Os três tipos de corrupção que assolam a China

15/06/2014 14:05 Atualizado: 15/06/2014 14:05

Este artigo é um trecho traduzido do novo livro de Larry Lang, um economista de Hong Kong, intitulado “Pode o ‘Novo Regime’ mudar a China?”, que foi publicado em abril deste ano.

Muito tem sido dito sobre a corrupção na China ultimamente. Aqui eu abordarei o tema a partir de um novo ângulo.

Três casos de destaque exemplificam o grau alarmante da corrupção na China. Um destes é o astronômico desperdício de capital na exploração e produção da PetroChina, que passou de 162,154 bilhões de yuanes (US$ 26,3 bilhões) em 2.011 para 240 bilhões de yuanes (US$ 38,93 bilhões) em 2013, quando sua rede de corrupção começou a ser extirpada.

Outro caso é o do Ministério das Ferrovias sob o mandato de Liu Zhijun, quando os cargos de diretoria haviam aumentado em 400% até a ocasião de ele deixar o cargo.

O terceiro exemplo é Luo Yiguo, secretário do Partido Comunista Chinês na cidade de Maoming, província de Guangdong, que abertamente determinou preços para a venda de cargos do governo.

Grande número de funcionários públicos

Todos sabem que na última década o número de candidatos a cargos públicos na China aumentou 11 vezes. Em 2003, o número de candidatos que passaram no exame final foi de 1,25 milhão; com relação de aprovados de 1 em 23. Em 2013, houve 1,52 milhão de candidatos que passaram no exame, com relação de 1 em 80. A posição mais procurada (analista do Departamento Nacional de Estatísticas, ramo de Nanchuan) teve uma relação de aprovados de 1 em 9.470. A principal fonte de candidatos eram recém-graduados universitários.

Em Cingapura, 2% dos graduados universitários querem se tornar servidores públicos. O número é de 3% nos Estados Unidos e 5% na França. No Japão, um emprego de funcionário público ocupa a 53ª posição na tabela de busca de emprego. Na Grã-Bretanha, ser funcionário público está entre as vinte piores carreiras. Na China, no entanto, 76,4% dos diplomados universitários querem se tornar servidores públicos. Isso é normal?

O primeiro-ministro russo Dmitry Medvedev uma vez declarou o seguinte: “O fenômeno de jovens que querem se tornar servidores públicos me preocupa. Quando um jovem firmemente escolhe o caminho de funcionário público, temos de fazer algumas perguntas. Será esta uma profissão de prestígio? Não parece assim. Será que paga muito? Isso também não é verdade. Então, por que eles escolhem tal plano de carreira? É porque é uma maneira rápida de ficar rico. Portanto, carreiras de funcionário público são muito populares na Rússia. Isso indica que a Rússia tem um sério problema de corrupção.”

Uma pesquisa de 2011 indicou que mais da metade das pessoas entre 18 e 30 anos pensava que se tornar funcionário público é melhor do que se tornar um empreendedor. Parece que os jovens na Rússia e na China estão ansiosos para se tornarem funcionários públicos. Por quê? É porque estes dois países têm gravíssimos problemas de corrupção.

Então, como devemos entender e analisar o problema da corrupção na China? Apresentarei um novo conceito, derivado de Alexis de Tocqueville, “O Antigo Regime e a Revolução Francesa”, recomendado por Wang Qishan, secretário-geral do Comitê Central de Inspeção Disciplinar.

De acordo com o livro, a corrupção era um problema muito sério na França antes da eclosão da Revolução Francesa em 1789. A corrupção lá podia ser dividida em três categorias: de gastos, de homologação e de venda de cargos. Estas três formas de corrupção são muito diferentes do que costumamos entender; elas são mais avançadas. Explicarei em detalhes.

Corrupção de gastos

No tipo ‘corrupção de gastos’, funcionários públicos administram diretamente projetos de infraestrutura e assim praticam abuso de poder e corrupção. Deixe-me dar um exemplo. Em 1789, a dívida do governo francês era de cerca de 4,5 bilhões de livres. Seus pagamentos de juros anuais eram de 300 milhões de livres. Mas quanto era a receita fiscal do governo francês? Era de apenas 500 milhões de livres. Era realmente necessário fazer tantos empréstimos para construir estradas e portos? Não, eles pegavam tantos empréstimos porque assim as autoridades eram capazes de obter pagamentos ilegais e subornos por meio desses projetos. Eles só se preocupavam com os interesses pessoais e não consideravam se que os gastos do governo eram necessários.

Isso soa familiar? Sim, alguns de nossos funcionários chineses se tornaram mestres neste tipo de ‘corrupção de gastos’. Eu divido a ‘corrupção de gastos’ dos funcionários chineses em dois grupos.

O primeiro conta com um intermediário para obter dinheiro. Por exemplo, durante o mandato de 8 anos do ex-ministro das ferrovias Liu Zhijun, ele construiu mais de 7 mil quilômetros de ferrovias de alta velocidade, com um investimento total de 3 trilhões de yuanes (US$ 486,6 bilhões). Como ele fez isso? De 2007 a 2010, 23 grandes empresas estatais, por meio da empresária intermediária Ding Shumiao, obtiveram de Liu licitações para mais de 50 projetos. O governo chinês gastou um total de 178,8 bilhões de yuanes (US$ 29 bilhões) nesses projetos. Ding ganhou 2 bilhões com isso e pagou 49 milhões a Liu. No julgamento de Liu em setembro de 2013, ela explicou que o dinheiro dado a Liu era suborno.

O segundo grupo de ‘corrupção de gastos’ funciona nutrindo seus próprios comparsas em empresas estatais para receber os subornos diretamente. Por exemplo, quando Jiang Jiemin, o ex-diretor do Comitê de Administração e Supervisão de Ativos Estatais, tornou-se presidente da Corporação Nacional de Petróleo da China (CNPC), ele colocou seus comparsas em todas as posições lucrativas da empresa, como as vinculadas à exploração de petróleo, a investimentos e aquisições no exterior, e à compra de equipamentos. Segundo a imprensa, os investimentos de 2011 da CNPC para a exploração e produção foram de 162,154 bilhões de yuanes (US$ 26,3 bilhões). Em 2012, isso cresceu para 227,2 bilhões de yuanes (US$ 36,85 bilhões) e finalmente chegou a 240 bilhões de yuanes (US$ 38,93 bilhões) em 2013, quando sua rede de corrupção foi extirpada.

O aumento das despesas anuais era realmente necessário? Quanto desses gastos foi usado para abuso de poder?

Corrupção de homologação

Vejamos a segunda categoria, a ‘corrupção de homologação’, ou de aprovações judiciais ou administrativas. Antes da eclosão da Revolução Francesa, o rei enviou 30 governadores e seus agentes pelo país para serem chefes-administradores locais. Isso significava que eles tinham autoridade de homologação. O governo central francês administrava tudo referente aos governos locais nos 30 a 40 anos antes da Revolução; tudo tinha que passar por aprovação. Por exemplo, se um município local queria construir igrejas, estradas ou até mesmo abrigos, era necessário obter a aprovação do governador, que usava essa autoridade para obter dinheiro e subornos para si.

Agora vejamos o estilo atual de ‘corrupção de homologação’ na China, por exemplo, Liu Tienan, o ex-secretário de energia e vice-diretor da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR).

Em 2003, a cidade de Changde, na província de Hunan, queria construir uma usina de energia, mas isso não podia deixar de passar pela CNDR, ou mais precisamente falando, pela aprovação de Liu Tienan. Em 2012, não havia qualquer esperança de conseguir a aprovação do projeto. O vice-governador de Hunan intercedeu sem resultado. Quando Liu visitou Hunan mais tarde naquele ano, o primeiro e segundo governadores finalmente obtiveram a aprovação de Liu. Também foi necessário um estudo de viabilidade para a seleção de equipamentos e planos de engenharia, construção e técnicos. Além disso, também foram exigidos estudos de proteção do meio ambiente e da terra, de proteção da água e do solo, de viabilidade industrial e de empréstimos bancários, bem como documentos de apoio do Ministério das Terras e Recursos, da Administração Estatal de Proteção e Meio Ambiente, do Ministério de Recursos Hídricos e da Corporação Bancária e de Rede Energética. Todo este processo consumiu 20 milhões de yuanes em subornos de funcionários de diversos escalões para completar o projeto da usina.

Venda de cargos

O terceiro tipo de corrupção se refere à venda de postos do governo. Tomemos Liu Zhijun como exemplo. He Hongda subornou Liu Zhijun em 1997 para se tornar secretário do Partido Comunista Chinês (PCC) na Secretaria Ferroviária de Harbin. Novos subornos permitiram a He Hongda conseguir o cargo de chefe da mesma Secretaria. Em 2004, ele foi transferido da Secretaria de Harbin para ser diretor do Departamento de Política do PCC. Ele pagou US$ 100 mil a Liu Zhijun e eventualmente se tornou comparsa de Liu.

Isso não é tudo. Depois de se tornar politicamente influente, He Hongda começou a vender cargos no governo em troca de dinheiro. De 1997 a 2004, ele promoveu seis funcionários de baixo escalão para posições medianas na Secretaria Ferroviária de Harbin. Havia postos significativamente lucrativos sob seu comando, como o de diretor do Escritório de Vagões, diretor de operações da Secretaria Ferroviária de Harbin, e outros. Estes postos foram vendidos algumas vezes. Ele obteve com isso um total de 14,5 milhões de yuanes (US$ 2,3 milhões). Se os US$ 100 mil que He Hongda deu a Liu Zhijun fosse considerado seu “investimento inicial”, então ele teve um retorno de 150% ao ano com a venda de cargos.

Vejamos mais alguns dados surpreendentes. Antes de Liu Zhijun assumir o comando do Ministério das Ferrovias, este órgão tinha 500 funcionários administrativos. Quando Liu deixou o cargo, havia 2 mil.

Luo Yinguo, chefe do Partido Comunista Chinês na cidade de Maoming, estava ostensivamente vendendo cargos no governo com preços específicos: 200 mil yuanes (US$ 32,44 mil) para um posto de tecnologia; 2 milhões de yuanes (US$ 324,4 mil) por um posto administrativo; 10 milhões de yuanes (US$ 1,6 milhão) para a posição de vice-prefeito, e assim por diante. Luo inclusive afirmou quanto seu próprio posto valia 100 milhões de yuanes (US$ 16,2 milhões). Após a queda de Luo Yinguo, 303 funcionários do governo foram implicados. Uma reportagem afirmou que Luo recebeu subornos no valor de 70 milhões de yuanes (US$ 11,3 milhões). Acredito que o valor real seja muito maior.

A venda de cargos no governo por dinheiro deve ser seriamente abordada na China. Uma vez que esta forma de corrupção se torne difundida e frequente, isso se tornará o padrão do sistema. Funcionários corruptos estariam então em todos os departamentos e a avaliação de gastos e as revisões estariam totalmente contaminadas pela corrupção. Além do mais, a corrupção de venda de cargos no governo é prejudicial para o desenvolvimento do país como um todo.

Larry Hsien Ping Lang é um conhecido economista, comentarista, escritor e apresentador de televisão de Hong Kong.