Também conhecido pela sigla em inglês ISIS, o Estado Islâmico tem sido um assunto recorrente na mídia internacional ao longo dos últimos meses. Seus militantes atualmente ocupam parte considerável dos territórios do Iraque e da Síria, tendo ganhado força principalmente a partir do caos gerado pela ocupação americana e por um governo desorganizado (no primeiro caso) e por uma guerra civil que já dura três anos e meio (no segundo).
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Inicialmente, o ISIS era apenas mais um dentre os inúmeros grupos participantes de ambos os conflitos, tendo começado a se destacar dos demais beligerantes a partir do início de junho de 2014, quando iniciou uma ofensiva em grande escala no norte do Iraque. Enquanto os brasileiros estavam ocupados com os preparativos finais para a Copa do Mundo, o Estado Islâmico atacava a cidade de Samarra (dia 5), capturava Mosul e Tikrit (dias 10 e 11), aproximava-se de Baghdad (dia 12) e, em seguida a todos esses ataques, provocava uma grande fuga das tropas oficiais iraquianas em direção ao sul. No final do mês, o governo iraquiano já não mais controlava as fronteiras entre seu país, a Síria e a Jordânia.
Após essas vitórias iniciais, o grupo continuou se expandindo, procurando estabelecer um “califado” e impor à força sua concepção extremista do islamismo. Entre as minorias étnicas perseguidas no processo, encontram-se assírios, yazidis e cristãos. A visão de mundo do ISIS é considerada tão radical que até mesmo a Al-Qaeda cortou laços com a organização, em fevereiro de 2014.
As notícias sobre o Estado Islâmico têm sido cada vez mais frequentes, sendo relativamente fácil se perder no meio do grande número de informações que surgem diariamente sobre o grupo. Por isso, separamos 15 números que explicam alguns dos aspectos mais importantes do ISIS e certamente ajudarão você a entender melhor essa história.
1999
É o ano em que se formou na Jordânia o embrião do grupo que, anos mais tarde, se tornaria o ISIS. Liderada pelo terrorista Abu Musab al-Zarqawi, a Jama’at al-Tawhid wal-Jihad (Organização do Monoteísmo e da Jihad, também conhecida pela sigla JTJ) tinha como intenção original não só aquela declarada no nome (afinal, espalhar o monoteísmo e a jihad é a intenção de qualquer grupo extremista islâmico), mas também tomar o poder na Jordânia, uma monarquia parlamentar que possui um dos governos mais estáveis da região. A invasão americana no Iraque, contudo, fez com que seus militantes cruzassem a fronteira para combater o novo inimigo.
Entre os atentados mais conhecidos praticados pela organização está a explosão da sede da ONU em Baghdad em agosto de 2003, na qual faleceu o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello. Al-Zarqawi, que seria morto pelas tropas americanas em 2006, assumiu a autoria do atentado.
6 nomes
Além de “Organização do Monoteísmo e da Jihad”, o grupo já foi conhecido por outros cinco nomes ao longo de sua história. A primeira mudança veio em outubro de 2004, quando Al-Zarqawi jurou lealdade a Osama bin Laden e transformou o JTJ na “Al-Qaeda no Iraque” (Tanzim Qaidat al-Jihad fi Bilad al-Rafidayn). Em 2006, a fusão desse grupo com outras cinco organizações levou à criação do “Conselho Mujahideen Shura do Iraque” (Majlis Shura al-Mujahideen fi al-Iraq), o qual mudaria de nome para “Estado Islâmico do Iraque” (Dawlat al-ʿIrāq al-ʾIslāmiyyah) logo em seguida, após a morte de Al-Zarqawi.
Essa designação permaneceria até 2013, quando a expansão do grupo para territórios sírios levou à incorporação da expressão “e do Levante” (wa-al-Shām), em referência à região localizada a leste do Mediterrâneo. Por fim, em 2014, o grupo anunciou sua transformação em um “califado” e a retirada das referências regionais no nome, passando a se chamar apenas “Estado Islâmico” (al-Dawlah al-ʾIslāmiyyah).
70 chibatadas
Mesmo com todas as mudanças de nome acima relatadas, a organização geralmente é conhecida no Ocidente por duas siglas em inglês, referentes a seu quinto nome – ISIS (Islamic State of Iraq and Syria) e ISIL (Islamic State of Iraq and the Levant). Não se tratam, de forma alguma, de expressões árabes: se você falar em ISIS para um árabe que não saiba inglês, ele dificilmente saberá a que você está se referindo.
Se por algum motivo você preferir chamar o grupo por um nome que agrade aos terroristas, não deixe de lembrar que eles próprios não gostam de ser designados por uma sigla – a abreviação original do seu nome é “Dāʻish”, que em árabe soa como a expressão para “alguém que esmaga algo com o pé”. Os jihadistas do Estado Islâmico consideram isso ofensivo.
As setenta chibatadas do título se referem à punição conferida pelos radicais a todo aquele que for pego usando a esmagadora sigla em árabe. Esse tipo de castigo, aliás, tem se tornado bastante comum nos domínios do Estado Islâmico. Para efeitos de comparação: no território controlado pelo ISIS, chegar três minutos atrasado ao trabalho já rendeu quarenta chibatadas a um cidadão. E isso foi apenas a metade do número de golpes que um grupo de vendedores de cigarro de Mosul levou no início de novembro por… vender cigarro.
1924
É o ano em que a instituição do “califado” foi extinta pelo presidente turco Mustafa Kemal Atatürk. Na tradição islâmica, um “califa” seria o sucessor do profeta Muhammad, cargo que passou a ser designado após sua morte, em 632. O título foi sendo sucessivamente transferido até 1517, quando parou nas mãos do Império Otomano, onde permaneceria até o início do século XX. A derrota otomana na Primeira Guerra Mundial e a transformação da Turquia em uma república trouxeram consigo o fim dessa designação milenar.
Provavelmente em busca de apoio religioso, Abu Bakr al-Baghdadi, o atual líder do ISIS, autodeclarou-se “califa” em 29/6/2014, mesma data na qual o grupo mudou de nome para “Estado Islâmico”. Naturalmente, o título não é reconhecido por todos os muçulmanos – muito pelo contrário, aliás.
31.500 combatentes
Ninguém tem certeza absoluta a respeito do número de militantes do ISIS. A cifra do título é a estimativa máxima que a CIA lançou em setembro de 2014 para o tamanho do grupo – a mínima é de 20.000 militantes. O cálculo da CIA é bem mais conservador do que o de outras entidades. O Observatório de Direitos Humanos na Síria, por exemplo, estima que o ISIS possua de 80 a 100 mil soldados, entre os quais pelo menos 50.000 operariam em território sírio e 30.000 no Iraque. A estimativa total do órgão é similar ao valor ao qual chegou a inteligência iraquiana. Entre os curdos fala-se em 200.000 jihadistas, como recentemente revelou um integrante de sua administração.
210.000 km²
É o território controlado pelo ISIS – ou, pelo menos, uma estimativa realizada em setembro de 2014, lembrando que dessa data para cá o controle do grupo se expandiu ligeiramente (por exemplo, com a ocupação da região localizada em torno da cidade síria de Kobanê). É uma área expressiva, pouco maior do que a da Grã-Bretanha ou, usando uma comparação brasileira, do que o Estado do Paraná.
O número, porém, não reflete de forma exata o poder do grupo, já que a imensa maioria da região sob seu “controle” é inabitada. Há quantidades enormes de deserto que não são povoadas por absolutamente ninguém: na verdade, o Estado Islâmico se estende apenas sobre uma sutil rede de estradas e rios pontuada aqui e ali por algumas cidades. Uma rápida olhadela na região no Google Maps já revela isso, e este artigo detalha a questão.
Um mapa mais preciso do real controle do ISIS foi produzido (e é atualizado constantemente) pelo New York Times. Em 7 de novembro, conforme o mapa acima, era essa a situação da região.
24 governadores
O nome “Estado Islâmico” não está aí por acaso. Para todos os efeitos, o ISIS é um Estado sim, apesar de declarações em contrário vindas de gente do calibre de Hillary Clinton e Barack Obama. Embora haja inúmeras divergências teóricas quanto ao conceito de “Estado”, é certo que a noção envolve alguns requisitos mínimos, como a presença de um governo organizado e o monopólio do uso da força dentro de dado território – aspectos indiscutivelmente presentes no caso do ISIS.
O Estado Islâmico tem uma estrutura administrativa bem definida. No seu topo está o “califa” Abu Bakr al-Baghdadi, ao qual se subordinam um chefe para a metade iraquiana e outro para a metade síria de seu território. Cada lado dispõe de 12 governadores – 24 no total, portanto. Além disso, vários “conselhos” se encarregam de temas financeiros, legais e militares – incluindo-se aí um destinado à “regulação da mídia”, iniciativa certamente aprovada por vários políticos brasileiros.
Em relação ao povo que vive dentro de seu território, o ISIS se comporta como absolutamente qualquer Estado, fornecendo de forma ineficiente vários bens e serviços demandados pela população. Relata-se, por exemplo, que sua administração já construiu um mercado na capital Al-Raqqah (sim, há uma capital), instalou várias linhas de transmissão de energia elétrica, consertou estradas e criou um serviço de ônibus entre seus territórios. Em Al-Raqqah, já foi até mesmo instalado um serviço de proteção ao consumidor – uma espécie de Procon do ISIS.
US$ 2.000.000.000,00
Dois bilhões de dólares. É esse o patrimônio total estimado do ISIS – como bem definiu Diogo Bercito, autor do excelente blog Orientalíssimo, é “o maior pé de meia terrorista na história”. Toda essa grana provém de várias origens, mas a principal delas foi o saque ao banco central de Mosul, efetuado quando da tomada da cidade em junho de 2014. Vários bancos, muitos com reservas em ouro, também foram saqueados na ocasião.
Contudo, há quem acredite que essa história não seja verdadeira, e que o patrimônio do ISIS não seja tão grande quanto se pinta. Uma reportagem publicada no Financial Times em julho chega até mesmo a questionar se os roubos a bancos de fato ocorreram. No entanto, e independentemente da veracidade dessas notícias, vale notar que não é essa a única fonte de renda do grupo.
US$ 3.000.000,00
Gastar o dia fazendo a jihad custa dinheiro. Muito dinheiro. É necessário armar, alimentar e pagar as tropas, além de governar 210.000 km² de Estado com um número de súditos que já está na casa dos milhões (estima-se em 8.000.000).
Para isso tudo, o ISIS conta com uma renda de três milhões de dólares ao dia, provinda de várias fontes – doações, tráfico, saques, impostos, resgates de sequestros e, claro, petróleo. Apesar dessa renda, há indícios de que as finanças da organização não estejam em dia – custear seu próprio Estado extremista é algo razoavelmente caro, afinal.
Além disso, especula-se que outra importante fonte de renda do Estado Islâmico seja a venda de artefatos históricos. O Iraque é um dos berços da civilização humana (hora de relembrar as aulas de História sobre a Mesopotâmia), e atualmente possui mais de 12.000 sítios arqueológicos – dos quais mais de 8.000 agora estão nas mãos do ISIS. O saque desses locais e a venda de objetos no mercado negro estão se tornando uma prática comum por parte do grupo, e estima-se que centenas de milhões de dólares possam vir a ser obtidos com essa atividade.
5 edições
A Dabiq, revista oficial do Estado Islâmico surgida em julho, já está em seu quinto número – sua última reportagem de capa leva o título em inglês Remaining and Expanding (“mantendo-se e expandindo”), tradução do lema oficial do grupo (Bāqiyah wa-Tatamaddad). O nome da revista diz muito a respeito das intenções do grupo: na escatologia islâmica, “Dabiq” é a cidade síria na qual será travada uma batalha apocalíptica entre muçulmanos e cristãos.
A revista é apenas mais um aspecto dentro de uma máquina de propaganda extremamente sofisticada, que inclui um departamento de mídia e um uso extensivo das redes sociais, inclusive para a convocação de novos militantes. Tais ferramentas são tão difundidas dentro do ISIS que, recentemente, o comando da organização recomendou enfaticamente que seus militantes parassem de revelar nomes, locais e fotos via Twitter.
4 militantes
É o número de jihadistas pertencentes a uma determinada facção do ISIS responsável por manter mais de 20 reféns ocidentais. Acredita-se que os quatro combatentes sejam cidadãos britânicos de origem islâmica, já que falam árabe com um forte sotaque inglês. Dados esses fatos, tente adivinhar: como exatamente os reféns do grupo passaram a se referir a seus captores? Exatamente isso o que você está pensando: a facção foi apelidada de “The Beatles”.
A foto acima mostra Jihadi John, o membro mais conhecido dos Beatles islâmicos – responsáveis, inclusive, por decapitar os jornalistas americanos James Foley e Steven Sotloff, assim como os trabalhadores humanitários britânicos David Haines e Alan Henning. Os vídeos das execuções foram divulgados na internet, tendo sido compartilhados por inúmeros jornais e revistas ao redor do globo.
Aparentemente (e compreensivelmente), o Ringo Starr original não gostou da comparação.
500.000 pessoas
De acordo com uma estimativa de 2011, esse é o número de pessoas que poderiam morrer se a barragem de Mosul, localizada ao norte do Iraque, parasse de funcionar. Trata-se da maior represa do país – como descreveu a BBC, “quem controla a barragem de Mosul controla a maioria dos recursos hídricos e energéticos do país”. Uma falha em seu funcionamento (causada, por exemplo, pela falta de manutenção) ou sua destruição deliberada seriam capazes de provocar uma inundação ao longo do rio Tigre e causar danos gravíssimos em Mosul e Baghdad, duas das maiores cidades iraquianas.
O cenário tornou-se plausível em 7 de agosto de 2014, quando tropas do ISIS ocuparam a represa. O medo de um possível desastre provocou um ataque conjunto dos exércitos curdo e iraquiano às tropas do Estado Islâmico, o qual contou com apoio aéreo americano. Ao final de três dias de batalha, a represa foi retomada, aparentemente sem sofrer maiores danos.
126 personalidades islâmicas
No final de setembro, 126 estudiosos do islamismo assinaram uma carta aberta endereçada a Abu Bakr al-Baghdadi, condenando veementemente as ações do ISIS. A carta afirma que o grupo interpreta erroneamente o Islã – incorrendo, dessa forma, em uma grande ofensa “aos muçulmanos e a todo o mundo”.
Por estar repleto de referências ao Alcorão e a ensinamentos clássicos islâmicos, é considerado de difícil compreensão para o público ocidental. Para facilitar a tarefa não apenas para esse público, mas também para muçulmanos não completamente versados em questões teológicas, sua primeira página contempla um resumo.
9 países
É o número de nações que consideram oficialmente o ISIS como um grupo terrorista. A primeira designação veio dos Estados Unidos, em dezembro de 2004. Após o governo americano, Austrália, Canadá, Turquia, Arábia Saudita, Reino Unido, Indonésia, Emirados Árabes Unidos e Israel conferiram o mesmo status à organização. Antes disso, já em outubro de 2004, o grupo figurava na lista negra da ONU, em virtude de sua associação com a Al-Qaeda.
Além dos nove países que designaram oficialmente o Estado Islâmico como uma organização terrorista, inúmeros outros chefes de Estado já se pronunciaram a respeito do assunto, condenando as atitudes da organização. Não foi esse o caso do Brasil. Ao contrário: em uma entrevista coletiva na ONU (sim, a mesma que atribuiu o status de “terrorista” ao ISIS já em 2004) em 23/9/2014, Dilma Rousseff afirmou que “lamentava” os ataques aéreos ao grupo e que “o Brasil sempre vai acreditar que a melhor forma é o diálogo” – algo de que ninguém duvida, já que diálogo com ditadores sanguinários vem sendo uma prática comum do governo brasileiro. Em todo caso, a declaração pegou tão mal que três dias depois a presidente teve que desmenti-la em uma segunda entrevista, dessa vez concedida à blogosfera estatal brasileira.
5.000 mortos
É o saldo deixado pelo ISIS em sua perseguição aos yazidis, uma minoria étnica e religiosa que habita o norte do Iraque. Além disso, estima-se que outras 7.000 mulheres tenham sido escravizadas sexualmente por militantes do grupo, prática para a qual já se ofereceu uma “justificativa religiosa” em um artigo na Dabiq. Ao contrário de outras minorias religiosas perseguidas pelo ISIS, os yazidis não possuem sequer a possibilidade de seguir com seu culto tradicional pagando uma taxa (jyzia). As duas únicas opções de que os membros da religião dispunham eram a conversão forçada ao Islã ou a morte.
O massacre dos yazidis é apenas mais uma dentre várias violações a direitos humanos que vem sendo perpetradas pelo ISIS ao longo dos últimos meses. Em junho de 2014, já se estimava em mais de 1.000 o total de vítimas civis do grupo, número ao qual se adicionaram posteriormente as vítimas de massacres como o de Ghraneij, Abu Haman e Kashkiyeh (700 vítimas) e de execuções em massa como as das bases aéreas de Tabqa (250 vítimas) e Camp Speicher (1500 vítimas). Devido à amplitude territorial a que chegou o ISIS e à dificuldade de acesso a informações de dentro dos seus domínios, considera-se atualmente ser impossível uma estimativa precisa do total de mortos pelo grupo.