Os soldados lutam para defender seu lar e a pátria, mas o que acontece quando estes dois motivos se contradizem? A chacina no início de novembro de 2011 de quatro dissidentes do Exército de Libertação Popular, que se dirigiam ao esquadrão perto de suas casas, talvez tenha sido ordenada para prevenir que o povo chinês faça essa questão.
Em 9 de novembro, a estação de polícia local na cidade de Shulan, província de Jilin, transmitiu um alerta. Quatro soldados, todos da base militar de Shulan, haviam escapado da base entre 4:30 e 6:00 a.m. Eles levavam consigo um fuzil automático modelo QBZ-95 e 795 balas.
Naquela tarde, rumores começaram a circular na internet que quatro soldados haviam sido capturados na província de Liaoning, que se situa logo a sudoeste da província de Jilin. Informações não oficiais diziam que três foram mortos no local e um deles foi gravemente ferido.
Às 4:30 da tarde, a unidade de controlo de tráfego da Secretaria de Segurança da polícia de Jilin respondeu as solicitações de internautas no Weibo, um microblogue chinês, confirmando que três foram mortos e um foi capturado vivo.
Esta informação desapareceu rapidamente do website da Secretaria de Segurança Pública e mais notícias sobre os quatro soldados tornaram-se difíceis de obter. A mídia oficial não reportou o incidente e a internet ficou subitamente calma. Muitos dos sites que reportaram a situação apresentavam agora mensagens de erro.
Quando alguns jornalistas se deslocaram às cidades natais dos desertores, os familiares dos soldados já estavam sob o controle das autoridades e não disponíveis para comentários.
Razões para a deserção
Em redes sociais e blogues, o tópico mais discutido tem sido a razão da deserção. Três dos desertores haviam sido recentemente recrutados, em 2010. Um deles, Yang Fan, era líder de esquadrão. Nem a Secretaria de Segurança nem os militares publicaram qualquer detalhe sobre os soldados.
A maior parte das deserções ocorre nos primeiros meses entre novos recrutas. Nos centros de treinamento, quando novos recrutas não conseguem suportar os treinos ou a dureza dos instrutores, eles tentam fugir. Não foi isto que aconteceu no incidente de Jilin. Os três novos recrutas haviam completado o treinamento e já estavam em suas unidades; e o líder de esquadrão Yang Fan já estava no exército a 6 anos.
Outra possível causa para a deserção seria um conflito com oficiais superiores. Esta hipótese também não é provável. Normalmente, tais conflitos resultam em tiroteio dentro do perímetro da base militar e em alguns casos há incidentes fora do perímetro da base.
Em 1994, o 1º Tenente Tian Mingjian matou ou feriu vários de seus oficiais superiores em sua base militar no condado de Tongxian, em Pequim. Em seguida, ele dirigiu até Jianguomen, não longe da Praça Tianamen, e continuou os disparos. Por fim, Tian foi abatido por um atirador da polícia.
No incidente de Jilin, os quatro soldados abandonaram a base calmamente e não causaram qualquer distúrbio até que foram interceptados pela Brigada da Polícia Especial cerca de 10 horas depois.
Defender a casa
Uma terceira possibilidade faz mais sentido para a maioria dos chineses. Alguém postou informação não confirmada online, indicando que em suas cidades natais, as casas de três dos soldados haviam sido demolidas, e que a irmã de um deles foi violada.
Outra informação não confirmada dizia que a casa do líder de esquadrão Yang Fan havia sido demolida e sua irmã violada. De acordo com este relato, Yang Fan queria vingar-se das autoridades locais, e os outros três soldados voluntariaram-se para ajudá-lo.
Esta suposição não exclui a possibilidade de que os outros três soldados também sofressem pelas casas de suas famílias terem sido demolidas e que tenham ajudado Yang por sentirem-se injustiçados.
A possibilidade de que os três recrutas estivessem auxiliando Yang é apoiada pelo percurso da viagem. Eles foram interceptados e mortos no condado de Qingyuan, na autoestrada estatal G202. Analisando o mapa e verificando as horas, é claro que depois de deixarem a base na cidade de Shulan, seguiram a G202, e em seguida foram para sudoeste, passaram a cidade de Jilin, continuaram para sudoeste na G202, e foram finalmente interceptados no condado de Qingyuan.
Neste ponto, se tivessem conseguido sair da autoestrada G202 indo para o sul, eles chegariam depois de mais apenas 50 quilômetros à cidade natal de Yang Fan, no condado de Xinbin.
A rota não era relevante para os outros soldados, apenas para Yang Fan. Um deles era da província de Heilonjiang, que fica na direção oposta. Outro era originário da província de Hunan que fica a milhares de quilômetros e seria quase impossível de alcançar, com o sem arma.
Emboscada Fatal
Se realmente os quatro soldados desertaram porque a família de Yang fora vitimada, as autoridades não teriam qualquer problema em descobrir a razão imediatamente após a deserção. Tanto em sua unidade militar quanto em sua cidade natal, a situação de sua família seria bem conhecida.
As autoridades obviamente assumiram que Yang tinha assuntos a tratar em sua terra natal e por isso prepararam uma forte emboscada. Uma testemunha no local afirmou que o destacamento armado que disparou sobre os desertores não era constituído nem por polícia comum nem por pessoa do exército e sim pela Unidade da Polícia Especial.
Muitos veteranos levantaram a questão, por que estes rapazes foram mortos?
É de conhecimento geral que no exército, as pessoas seguem as ordens de seus superiores. As ordens não se questionam. Para estes recrutas, o líder de esquadrão era seu oficial superior direto. Se aos soldados fosse pedido que acompanhassem seu líder de esquadrão, eles não poderiam dizer não mesmo que soubessem não se tratar de um serviço militar. No exército chinês, fazer tarefas para os oficiais superiores é muito comum, e isso vale tanto para a vida na base como fora dela.
Podia haver muitas outras formas de resolver esta crise. As autoridades sabiam tudo sobre os desertores e três deles estavam desarmados. A situação poderia ter sido controlada e, contudo, uma força esmagadora foi usada.
Decisão do alto escalão
A decisão de abater os 4 soldados foi tomada pelo alto escalão. Ao nível provincial ou regional, o exército não tem jurisdição para ordenar a Unidade da Polícia Especial. Esta Unidade é parte da Polícia Armada, que por sua vez está sob o comando da Comissão Militar Central. A decisão foi muito provavelmente tomada pela Comissão Militar Central ou pelo próprio Comitê Central do Partido Comunista Chinês.
O regime agiu porque não podia dar-se ao luxo de que os soldados Yang Fan e seus companheiros confrontassem as autoridades locais com uma arma.
Em quase todas as situações de demolição de casas, os dois lados estão numa situação de total desequilíbrio. As ações mais violentas que as vítimas tomam é atearem fogo aos próprios corpos. Os construtores e oficiais locais usam arruaceiros para bater nas vítimas e a polícia armada para dar-lhes cobertura.
O impacto de Yang Fan retificando esta situação típica com uma arma automática seria como uma bomba atômica.
A construção patrocinada pelo Estado tem sido o motor da economia chinesa, e as aquisições de terras e subsequente demolição de casas, necessárias para tornar estas construções possíveis, são a maior fonte de agitação e conflito social.
A maior parte dos soldados e oficiais de hierarquia inferior são do interior do país ou são residentes urbanos comuns; suas famílias facilmente se tornam vítimas da demolição de casas e sofrem de outros conflitos com os oficiais. O impacto destes conflitos sociais dentro do exército pode não ser tão óbvio em tempos de paz, mas o efeito será ampliado quando os militares forem chamados a combater “inimigos” dentro ou além das fronteiras.
Há vinte e dois anos, quando os militares foram chamados para reprimir o movimento estudantil na Praça Tiananmen, a maior parte dos soldados não partilhava os mesmos sentimentos dos estudantes. As unidades militares envolvidas foram isoladas do mundo exterior durante um mês e foi-lhes dito que sua missão era suprimir contrarrevolucionários. Ainda que muitos deles estivessem confusos e angustiados, eles cumpriram suas ordens.
Agora a situação é diferente. Se há uma guerra, os soldados necessitam de uma razão para lutar, uma causa pela qual se sacrificarem.
Durante a guerra da Coreia, o slogan era “Proteger nossas famílias e defender o país”. Em chinês, a palavra para “país” é a mesma palavra para “Estado”.
E se o país que precisa ser defendido é o Estado que destrói suas casas? Pode o Estado esperar ainda que os soldados lutem para defender o país, quando o país não pertence aos soldados, mas ao Estado que destrói suas casas?