Uma tranquila fábrica de papéis confere seu legado

29/05/2012 00:00 Atualizado: 29/05/2012 00:00

Pan Suchen na Fábrica de Papel Kuanghsing em Puli, Taiwan, secando o papel. (Matthew Robertson/The Epoch Times)

Esta é primeira parte de uma série de três sobre caligrafia chinesa em Taiwan: A Fábrica de Papel Kuanghsing e sua missão cultural

PULI, Taiwan—É tarde de sábado no final de janeiro e Pan Suchen está em pleno trabalho. Ela tem outras cem folhas ou mais para fazer antes de ir embora.

Não é um trabalho fácil, ela explica entre as respirações em cima da caldeira gigante de ferro quente, enxugando o rosto suado com seu antebraço. Ela responde a uma pergunta de cada vez enquanto se movimenta, colocando um pedaço de papel molhado embaixo da prensa de ferro e em seguida o escovando. O papel seca rapidamente e há muito vapor. Ela o destaca e rapidamente o coloca para secar, em seguida, pega outra folha molhada com uma vara fina de bambu.

A ideia básica é fazer com que a pilha de papel molhado seque. Isso é feito manualmente, uma folha de cada vez. Décadas atrás, quando ela começou esse trabalho ou arte, como é visto agora, cada um dos movimentos que está fazendo agora eram considerados muito arriscados. O papel pode rasgar, amassar ou queimar, e ela frequentemente queima as mãos e os cotovelos. O pincel que ela usa pesa um quilo, e todo o seu peso não pode tocar o papel. Demorou um ano inteiro para poder fazê-lo eficientemente, tendo começado com pequenos pedaços.

O papel foi inventado pelos chineses a cerca de dois mil anos atrás e desde então se espalhou para o resto do mundo. Atualmente, a grande maioria do papel produzido é feita por máquinas. Isto é que torna o trabalho de Suchen, e a fábrica em que ela está fazendo isso tão valiosos. Foi precisamente isto que o jovem casal Huang Huanchang e Wu Shuli queria fazer quando eles abriram a Fábrica de Papel Kuanghsing (também escrito “Guangxing”) ao público em 1994. Foi logo depois de Huang terminar o serviço militar obrigatório.

Durante a década de 1990, a maioria das fábricas de papéis de Taiwan foi transferida para a China continental, onde o material e os custos trabalhistas eram mais baratos. Poucos permaneceram em Taiwan. Naquela época, os papéis eram feitos por pequenas máquinas. Eles eram simplesmente dispostos ao longo da beira do rio, a céu aberto. Quando inundava, eles se mudavam para outro lugar temporariamente e esperavam passar. As condições eram mais difíceis.

Fora o conhecimento geral de que é na província central de Nantou que o papel é feito, o público não sabe muito sobre os detalhes do funcionamento de um dos bens culturais mais importantes do país.

Trazendo ao público

Puli é um lugar especial em Taiwan; está escondido entre as montanhas no norte de Nantou, a única província sem acesso ao mar em Taiwan. O papel precisa de água cristalina e Puli é o único lugar no país que pode fornecê-la. O solo da área contém baixo teor de minerais, explica Wu, o que significa que a água é muito clara, e perfeita para o que eles precisam fazer.

Wu levou algumas horas fora de sua agitada agenda para explicar a história, as motivações e os detalhes minuciosos da operação fascinante que ela ajuda a fiscalizar.

Um dos mestres despeja a polpa de uma gamela nas lâminas de bambu, passo anterior à secagem do papel. (Matthew Robertson/The Epoch Times)

O negócio estava na família de Huang por várias gerações antes de eles decidirem realizar mudanças. Eles se nortearam por dois princípios para a continuação do funcionamento da fábrica: um era certificar-se de que a tradição da fabricação manual de papel em Taiwan não morresse, e o segundo era introduzir o deleite da fabricação artesanal de papel para as gerações mais jovem e o público em geral. Eles instituíram uma série de mudanças ao longo dos anos que se seguiram.

O mais importante era simplesmente abrir a fábrica e deixar o público passear ao redor. Grupos de turismo passeiam enquanto mestres como Suchen trabalham em seu ofício. A fábrica também passou a contar com os lucros da tão movimentada quanto rentável loja de souvenires.

Eles também começaram a consultar universidades de todo o país, iniciando um intercâmbio entre ambas as partes. Eles estavam interessados na reciclagem e proteção do meio ambiente utilizando materiais alternativos para o papel. Eles começaram a trabalhar com materiais sem precedentes, rompendo com a tradição de usar apenas as árvores.

Wu contou o seguinte exemplo: “A R&D [pesquisa e desenvolvimento] descobriu que o bambu de água pode ser transformado em papel de caligrafia. Nós a chamamos de ‘Papel da Fortuna’, porque aqui em Puli há uma enorme quantidade de bambus de água. As cascas são descartadas em quantidades muito grandes, então a gente começou a juntá-las e usá-las para o papel. Por fim, descobrimos que funciona perfeitamente.”

Alguns outros produtos surgiram de experiências com cascas de banana e cascas descartadas de cana-de-açúcar. Ambos foram convenientemente utilizados ao invés de serem desperdiçados.

Outra mudança que adotaram foi a de elevar a condição dos trabalhadores em sua fábrica. Em vez de considerar o trabalho como mão-de-obra simples, eles foram tratados como “mestres”, receberam uniformes e foram homenageados em uma tela gigante no hall de entrada com pôsteres no dobro do tamanho real.

O trabalho é difícil e leva muito tempo para aprender. No verão, por exemplo, os fãs não entram, pois uma brisa já criaria problemas com a secagem. O inverno traz a sua cota de problemas também, como as articulações e tendões dos idosos que sofrem nesta época. Suchen conhece um monte de pessoas que tentaram o trabalho por um tempo, mas acharam difícil e voltaram para a fazenda. Aparentemente é mais fácil trabalhar nos campos de arroz do que nas pilhas de papel.

Manter a questão do toque humano, no entanto, é algo que Huang e Wu estavam decididos a enfrentar. “No início, enfrentamos a questão do fechamento da fábrica, as pessoas estavam se transferindo para melhores empregos, a indústria estava se transferindo para o exterior e a competitividade de Taiwan não era nada, por causa das questões de preço”, disse ela.

Continua na próxima página… “Antes, os papeleiros


 Wu Shuli dando uma demonstração do processo de fabricação do papel nos cochos em miniaturas para estudantes da escola que passam atrás. (Matthew Robertson/The Epoch Times)

“Antes, os papeleiros tinham a atitude de que eles estavam apenas começando a trabalhar e não percebiam a importância e o valor do seu trabalho. Tivemos de elevar o preço do papel e elevar o valor dos papeleiros mestres para agregar valor à profissão”, explicou ela.

O papel de máquina é feito sobre um rolo contínuo, e há uma granulação clara nele. Tente rasgar uma página de um jornal e você verá que ele rasga de um lado facilmente, mas de outro não. O papel artesanal produzido por Kuanghsing não rasga facilmente em nenhum lado, porque não tem granulação. A ausência de granulação é o que o torna ideal para a caligrafia e pintura chinesa; como a tinta não tem como borrar ela apenas fica onde ocorrem os toques de pincel. Tal tipo de papel só pode ser feito por seres humanos, porque a característica da ausência de granulação é baseada na imperfeição e aleatoriedade. As máquinas podem fazer movimentos exatamente iguais um milhão de vezes seguidas, mas os seres humanos não.

“A questão sobre o papel artesanal é que quando as pessoas o estão fabricando elas se movem e as fibras se misturam. É irregular, em certo sentido, e tem vida. Cada peça é diferente, artesanal e mais suave. A máquina de papel é monótona, mecânica e rígida. Mas é claro, há sempre um custo para a qualidade, disse Wu. “Qual é o problema com o papel artesanal? Não há como alcançar quantidades significativas.”

Seus esforços têm sido reconhecidos pelo governo, sendo este também um passo essencial para seu desenvolvimento. Foi no Escritório de Assuntos Culturais que aconteceram as orientações durante o processo. E foi através deste que as pessoas foram capazes de começar a perceber a importância do trabalho que elas estavam fazendo, explicou.

O processo de fabricação do papel

O primeiro passo do trabalho é reunir as fibras vegetais. Elas são misturadas com uma dose de água e em seguida batidas em uma irreconhecível polpa branca. A polpa é então misturada com água até atingir a consistência certa, que só pode ser avaliada por um mestre experiente. A transparência do produto final depende da razão entre a água e a fibra.

Em seguida a polpa é colocada em cochos e em pranchas semipermeáveis para escorrerem o excesso de água, e o que sobra é o primeiro passo de um pedaço de papel. As placas de Kuanghsing são feitas a partir de uma série de finos pedaços de bambu unidos, algo como as placas utilizadas para sushi. Eles são colocados dentro de uma moldura de madeira para que a polpa não escorra para os lados.

A placa de bambu que segura a polpa de papel é então separada da moldura, agitada e colocada de cabeça para baixo num banco ao lado. Uma a uma, as peças que ainda estão encharcadas e não tiveram tempo de se formarem adequadamente, são colocadas umas em cima das outras.

 Obras penduradas para secar; o sol brilha através do telhado em Kuanghsing. (Matthew Robertson/The Epoch Times)

Nesta fase, as folhas de papel ainda estão bastante frágeis e molhadas, e se alguém acidentalmente caísse em uma pilha, ele provavelmente iria se sentir caindo em um purê de batatas, pois o papel não está como um pergaminho ainda. A razão para não grudarem juntas quando empilhadas remete ao elemento essencial: não há granulação em nenhuma parte, as fibras da celulose que compõem cada folha são misturadas de modo que cada camada mantém a si mesma e não pode formar ligações com a folha de cima ou debaixo.

Este ponto é bem definido na próxima etapa, pois uma vez que algumas milhares de folhas são empilhadas, elas são deslocadas para pressurização em máquinas próprias. A pilha inteira é colocada sob uma máquina e apertada para se remover o excesso de água, em seguida, são entregues a Suchen e seus colegas, que as secam do lado de fora onde o público aguarda.

Originalmente, Suchen só começou a trabalhar na Fábrica de Papel Kuanghsing porque ela morava perto, tinha acabado de se formar no colégio, e precisava de um emprego. As coisas são mais fáceis para os jovens de hoje, e apesar dos esforços de pessoas como Huang Huanchang, Wu Shuli e Pan Suchen, o trabalhador médio em Kuanghsing ainda está em faixa etária superior a cinquenta anos. No entanto, todo o processo de fabricação de papel é mantido, bem como a parceira caligrafia, fator também relevante para a geração atual.

Os alunos que chegam à fábrica para sentir o gostinho da vida de um fabricante de papel também ficam com as suas criações. Envolver os jovens era, afinal, o objetivo principal dos criadores do plano de divulgação deste ofício.

Visite o site da Fábrica de Papel Kuanghsing.