Entre 20 e 25 de maio, nos 28 países membros da União Europeia (UE), foram eleitos os 751 deputados que comporão o Parlamento Europeu no período deliberativo 2014-2019.
Os tradicionais partidos europeístas foram os grandes derrotados: o Partido Popular Europeu (PPE), de orientação cristã-democrata, perdeu 61 cadeiras, ficando com 213; o Partido Socialista Europeu (PSE) perdeu seis, ficando com 190; a Aliança Liberal Democrata perdeu 19, ficando com 64; e a Aliança dos Conservadores Reformistas perdeu 11, ficando com 46.
Entre os vencedores estão o Partido da Esquerda Europeia, que ganhou sete cadeiras, ficando com 42; e o Partido Europeu da Democracia e da Liberdade (EFD na sigla em inglês), que também ganhou sete, ficando com 38; os sem partido, que eram apenas 33 no período anterior, passaram a 105. Nesses grupos encontra-se boa parte dos chamados eurocéticos — aqueles que advogam a retirada de seus países da União Europeia ou, ao menos, tão profundas modificações no organismo que o tornem apenas uma liga de nações inteiramente independentes com moedas próprias.
Eurocéticos encontram-se também nos dois maiores partidos, o PPE e o PSE. Com diferentes matizes eles constituem, no conjunto, quase um terço dos membros do Parlamento. O mais famoso eurocético é Nigel Farage, do EFD na sigla em inglês (Europa da Liberdade e da Democracia), eleito na Inglaterra pelo UKIP (United Kingdom Independence Party). Seu partido obteve 27,5% dos votos, ficando os Trabalhistas com 25,4% e os Conservadores com 23,9%.
Um psy-terremoto na Europa
Na França, o Front Nacional, de Marine Le Pen, de orientação eurocética e facistoide, ganhou 26% dos votos, contra 20% do UMP (Union pour un Mouvement Populaire, de Nicolas Sarkozy) e apenas 14% do Partido Socialista, de François Hollande. A vitória do Front Nacional causou na política francesa um abalo semelhante ao de um terremoto de grau 10 na Escala Richter, abalando-a profundamente.
Outros países em que partidos com fortes críticas à UE ganharam muito terreno foram a Dinamarca, onde o Partido Popular, de Morten Messerschmidt, obteve 26,6% dos votos; a Hungria, onde o Fidesz, do primeiro-ministro Viktor Orban, alcançou 51,5%, e o Jobbik, de Gábor Vona, 20,5%; a Alemanha, onde o AfD (Alternative für Deutschaland), partido recém-fundado que com 7% dos votos coloca sete dos 91 deputados que representam a Alemanha.
Como explicar esta vitória dos eurocéticos?
Por fatores que nos últimos anos vêm crescendo em importância, estas eleições colocaram a UE diante de um dilema, de modo muito mais claro do que nas anteriores: continuará firme no rumo que vem tomando até aqui, apesar do crescente descontentamento de boa parte de seus 400 milhões de eleitores, ou será obrigada a rever suas metas? Isto poderá ser para a UE uma questão de vida ou morte.
Inúmeras são as crises que se avolumam em seu interior. A que mais se faz sentir nos noticiários, mas sem que por isso seja a mais importante, é a econômica. Organismo de características nitidamente totalitárias e socializantes, a UE possui uma máquina administrativa enormemente dispendiosa, “fazendo mal o bem que faz, e bem o mal que faz”, segundo o axioma popular que assim descreve os maus governos. A Máquina não pára de crescer, criando sempre novas comissões, serviços, representações, etc.
Em seu afã de crescer territorialmente sem cessar, a UE tem admitido a cada ano novos países membros, não raro com economias deficitárias que necessitam sempre maiores apoios financeiros do Banco Central Europeu para sobreviver. A adoção do Euro por vários desses países impede-os de ajustar suas economias por conta própria, com taxas de câmbio variáveis ou permitindo alguma inflação.
Uma nova União Soviética?
Causa muito descontentamento nas respectivas populações dos países membros da UE — e aqui está o seu caráter mais nocivo — a perda da identidade nacional como países cristãos e das autonomias próprias de estados soberanos. Estes são objetivos não abertamente confessados, mas que podem ser constatados nas “diretrizes” e “regulamentos” da Comissão Europeia nos campos do aborto, eutanásia, “casamento” homossexual, adoção de crianças, educação sexual nas escolas, política migratória, monetária, tratamento de refugiados políticos, posições referentes a “direitos” humanos, agricultura, e muitos outros.
Embora essas diretrizes não tenham caráter obrigatório, elas são “zelosamente” transformadas em leis pelos governos dos diversos países, a tal ponto que mais 30% das leis aprovadas pelo Parlamento Alemão nos últimos anos têm como origem as tais “diretrizes”.
O caráter ditatorial da União Europeia
Embora se diga democrática, a União Europeia tem na prática caráter ditatorial. Em tese, os regulamentos e as diretrizes emanadas de sua Comissão ou de seu Parlamento não têm força de lei, mas se não forem adotados pelos países membros, estes sofrem retaliações, como foi o caso da Hungria depois da eleição de Viktor Orban em 2010. Para se livrar mais rapidamente dos juízes da era comunista, o Parlamento húngaro diminuiu a idade de aposentadoria destes, mas foi obrigado pela UE a voltar atrás.
Caso mais gritante ainda aconteceu no dia 28 de maio deste ano. No último dia em que exercia seu cargo, José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, vetou a iniciativa cidadã One of Us, a maior petição da história das instituições europeias, apoiada por mais de dois milhões de pessoas. Ela pedia à UE que não mais financiasse qualquer prática visando destruir a vida humana antes do nascimento. Mas foi vetada antes mesmo de ser discutida no Parlamento!
Que rumo tomará a União Europeia com o novo Parlamento? Impossível prever, por enquanto. Mas uma coisa é certa: não será mais a mesma.
Carlos Eduardo Schaffer é correspondente da Revista Catolicismo em Viena e colaborador da ABIM