Ninguém, muito menos o presidente ucraniano Viktor Yanukovych, poderia ter imaginado, quando ele anunciou em novembro que não assinaria um muito antecipado acordo de associação com a União Europeia, que sua decisão daria origem a três meses de protestos que, depois de uma semana tumultuada e trágica em que mais de 80 morreram, culminaria no seu afastamento do cargo.
De fato, a partir de 17 de fevereiro, parecia possível que a crise fosse resolvida por meio de negociações. No final de janeiro, após a aprovação de leis que criminalizavam muitas atividades pacíficas dos manifestantes, confrontos com a polícia resultaram na morte de seis manifestantes e a ocupação de escritórios administrativos regionais em todo o Oeste da Ucrânia. Finalmente, Yanukovych concordou, depois de várias reuniões com líderes da oposição como Vitali Klitschko do UDAR (Aliança Democrática Ucraniana pela Reforma), Oleh Tyahnibok do Svoboda (Liberdade) e Arseniy Yatsenyuk do Batkivshchyna (Pátria), em formar um novo governo, que incluía membros da oposição, revogava a maior parte das novas leis e concedia anistia aos manifestantes desde que terminassem a ocupação de prédios públicos e os bloqueios de ruas e praças.
Desde o final de janeiro não houve violência nas ruas, os manifestantes terminaram sua ocupação do Ministério da Justiça e da maioria dos centros administrativos regionais, e as discussões continuaram sobre a composição de um novo governo e uma possível reforma constitucional para reduzir o poder do presidente e aumentar o do Parlamento. Os detidos sob as leis de janeiro foram libertados e, após o término da ocupação da prefeitura de Kiev e dos escritórios administrativos regionais em outras cidades e a abertura de uma rua principal em Kiev, anistia foi concedida.
Mas isso foi antes do derramamento de sangue de 18-20 de fevereiro. Depois disso, os manifestantes e a oposição não se contentariam com menos do que a saída definitiva de Yanukovych do cargo.
Com o país à beira da guerra civil e o governo se preparando para usar os militares para limpar a Praça da Independência – em 19 de fevereiro, Yanukovych substituiu o coronel-general Volodymyr Zamana, o chefe das forças armadas, que se opunha ao estado de emergência e a envolver os militares no conflito –, os ministros das Relações Exteriores da França, Alemanha e Polônia viajaram a Kiev num esforço de 11 horas para mediar um acordo. Eles se juntaram a Vladimir Lukin, o enviado do presidente russo Vladimir Putin.
Depois de horas de negociação, Yanukovych e os líderes da oposição concordaram em adotar dentro de 48 horas uma lei especial que restaurava a Constituição de 2004; criar uma coalizão e formar um governo de união nacional no prazo de 10 dias; aprovar uma reforma constitucional para reequilibrar os poderes do presidente, governo e Parlamento em setembro; e realizar eleições presidenciais assim que a reforma constitucional fosse concluída o mais tardar até dezembro. A oposição concordou em retirar-se dos edifícios administrativos e públicos e desbloquear as ruas, parques e praças, as autoridades concordaram em não impor um estado de emergência, e ambos os lados concordaram em abster-se do uso da violência e que o Parlamento aprovasse a anistia para todos aqueles envolvidos na violência.
Acordo falho
O acordo, assinado em 21 de fevereiro, foi abrangente, mas falho; ele deixou Yanukovych no cargo por muitos meses, o que era inaceitável para aqueles na Praça da Independência e muitos outros depois da violência dos últimos três dias.
Com os 180 membros dos três partidos da oposição fortalecidos por muitos desertores do Partido das Regiões de Yanukovych e outros, o Parlamento aprovou a restauração da Constituição de 2004 e em seguida passou a aprovar uma enxurrada de medidas que rapidamente puseram fim ao regime de Yanukovich. Eles desmobilizaram a polícia e ordenaram sua retirada do distrito do governo, concederam anistia a todos os envolvidos na violência, ordenaram a libertação de Yulia Tymoshenko e demitiram a maioria dos ministros do governo.
Mais importante, no dia 22 de fevereiro, depois de constatar que Yanukovych havia fugido para o Leste da Ucrânia durante a noite, o Parlamento votou por removê-lo do cargo por negligenciar seus deveres constitucionais e agendou eleições presidenciais antecipadas para 25 de maio. E elegeu Oleksandr Turchynov, o vice-líder do partido Pátria e aliado próximo de Tymoshenko, como orador e, no dia seguinte, com os cargos de presidente e primeiro-ministro vagos, elegeram-no como presidente-interino.
Desafios do novo governo
O novo governo, liderado por Yatsenyuk, enfrenta uma série de desafios sérios. Um dos mais difíceis será ele se estabelecer como a autoridade legítima de toda a Ucrânia, incluindo a Ucrânia oriental e meridional e, especialmente, a região autônoma da Criméia. Assim como a decisão de Yanukovych de não assinar o Acordo de Associação da União Europeia alienou muitos na Ucrânia central e ocidental, as decisões do Parlamento desde 21 de fevereiro, e não apenas sua remoção de Yanukovych, mas, talvez mais importante ainda, sua revogação de uma lei que permite o uso de línguas minoritárias no governo local, alienaram muitos no Leste e Sul da Ucrânia, que compartilham fortes laços étnicos, históricos, linguísticos, econômicos e militares com a Rússia. A Criméia, em particular, parte da república russa da URSS até 1954, cuja população é predominantemente russa e onde se baseia a frota russa do Mar Negro, é um ponto provável de inflamação.
Não menos importante, e relacionado ao primeiro, é o desafio de reparar o relacionamento bastante danificado com a Rússia. Numa entrevista televisiva em Kharkiv em 22 de fevereiro, Yanukovych denunciou as ações do Parlamento como “vandalismo, banditismo e golpe de Estado”. Outros na Rússia têm usado linguagem semelhante; o primeiro-ministro Dmitry Medvedev descreveu o ocorrido como “motim armado” e o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, descreveu-o como uma tentativa de “extremistas” de tomar o poder por meio de um “golpe de Estado”.
A raiva da Rússia não deriva apenas da remoção de um aliado e sua convicção de que os chanceleres da União Europeia involuntariamente facilitaram a tomada ilegal do governo. Os líderes russos acreditavam que, com os muitos acordos de governo-a-governo que acompanharam o resgate de dezembro, a Ucrânia se tornaria ainda mais intimamente ligada à Rússia do que é agora – a Rússia é o principal mercado de exportação da Ucrânia – e, no devido tempo, se juntaria a sua união aduaneira e, eventualmente, a União Econômica da Eurásia. Agora, com a Ucrânia retornando, como Turchynov disse em seu discurso inicial ao país no domingo, à “família de países europeus”, a Rússia deve ver seu sonho de uma união aduaneira e da União Econômica da Eurásia que incluiria a Ucrânia se esvaindo. É uma derrota amarga.
Desafio econômico
O terceiro desafio é econômico. A situação é “catastrófica”, como disse Turchynov ao Parlamento no domingo. Diante de um grande déficit em conta corrente, reservas que cobrem apenas dois meses de importações e estão diminuindo rapidamente à medida que o capital foge e o banco central tenta apoiar uma moeda em queda livre e US$ 12 bilhões em pagamento de dívida, metade dos quais é em dólar ou euro, para este ano; a economia está na UTI. De fato, se a Rússia cortar os restantes US$ 12 bilhões em seu resgate de US$ 15 bilhões de dezembro – a primeira parcela de US$ 3 bilhões foi concedida no final de dezembro, mas o resto foi suspenso –, a Ucrânia, na ausência de assistência substancial de outras fontes, ficará inadimplente.
No ano passado, a maioria dos especialistas estimou que a Ucrânia precisaria de US$ 18-20 bilhões; agora, o ministro das Finanças estima que precisem de US$ 35 bilhões. Numa carta entregue no dia anterior, Yanukovych anunciou que não assinaria o acordo da União Europeia (UE) oferecido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) com condições difíceis apenas para refinanciar a dívida existente do país com o FMI de empréstimos anteriores de aproximadamente US$ 5 bilhões. A UE ofereceu apenas US$ 610 milhões em “assistência macrofinanceira”. O desafio agora é convencer a Rússia a continuar seu resgate pelo momento e persuadir a UE, o FMI, os Estados Unidos e talvez outros a fazer agora o que não fizeram no ano passado, proporcionar substancial assistência financeira e fazê-lo em tempo hábil, o que significa em breve, melhor antes do que depois das eleições de 25 de maio.
David R. Cameron é professor de ciência política e diretor do programa de estudos da União Europeia de Yale. Copyright 2014 Centro Whitney e Betty MacMillan de Estudos Internacionais e Regionais de Yale