Uma tragédia inesquecível e imperdoável na Síria

23/06/2012 03:00 Atualizado: 23/06/2012 03:00

O chefe da missão de observação da ONU na Síria, o major-general Robert Mood, fala à imprensa durante uma conferência de imprensa em Genebra em 22 de junho. (Sebastien Bozon/AFP/Getty Images)Alguns dos meus antepassados vieram da Síria, o que pode ser mais uma explicação para o imenso horror que sinto a respeito dos trágicos acontecimentos em Houla, onde 108 aldeões sírios, incluindo 34 mulheres e 49 crianças foram massacrados. Quem são os responsáveis por essas ações terríveis?

Enquanto ambos os lados, os rebeldes e o governo, culpam um ao outro, a decisão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para conduzir uma investigação independente é um passo positivo. O Conselho apelou a uma equipe de investigadores liderada pelo brasileiro Paulo Pinheiro para conduzir uma investigação e “identificar os que parecem responsáveis por estas atrocidades e preservar as provas dos crimes para possíveis processos criminais futuros.”

Navi Pillay, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, afirmou que os responsáveis podem enfrentar processos por crimes contra a humanidade e apelou ao Conselho de Segurança da ONU para se referir a Síria com o promotor do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo.

A tragédia de Houla resiste a qualquer tentativa de simplificar isso. Enquanto rebeldes culpam o regime de Assad, o presidente e seus aliados negam qualquer responsabilidade pelos assassinatos indiscriminados.

A delegação da Síria acusou os rebeldes antigovernamentais de realizarem os assassinatos e disse que sua própria investigação estava em andamento. Rússia e China chamaram a resolução de “desequilibrada” e indicaram que os observadores da ONU já estavam investigando o massacre e não havia necessidade de uma investigação adicional.

A Rússia fez comentários particularmente duros sobre aqueles no Ocidente que culpam o governo por essa tragédia. “Isto é, acima de tudo, falta de vontade de alguns protagonistas internacionais e regionais de agirem no tocante à Síria de acordo com a lógica da paz. A preferência, como vimos, ainda é dada a própria agenda, o ponto principal da qual é uma mudança de regime em Damasco. A tragédia em Houla mostrou as consequências da assistência financeira e material do contrabando de armas avançadas para os militantes, o recrutamento de mercenários estrangeiros e de flertar com todos os tipos de extremistas”, disse Alexander Lukashevich, porta-voz do Ministério dos Relações Exteriores da Rússia.

Em 31 de maio, a organização ‘Human Rights First’ divulgou um relatório afirmando que um navio de carga russo havia entregado armas pesadas no porto sírio de Tartus provavelmente destinadas às forças de segurança de Bashar al-Assad. No entanto, durante uma visita à Alemanha para uma reunião com a chanceler alemã Angela Merkel, Vladimir Putin disse que, “A Rússia não fornece armas que poderiam ser usadas num conflito civil.”

Muitos acreditam que a Síria é apenas uma intermediária entre a Rússia, a China e o Irã de um lado e as potências ocidentais do outro. Alguns governos ocidentais, incluindo o Canadá, expulsaram seus diplomatas sírios e ameaçaram reforçar as sanções. Estes movimentos não resultaram em qualquer alteração no ritmo das ações destrutivas na Síria.

Diplomatas russos e norte-americanos estão considerando o que alguns chamam a “variante Yemenskii”, uma proposta modelada na transição no Iêmen que se livrou do presidente Ali Abdullah Saleh, mas manteve muitos dos seus apoiadores no lugar. Essa ideia provavelmente estará na agenda da próxima reunião entre Vladimir Putin e Barak Obama.

Entretanto, a Rússia e a China certamente vetariam qualquer intervenção militar internacional como a que ocorreu na Líbia, pressagiando uma intensificação do conflito que está reivindicando grandes números de mortes de civis, notadamente de crianças, uma perda que não parece perturbar, ou pelo menos não o suficiente, aqueles que lutam na Síria. Para os assassinos na Síria, as crianças parecem apenas ser “futuros dispensáveis”.

Os sanguinários assassinos de crianças deveriam ser lembrados de um poema de Pablo Neruda, indiscutivelmente um dos grandes poetas do mundo, que termina seu poema “Eu explico algumas coisas” relacionado com a guerra civil espanhola com as linhas,

Venham ver o sangue nas ruas,
Venha e veja
O sangue nas ruas,
Venham ver o sangue
nas ruas!

Os “chacais que os chacais desprezariam”, para usar, num contexto diferente, as palavras de Pablo Neruda, merecem o desprezo do mundo.

O Dr. César Chelala, um vencedor do Prêmio ‘Press Club of America’, escreve extensivamente sobre os direitos humanos e questões de política externa.