Em 21 de novembro, a Ucrânia anunciou que não assinaria um Acordo de Associação com a União Europeia na reunião realizada em Vilnius, na Lituânia, com os líderes da UE e os seis parceiros do Leste – Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Moldávia e Ucrânia. O acordo propunha à UE e à Ucrânia a criação de uma grande e abrangente Zona de Livre Comércio que geraria mais comércio e investimento entre a Ucrânia e os 28 estados-membros da UE.
Devido à longa ligação econômica, militar e cultural da Rússia com a Ucrânia e a ambição do presidente Vladimir Putin em expandir sua união aduaneira com a Bielorrússia e o Cazaquistão e, eventualmente, criar um “espaço econômico comum” e a União Econômica da Eurásia dos Estados pós-soviéticos não-bálticos, ficou claro que a Rússia faria o que fosse necessário para prevenir que a Ucrânia assinasse o acordo. Nos meses que antecederam a cúpula de Vilnius, a Rússia impôs controles aduaneiros ou quotas sobre as importações provenientes da Ucrânia, exigiu o pagamento de 1 bilhão de dólares em dívidas do fornecimento de gás, ameaçou aumentar o preço do gás neste inverno e introduziu restrições para que ucranianos possam entrar na Rússia para trabalhar.
A decisão de última hora da Ucrânia em não assinar o acordo da UE foi, talvez inevitavelmente, moldada em termos geopolíticos como o resultado de uma luta entre a Europa e a Rússia sobre o futuro alinhamento da Ucrânia. Mas a escala do resgate anunciado depois de uma reunião em Moscou em 17 de dezembro entre Putin e o presidente ucraniano Viktor Yanukovych deixou claro que, embora as consequências possam ser geopolíticas, o impulso para a decisão da Ucrânia foi econômico e, portanto, uma disputa que a Europa poderia ter vencido.
Déficits perigosos
A Ucrânia está, ou pelo menos estava até o socorro ser anunciado, à beira da insolvência. Em 2013, ela teve um déficit em conta corrente equivalente a mais de 8% do PIB e um déficit orçamentário de mais de 6,5%. Suas reservas cambiais cobrem apenas três meses de importações. Ela teve de pagar 8 bilhões de dólares em dívida externa este ano, incluindo 3,7 bilhões de dólares para o Fundo Monetário Internacional (FMI) referente a um empréstimo de 2008. E têm de pagar à Rússia cerca de 12 bilhões de dólares por um ano de fornecimento de gás. Com um grande déficit em conta corrente, um substancial déficit orçamentário, poucas reservas, grandes reembolsos de dívida em moeda forte e os pagamentos ainda maiores para a Rússia pelo fornecimento de gás, a Ucrânia estava a apenas alguns meses da inadimplência.
No outono, a UE e o FMI discutiram sobre um possível acordo de auxílio para a Ucrânia semelhante ao arranjo de 15,5 bilhões de dólares fornecidos em 2010. Mas ficou claro desde o início que, tanto por causa da gravidade da crise econômica na Ucrânia quanto pela suspensão do acordo de 2010, depois que apenas 3,4 milhões de dólares foram desembolsados porque a Ucrânia havia se recusado a implementar uma das condições, qualquer ajuda viria com condições mais difíceis.
Não importando o quanto essas condições pudessem ser benéficas em longo prazo, também ficou claro que seu efeito imediato custaria caro em termos políticos, não menos importantes para Yanukovych, que concorrerá à reeleição no início de 2015. Maior flexibilidade da taxa de câmbio para a moeda da Ucrânia faria com que ela se desvalorizasse frente ao dólar, aumentando assim o custo do petróleo importado e do gás, sendo que ambos estão com preços cotados em dólar. A Ucrânia também teria de eliminar gradualmente o subsídio familiar substancial para o custo da energia, uma das condições do acordo de 2010 que a Ucrãnia recusou-se a implementar.
No início de novembro, Putin e Yanukovych concordaram, quando da realização de duas longas reuniões, em troca de não assinar o acordo da UE e retomar as negociações para estreitar os laços comerciais com a Rússia, que o valor da conta do gás devida pela Ucrânia seria resolvido, que os controles aduaneiros recentemente impostos e as cotas de importação seriam retirados, e a Rússia prestaria assistência financeira adicional.
Como a cúpula de Vilnius se aproximava, tornou-se evidente que qualquer assistência do FMI e da UE não só seria acompanhada de condições difíceis, mas que também estariam muito aquém do que a Ucrânia realmente precisa a fim de evitar uma assistência padrão na faixa de US$ 15 a 20 bilhões. Uma carta do FMI para o governo ucraniano de 20 de novembro formalmente ofereceu US$ 5 bilhões e enfatizou que o país teria de pagar os US$ 3,7 bilhões devidos referentes ao empréstimo de 2008. A UE ofereceu 610 milhões de euros, cerca de US$ 840 milhões, com as condições do FMI. No dia seguinte, Yanukovych anunciou que a Ucrânia não assinaria o acordo da UE.
Inclinação europeia ou russa
Por um lado, a decisão não surpreendeu. Há, é claro, muitos em Kiev e na Ucrânia ocidental que se veem como europeus, que apoiaram a Revolução Laranja e seu líder Viktor Yushchenko, eleito presidente em 2004, e Yulia Tymoshenko, a ex-primeira-ministra, atualmente presa, e o sonho de um dia se juntar à União Europeia.
Mas há muitos outros, especialmente nos países de língua predominantemente russa no Leste – coração industrial do país – e no Sul da Ucrânia, que sentem-se ligados pela cultura e interesse econômico com a Rússia, que apoiaram Yanukovych, ex-governador de Donetsk Oblast, nas eleições presidenciais de 2004 e 2010, e que são favoráveis a uma maior aproximação com a Rússia, que se mantém há mais de duas décadas desde o fim da URSS como o principal parceiro comercial da Ucrânia.
Durante a eleição presidencial de 2004, Putin visitou o país duas vezes para trabalhar em prol de sua campanha. Sua primeira grande iniciativa política, depois de vencer a eleição presidencial de 2010, foi estender o contrato de longo prazo da Rússia de suas instalações portuárias em Sevastopol, a base para sua frota do Mar Negro. A segunda foi a legislação que proíbe a Ucrânia de formar qualquer aliança militar, descartando assim a possibilidade de uma futura adesão à OTAN.
Oportunidade perdida pela UE
No entanto, a UE e o FMI poderiam ter fornecido à Ucrânia a assistência financeira necessária e amortecido o impacto de curto prazo de suas condições. Mas por alguma razão – seja por causa da crise da zona do euro, seja pela preocupação da UE com a criação de um sindicato bancário, a aversão em fornecer fundos para um não-membro da UE que tinha desrespeitado as condições do contrato anterior, a aversão em ajudar Yanukovych e seu governo, ou o conhecimento do acordo no início de novembro entre Putin e Yanukovych – e apesar do fato de que eles comprometeram bilhões de euros com um punhado de membros da zona do euro nos últimos quatro anos, eles viraram as costas para a Ucrânia e ao fazê-lo abriram as portas para Putin.
Depois que Putin e Yanukovich se reuniram em Moscou em 17 de dezembro, foi anunciado que a Rússia comprará US$ 15 bilhões da dívida do governo ucraniano por meio de seu Fundo do Patrimônio Nacional, que recebe uma parte das receitas do petróleo e gás do Estado, e baixará o preço do gás fornecido à Ucrânia em um terço, o equivalente a US$ 4 bilhões ao ano.
Eles, é claro, negaram que a futura adesão da Ucrânia à União Aduaneira da Rússia juntamente com a Bielorrússia e o Cazaquistão foi uma condição para o resgate. Mas o resgate aumenta muito as chances de que a Ucrânia irá, em algum momento futuro, aderir à União Aduaneira, mesmo porque a sua economia se tornará ainda mais intimamente ligada e dependente da Rússia do que é hoje.
Se algum dia o mundo acordar com a notícia de que a Ucrânia se juntou à União Aduaneira e comprometeu-se a participar do “espaço econômico comum” e da União Econômica Euro-Asiática que a Rússia planeja, os historiadores olharão para trás até o ano de 2013 e perguntarão por que a UE e o FMI não tiveram a lucidez de ajudar a Ucrânia quando ela necessitou de sua ajuda.
David R. Cameron é professor de ciência política na Universidade de Yale e diretor do programa de estudos da União Europeia
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