Bruegel era uma espécie de “einzelganger”, ou solitário, no seu tempo. Embora tenha passado algum tempo estudando a arte clássica na Itália, ele não era um típico pintor renascentista, nem na forma nem no conteúdo. Enquanto no Renascimento se glorificava o homem como o centro da criação, Bruegel viu o homem como um tolo à deriva num mundo maravilhoso, às vezes assustador.
Ele representou o homem não como o centro do mundo, mas como uma parte minúscula dele, uma pequena criatura sujeita as leis do céu e da Terra, mas, ainda assim, violando-as frequentemente.
O estilo de pintura de Bruegel não tem a modelagem soberba do pintor renascentista típico, especialmente em suas figuras, que são quase criaturas parecidas com bonecos: minúsculas, tanto cômicas quanto trágicas.
Sua força era sua capacidade de criar composições interessantes e muitas vezes densamente elaboradas, que eram dotadas de ritmo alegre e uso maravilhoso das cores.
Mas o que o fez se destacar é que ele era um dos raros e mágicos pintores que podiam contar uma história. (Acredita-se que ele se vestia como camponês para se misturar em casamentos e festas para obter inspiração para suas pinturas.)
Vivendo numa era de pragas, guerras e loucura religiosa, Bruegel abordou vários temas, muitas vezes representando o lado escuro e até mesmo a tolice da humanidade. Sua compaixão impediu que suas obras escorregassem para a falência moral do cinismo. No entanto, muitas vezes elas eram mordazes.
“O suicídio de Saul” de Bruegel segue o relato bíblico da derrota do rei Saul. O rei Saul foi culpado de arrogância: ele tinha violado não só os mandamentos diretos de Deus, mas dominado pelo ciúme e pela paranoia, também passou anos caçando o popular guerreiro David, na tentativa de assassiná-lo.
Quando Saul entrou em guerra com os filisteus, uma flecha feriu-o gravemente. Vendo que seu exército era derrotado, ele se matou e seu servo fez o mesmo.
Bruegel dá a estes protagonistas, como tantas vezes acontece, apenas um pequeno papel no desdobrar dos acontecimentos. Ele nos apresenta uma visão ampla do cenário: uma paisagem serena no fundo e uma horda de soldados no primeiro plano. Num pico no meio da cena há um aglomerado de arqueiros filisteus.
Embora as tropas embaixo sigam bandeiras diferentes, nenhuma distinção pode ser vista identificada em suas armaduras ou armas. É difícil dizer quem é quem – é este um exército lutando entre si? Eles parecem todos iguais sob o pincel de Bruegel.
O mar de lanças se assemelha a oscilação característica de um campo de trigo ao vento quando na véspera da colheita. Mas se são homens que estão fazendo a colheita, então, o que estão colhendo não é nada mais que eles próprios.
À esquerda, o rei e seu servo leal, que acabam de se matar e receberam uma formulação típica de Bruegel – eles se parecem com pequenos bonecos. Não há glória em sua hora trágica. Sua loucura é ecoada no massacre no vale abaixo. Alguns soldados fogem para a floresta, que mostra apenas uma face escura e inóspita.
Não há glória nem consolo no final do caminho traçado por um rei arrogante.
Há uma divisão horizontal no meio da pintura, com os horrores da guerra descritos na parte inferior e uma cena idílica acima, onde as árvores são verdes, os campos exuberantes e a civilização respira pacificamente sob um céu claro à distância.
Embora o contraste seja claro, o ideal está muito longe. As manchas escuras dos bosques e rochas comandam nosso olhar para baixo, para a dança sinistra da batalha, como se Bruegel quisesse nos dizer como é difícil se concentrar na civilização em tempos de guerra.
Há uma subtrama, também: Uma caravana na distância refere-se a Davi, que simultaneamente persegue os amalecitas, que pilharam sua cidade e sequestraram as mulheres, enquanto ele e seu exército estavam numa expedição militar.
Em graus diferentes, tanto o bom quanto o mau rei colhem má sorte de suas ambições militares.
É difícil argumentar com Bruegel.
Wim Van Aalst tem mestrado em publicidade e design gráfico. Ele é um pintor autodidata e leciona técnicas tradicionais de pintura a óleo