neste arranjo, as pessoas são incapazes de se especializar, pois não há mercados específicos prontos para adquirir os bens ou serviços produzidos por essa pessoa. Por exemplo, um indivíduo que cria galinhas terá dificuldade em trocar suas galinhas por algum serviço específico (por exemplo, aulas de química), a menos que ele saiba exatamente qual pessoa em toda a sociedade está disposta a aceitar a galinha em troca do fornecimento do exato serviço demandado (aulas de química) por esse criador de galinhas. Quanto mais complexa uma sociedade, menores as chances de você encontrar diretamente alguém que queira comprar exatamente aquilo que você tem para vender e que, em troca, ofereça exatamente aquilo que você comprar.

Murray Rothbard foi direto ao ponto:

“No entanto, esse processo de troca direta de bens e serviços úteis dificilmente seria capaz de manter uma economia acima de seu nível mais primitivo. Tal troca direta — ou escambo — dificilmente é melhor do que a pura e simples autossuficiência. Por quê? Em primeiro lugar, está claro que tal arranjo permite somente uma quantidade muito pequena de produção. Se João contrata alguns trabalhadores para construir uma casa, com o que ele lhes pagará? Com partes da casa? Com os materiais de construção que não forem utilizados?”

“Os dois problemas básicos deste arranjo são a ‘indivisibilidade’ e a ausência daquilo que chamamos de ‘coincidência de desejos’. Assim, se Silva tem um arado que ele gostaria de trocar por várias coisas diferentes — por exemplo, ovos, pães e uma muda de roupas —, como ela faria isso? Como ele dividiria seu arado e daria uma parte para um agricultor e a outra parte para um alfaiate? Mesmo para os casos em que os bens são divisíveis, é geralmente impossível que dois indivíduos dispostos a transacionar se encontrem no momento exato. Se A possui um suprimento de ovos para vender e B possui um par de sapatos, como ambos podem transacionar se A quer um terno? Imaginem, então, a penosa situação de um professor de economia: ele terá de encontrar um produtor de ovos que queira comprar algumas aulas de economia em troca de seus ovos.”

“Obviamente, é impossível haver qualquer tipo de economia civilizada sob um arranjo formado exclusivamente por trocas diretas.”

Há somente uma maneira de comprarmos exatamente aquilo que queremos em uma economia baseada na divisão do trabalho: por meio de um sistema monetário que estipule preços aos bens e serviços. Preços transmitem informação, e esta informação é crucial para a sobrevivência da economia moderna.

A importância do dinheiro para a economia é enorme. Sem a nossa atual economia monetária, praticamente toda a moderna vida industrial e urbana entraria em colapso em uma questão de poucos meses. Por exemplo, se todo o sistema monetário eletrônico de um país rico e grande (como os EUA ou o Brasil) deixasse de funcionar em decorrência de um ataque utilizando um pulso eletromagnético, provavelmente mais da metade das pessoas deste país estaria morta em menos de três meses. Sem o dinheiro, não haveria cálculo de preços e de custos. Ninguém seria capaz de ofertar bens básicos às cidades. Ninguém seria capaz de calcular o custo de nada.

Sem dinheiro, não haveria, por exemplo, transporte de cargas, de alimentos ou de combustível. Caminhões que transportam produtos para as cidades são pagos em dinheiro eletrônico. Nenhuma empresa de transporte mandaria um caminhão com uma valiosa carga de gasolina para uma cidade. Em troca de quê? Se ele fizesse isso, o motorista jamais retornaria. Nem o caminhão. A gasolina e o caminhão passariam a ser uma valiosa moeda de troca. Os caminhões deixariam de rodar.

O mesmo raciocínio acima é válido para empresas de transporte que levam suprimentos de alimentos para os supermercados nas cidades. As prateleiras dos supermercados ficariam vazias. Quem sobreviveria em uma cidade que não recebe suprimento nenhum? Como seria essa cidade após três semanas sem suprimentos?

Sem dinheiro, simplesmente não haveria como essa vasta quantidade de bens e serviços — algo que nem sequer podemos estimar — encontrar compradores. A maioria da população perderia seus empregos em uma questão de semanas. Não haveria demanda por nenhum dos serviços que somos capazes de ofertar. Consequentemente, não seríamos capazes de comprar praticamente nada daquilo que nos mantém vivos.

Seria um colapso econômico muito além de qualquer coisa que já ocorreu na história moderna. O retorno ao escambo resultaria em uma mortandade em massa. Seria o colapso da economia baseada na divisão do trabalho. As cidades se tornariam armadilhas mortíferas.

Em outras palavras, o sistema monetário está no âmago do mundo moderno. Não poderia haver catástrofe maior para o mundo moderno do que o sistema monetário eletrônico deixar de funcionar. Isso literalmente iria destruir a civilização. Voltaríamos a ser uma sociedade primitiva em um breve período de tempo. Quando digo “nós”, refiro-me aos sobreviventes.

Até mesmo em épocas de hiperinflação é possível conseguir o que queremos, pois ainda existem preços. Eles podem parecer estapafúrdios e ilógicos, mas ao menos ainda são preços. Com os consumidores ávidos para se livrar rapidamente desta moeda hiperinflacionada, eles competem entre si pelos bens e serviços, e isso eleva os preços. Mas esses preços ainda assim refletem o conceito de oferta e demanda dos consumidores. Eles transmitem informação. Eles realmente permitem que compradores e vendedores transacionem. Se fosse um arranjo de puro escambo, a perda de produtividade seria devastadora para quase toda a população.

Se você compra um ativo, você o adquire porque ele irá gerar dinheiro para você. Se um empreendedor faz algum investimento, ele o faz com o intuito de obter um fluxo de dinheiro no futuro. Se, repentinamente, o dinheiro parar de fluir, a esmagadora maioria destes ativos e investimentos tornar-se-ão inúteis. Mais ainda: sem o dinheiro e sem o sistema de preços monetários, o sistema judiciário (estatal ou privado) deixaria de funcionar. Não haveria mais respeito aos contratos e aos direitos de propriedade, o que geraria ainda mais incerteza em uma economia já destroçada. Haveria um completo colapso da economia.

Se o dinheiro não é importante e é possível viver bem sem ele, por que as pessoas trabalham para obtê-lo? Se o dinheiro não é importante, por que as pessoas vão às compras com ele? Quando você compra um ativo, você está na realidade comprando um fluxo esperado de dinheiro. Somente na mais rara das circunstâncias você espera que este ativo gere um fluxo de algo que não seja dinheiro. Se você compra uma mina para extrair ouro desta mina, você irá vender este ouro em troca de dinheiro (a menos que utilize esse ouro em um processo de escambo). Logo, o dinheiro é o fluxo de renda que motiva você a comprar a mina de ouro. O mesmo é válido para qualquer terreno agrícola.

Para resumir: se o dinheiro for abolido, todos morremos.

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Leia também: Sem o dinheiro, não há nem civilização e nem progresso

Gary North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil