A primeira página do Diário do Povo, uma mídia estatal porta-voz do Partido Comunista Chinês (PCC), tentou embaralhar as coisas em 12 de fevereiro, exibindo uma “seção de propaganda” extra no canto superior direito, para chamar a atenção dos leitores.
Havia 12 palavras que definiam os “valores fundamentais do socialismo” em fonte grande vermelha, com um fundo amarelo e laranja. Mas o que são esses valores? De acordo com o Diário do Povo: “Prosperidade, democracia, civilização, harmonia, liberdade, igualdade, justiça, estado de direito, nacionalismo, dedicação, integridade e bondade”.
Paralelamente a estes valores – expressos na mídia pela primeira vez – o jornal publicou um comentário. “Quando as pessoas têm fé, a nação tem poder”, disse a jornal estatal. E continuou dizendo que esses valores socialistas devem ser inculcados em todos os chineses e que estes devem defender esses valores para melhorar a sociedade.
A resposta a essas platitudes ruidosas das autoridades foi perfeitamente previsível. Internautas chineses acharam tudo funestamente irônico, e foram rápidos em zombar asperamente o Partido Comunista e seus novos valores infundados. Os valores socialistas reais, segundo o público chinês, são “mentiras”, “descaramento” e “propaganda sem vergonha”.
“Todas as 12 palavras são boas, o problema é que vocês [as autoridades] só as dizem da boca para fora, mas nunca as praticam!”, comentou o blogueiro Fengxue Zuitianya no Weibo, uma plataforma chinesa semelhante ao Twitter.
Comentaristas destacaram as tentativas do Partido Comunista de “monopolizar” os valores. “Essas palavras sonoras apenas mostram que o Partido Comunista Chinês, num regime de partido único, monopoliza tudo – política, poder, economia, recursos naturais e a verdade”, disse Hua Po, um analista político baseado em Pequim, à Rádio Som da Esperança. “Esse é o propósito do Partido em promulgar os valores socialistas.”
Outros apontaram o fato de que o Partido Comunista tem sido um perseguidor ativo de grupos espirituais, religiões, dissidentes e pessoas com pensamento independente. Neste contexto, dizem os chineses, o Partido não tem credibilidade para promover esses valores.
“Se o Partido Comunista não pode sequer alcançar um padrão básico de direitos humanos, como ele pode querer representar esses valores em nome do povo?”, questionou Zhu Xinxin, um veterano da mídia, em entrevista à Rádio Som da Esperança.
“O Partido tem vociferado esses slogans por décadas. Isso não tem qualquer efeito, exceto expor o regime ao ridículo. Valores são algo que se forma naturalmente nas pessoas. E não algo que um poder dominador possa impor e forçar as pessoas a aceitar”, completou Zhu Xinxin.
Internautas chineses também apontaram que os chamados novos ‘valores fundamentais socialistas’ não são muito diferentes dos valores defendidos nas sociedades capitalistas, exceto “nacionalismo” [aqui entendido como ‘nacional-socialismo’, base do nazifascismo].
Um internauta, com pseudônimo ‘Minha crença é democracia, igualdade e liberdade’, tinha isso a dizer: “As autoridades promoveram campanhas em grande escala contra a liberalização burguesa uns 20 anos atrás. Agora, isso se torna os ‘valores fundamentais do socialismo’. Eles estão zombando de si mesmos?”