Transplante ilegal de órgãos no exterior é arriscado e antiético, dizem especialistas da Malásia

18/07/2012 03:00 Atualizado: 18/07/2012 03:00

David Matas numa palestra, intitulada, ''Os riscos e realidades do tráfico e comércio de órgãos'' para médicos e enfermeiros da Malásia. (Xu Changle)O advogado canadense de direitos humanos David Matas se juntou a especialistas de transplante da Malásia para sensibilizar o público sobre os perigos e as práticas antiéticas envolvidos no transplante de órgãos ilegais, durante um evento na Academia de Medicina, em Kuala Lumpur, em 10 de julho.

Matas foi convidado pela Unidade de Transplante (Divisão de Desenvolvimento de Medicina) do Ministério da Saúde e da Sociedade de Transplantes da Malásia, para falar sobre as realidades e os riscos do transplante ilegal de órgãos.

Cerca de cem pessoas participaram da palestra em que o Matas falou de sua pesquisa sobre abusos da colheita de órgãos de pessoas vivas na China. Além da publicação anterior de dois relatórios de investigação em 2006 e 2007, David Kilgour [ex-parlamentar canadense] e Matas escreveram juntos o livro “Colheita Sangrenta: O assassinato do Falun Gong por seus órgãos“. Matas disse que há muitas evidências que suportam a conclusão de que praticantes saudáveis do Falun Gong, que foram detidos em campos de trabalho, são mortos por seus órgãos.

“David Kilgour e eu fizemos este relatório e julgamos que era verdade com base nas evidências que pudemos acumular”, disse Matas. “Existem diferentes maneiras de parar a colheita de órgãos. Uma delas é parar a perseguição ao Falun Gong, outra é esvaziar os campos de trabalho. A terceira maneira é parar a matança de prisioneiros por seus órgãos; parando a matança de todos os presos, para-se a matança dos praticantes do Falun Gong.”

Matas disse à plateia que seu estudo se concentra nas questões da colheita de órgãos na China, mas que há muitos abusos de órgãos transplantados em outros países também.

“A China apresenta uma questão formal de abuso de transplante de órgão que não se vê em qualquer outro lugar, que é o abuso do transplante de órgão sancionado pelo Estado. Isto é, hospitais do Estado usando prisioneiros. Em outros países, o abuso de transplante de órgãos é um mercado negro”, explicou Matas.

Após a colheita de órgãos na China ser exposta, Matas disse a repórteres que os governos do mundo estão reagindo a isso. Ele disse que há uma série de mudanças, incluindo mudanças dentro da própria China.

“Na Austrália, há uma política oficial do governo que eles não treinam cirurgiões chineses em transplante de órgãos. Em Taiwan, o governo proibiu a negociação de transplante. Em Israel, eles cancelaram o sistema de seguro que costumava pagar as pessoas que faziam transplante na China e nos disseram que isso foi por causa do nosso relatório”, disse ele.

“Na China, eles disseram que estão dando prioridade aos pacientes locais. Eles também configuraram um sistema de registo que somente hospitais credenciados podem fazer transplante. Eles também, pelo menos, criaram um sistema de doação”, disse Matas.

Durante sua palestra, Matas deu 14 recomendações aos oficiais da Malásia e à indústria médica. Entre elas estavam: Não encaminhar pacientes para a China para transplantes; não publicar pesquisas de transplante da China; não treinar cirurgiões chineses e técnicas de transplante cirúrgico; não autorizar seguro para pacientes que vão para a China e/ou voltaram da China; não permitir que profissionais de transplante da China se juntem a associações profissionais, a menos que concordem em não participar em transplantes que tenham prisioneiros como fontes.

David Matas e David Kilgour foram nomeados para o Prêmio Nobel da Paz em 2010 por seu trabalho relacionado com a investigação de crimes de colheita de órgãos contra praticantes do Falun Gong na China.

O Falun Gong, também conhecido como Falun Dafa, é uma prática de meditação tradicional chinesa cujos ensinamentos se baseiam nos princípios da verdade, compaixão e tolerância. O regime chinês começou a perseguir o grupo em 1999 após a decisão do ex-líder chinês Jiang Zemin, que temia a popularidade e o rápido desenvolvimento da prática.

Perigos para os beneficiários

Falando à imprensa após a palestra, o Dr. Ghazali Ahmad, anfitrião do seminário e chefe do Departamento de Nefrologia do Hospital Kuala Lumpur, explicou que os transplantes ilegais e antiéticos representam grandes riscos para os destinatários. Ele disse que qualquer forma de transplante de órgãos é uma grande cirurgia e que o paciente terá de tomar medicação por longo tempo. Nem todos os pacientes, acrescentou ele, são adequados para um transplante de órgão.

O Dr. Ghazali disse que os pacientes que procuram um transplante de órgãos ilegal no exterior enfrentam uma série de perigos.

“Em primeiro lugar, não sabemos o histórico do doador… eles poderiam ser presos condenados”, disse ele, acrescentando que em tais situações seria difícil ter antecedentes e todos os testes necessários realizados para verificar a segurança dessa pessoa como doador, o que poderia ocasionar a transferência de uma infecção.

Outro risco, segundo ele, é que o destinatário talvez não esteja adaptado aos rigores envolvidos num transplante.

“Um transplante é uma grande cirurgia, os pacientes precisam tomar potente medicamento ao longo da vida, o que pode diminuir o sistema imunológico e aumentar o risco de infecção”, disse ele.

“Há exemplos de pacientes que foram ao exterior e não voltaram, pois morreram lá. Nós também temos pacientes que voltaram e desenvolveram complicações de doenças coronarianas e morreram como consequência. Alguns casos desenvolvem infecções, incluindo infecções virais, que podem não matá-los imediatamente, mas causam grande miséria”, disse ele.

“A equipe de transplante no exterior não lidará com os antecedentes [do destinatário] e não se preocupará com o pós-transplante ou qualquer complicação”, disse Ghazali.

Ele disse, num esforço para desencorajar malaios que procuram transplantes de órgãos no estrangeiro, que os hospitais do governo este ano pararam de fornecer medicamentos gratuitos imunossupressores para pacientes que retornam de transplantes de órgãos ilegais no exterior.

O Dr. Ghazali disse que existem atualmente cerca de 26 mil pacientes renais na Malásia, cerca de 16 mil deles são adequados para um transplante de órgão, mas doadores locais de rim são inferiores a 50 por ano.

“Os transplantes de órgãos num hospital do governo custam apenas cerca de RM500, mas receber um transplante de órgãos no exterior custa RM150.000 a 200.000. O governo reconheceu a situação de que a prática de transplantes de órgãos ilegais ocorre no exterior. Embora os pacientes possam ser capazes de obter órgãos no exterior, pode haver criminalidade e questões éticas envolvidas”, disse Ghazali.

Registrando-se como dador de órgãos

A Dra. Lela Yasmin Mansor, a chefe do Centro Nacional de Recursos de Transplante, disse que sua unidade é responsável pela gestão da doação de órgãos, pelo registro de doadores e pelas doações de falecidos no país. Ela incentivou mais malaios a se registrarem como um doador falecido, pois os doadores atuais registrados constituem menos de 0,6% da população total.

Quando perguntado sobre sua opinião sobre a apresentação de David Matas, a Dra. Lela disse que a razão de Matas ser convidado é que esperam que através desta oportunidade o público, a mídia e todo o mundo saiba que ir ao exterior para fazer transplante de órgãos não é a resposta.

“Parece muito mais fácil para um paciente encontrar um órgão no exterior, mas isso que também significa que você pode estar lidando com formas ilegais ou mesmo antiéticas de conseguir o órgão,” disse a Dra. Lela.

Ela disse que a Malásia deve tentar aumentar sua própria taxa de doação de órgão. “Temos 7 mil pessoas morrendo nas estradas todos os anos e a maioria deles são jovens. Podemos fazer isso de forma ética, profissional e isso é medicamente seguro, pois podemos verificar o histórico do doador, verificar o paciente e os órgãos podem ir para os destinatários com melhor compatibilidade”, disse a Dra. Lela.

Manter um estilo de vida saudável

O Dr. Harjit Singh, presidente da Sociedade de Transplantes da Malásia, disse que a melhor solução para o problema é que as pessoas cuidem melhor da sua saúde. Ele explicou ainda os perigos enfrentados por pacientes que procuram um transplante ilegal no exterior.

“Se um paciente faz o transplante em centros legais na Malásia ou em outros países onde isso é feito de forma ética e legal, a complicação será muito menor. Se eles vão para o transplante comercializado, então, isso envolve lucro e muito dinheiro”, disse Singh.

“Eles cortarão custos ao fazerem a maioria dos testes exigidos. Os pacientes receberão órgãos e resultados que não são bons. Isto realmente criará mais problemas para os pacientes quando voltarem”, disse ele.