Tentativa de deserção revela a gravidade das lutas pelo poder na China

29/03/2012 03:00 Atualizado: 05/09/2013 23:47

Wang Lijun, o chefe de segurança pública de Chongqing, numa reunião anual do Congresso Popular Nacional no Grande Salão do Povo em Pequim, China (Feng Li/Getty Images)
Wang Lijun, o chefe de segurança pública de Chongqing, numa reunião anual do Congresso Popular Nacional no Grande Salão do Povo em Pequim, China (Feng Li/Getty Images)

A competição entre facções dentro do Partido Comunista Chinês (PCCh) tem se tornado extremamente agressiva em antecedência ao 18º Congresso do Partido que ocorrerá no final deste ano. Um alto oficial tentou escapar de um destino incerto refugiando-se num consulado dos EUA, mas foi mais tarde reencaminhado a Pequim. Seu testemunho irá contribuir para um cenário em que outros altos oficiais do Partido poderão ser derrubados.

Wang Lijun foi o chefe do departamento de polícia e vice-prefeito da cidade de Chongqiing, a sudoeste da China. Foi também por um longo período o braço direito do chefe do Partido em Chongqing, Bo Xilai.

Em 2 de fevereiro, Wang foi rebaixado a responsável pela cultura, educação e proteção ambiental. Na tarde de 6 de fevereiro, de acordo com a Rádio França Internacional (RFI), Wang viajou de carro disfarçado até Chengdu por 4 horas na direção oeste, onde alegadamente pediu asilo.

Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA confirmou que Wang havia visitado o consulado, mas recusou comentar sobre o pedido de asilo. O Washington Free Beacon citou uma fonte anônima na administração chinesa que disse que Wang pediu asilo, mas que seu pedido foi negado.

Wang foi traído

Tem sido largamente especulado na internet chinesa que Bo traio Wang quando descobriu que Wang seria investigado por corrupção e uso de tortura para extrair confissões em nome da Comissão Central de Inspeção Disciplinar.

De acordo com o website dissidente chinês de notícias Boxun, Wang contra-atacou providenciando informação de que a esposa de Bo havia desviado dinheiro público e transferido bens para o estrangeiro.

O website Boxun reportou que Bo prendeu 19 assistentes de Wang, incluindo dois motoristas de Wang que já foram espancados até a morte, e outro que cometeu suicídio. Acredita-se que Wang fugiu de Chongqing por medo que Bo o mata-se para prevenir que outros segredos fossem expostos.

Depois de saber da tentativa de deserção de Wang, Bo ordenou ao prefeito Huan Qifan para que cercasse o consulado dos EUA, 70 carros de polícia e veículos blindados cercaram o consulado, de acordo com o jornal Mingpao de Hong Kong.

As notícias rapidamente chegaram a altos oficiais da central do Partido, que enviaram agentes da segurança nacional a Chengdu.

De acordo com relatos na internet, acredita-se que Bo e Wang usaram as campanhas anti-máfia como pretexto para prender oficiais do PCCh e membros de gangues não leais a Bo, e também para prender homens de negócios honestos com o propósito de confiscar suas fortunas. Wang também serviu Bo lealmente quando Bo foi governador da província de Liaoning, onde reforçara brutalmente a perseguição do regime chinês aos praticantes do Falun Gong.

O RFI afirmou que Wang revelou muitos dos segredos mais negros de Bo e alguns segredos de Estado nas 24 horas que esteve reunido com o cônsul geral da embaixada dos EUA. Após deixar o consulado, ele gritou que era o bode expiatório de Bo Xilai e que forneceu informações importantes para o exterior.

Apesar de Bo ter se reunido com o primeiro-ministro canadense Stephen Harper em 11 de fevereiro, depois de a controvérsia ter surgido, não ha razão para crer que sua carreira politica esteja segura. A investigação oficial de Wang não está completa ainda, mas, quando estiver, as funções de Bo provavelmente mudarão, reportou o Boxun.

Autoridades comunistas chinesas devem ter em consideração a visita de Xi Jinping aos Estados Unidos quando lidarem com a situação de Wang. Espera-se que Xi seja nomeado líder do PCCh, sucedendo a Hu Jintao, no 18º Congresso do Partido no final deste ano.

Bo é um alvo

O incidente com Wang será um tópico de discussão embaraçoso, de acordo com o Dr. Zhang Tianling um colunista do Epoch Times e professor adjunto da Universidade George Mason.

“Eu penso que a possibilidade de Bo Xilai ser preso antes que Xi Jinping regresse é pouco provável. Mas eu penso que é que certo é que ele perderá poder e influência”, disse Zhang à New Tang Dynasty TV (NTDTV).

Surpreendentemente, não tem havido censura à discussão do incidente nos microblogues e websites.

Buscas na internet por “Wang Lijun” não estão bloqueadas e até a agência oficial de notícias da China, Xinhua, reportou o caso.

As autoridades de Chongqing afirmaram em 8 de fevereiro que Wang sofre de “depressão” e está de licença devido a “estresse”. Contudo, o governo central confirmou que Wang esteve no consulado americano em Chengdu. Mensagens tornaram-se virais nos microblogues e o Ministério dos Assuntos Exteriores tomou a iniciativa de informar que Wang permaneceu por 24 horas no consulado.

Notícias negativas de Bo Xilai continuaram a espalhar-se na internet sem serem apagadas, um sinal de que Bo enfrenta um futuro com pouca esperança, diz Zhang.

Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao sempre foram considerados líderes sem poder administrativo porque o Comitê Político-Legislativo tem sido controlado por Zhou Yongkang, um aliado de Jiang Zemin. Zhou é o chefe da segurança pública de toda a China e Jiang foi o líder do PCCh que precedeu Hu.

Hu teve de aceitar o arranjo de ter Xi Jinping passando à frente de Li Keqiang como candidato para o posto máximo, de acordo com Xia Ming, um professor da Universidade da Cidade de Nova York. Li Keqiang é o vice-primeiro-ministro e está em linha para suceder Wen como primeiro-ministro.

Para impedir que esta liderança sem poder degenere na sua importância e a influência do seu sucessor cresça demasiado depressa, Hu estava disposto a conceder a Bo algum espaço para que este fizesse frente a Xi, e Hu pudesse fortalecer sua posição.

Contudo, Bo não se contenta em apenas ser usado por Hu; ele usou populismo para apelar à ideologia de Mao Tsé-tung e aumentar seu capital político com pretensão de tornar-se o chefe do Comitê Político-Legislativo que supervisiona todos os assuntos legais, incluindo a polícia. Sua ambição ameaça Xi Jingping e Li Keqiang, disse Xia.

Lutas internas

À medida que Hu completa o seu mandato como secretário do PCCh, Bo tornou-se um peso. Enquanto Hu enfrenta a forte aliança de Xi Jinping e Li Keqiang, ele sentiu que provavelmente teria que abandonar Bo, comentou Xia.

A queda de Wang é apenas o prelúdio para a queda do próprio Bo, é óbvio que sem o suporte de Hu e Wen ou pelo menos sua aquiescência, um golpe destes (a investigação de Wang Lijun pelo Partido Central) não poderia ocorrer, acrescentou Xia.

Com a falta de autoridade da administração de Hu e Wen, diferentes facções no PCCh têm seguido certas regras tácitas para manter a balança do poder, de acordo com Shi Zangshan, especialista em assuntos da China baseado em Washington DC.

A controvérsia acionada pelo conflito de Wang e Bo enviou um forte sinal de que este já não é o caso, e que o PCCh entrará numa fase de lutas internas sistemáticas e em que regras tácitas serão ignoradas à medida que cada um dos membros do PCCh se foca na sua autopreservação à custa dos interesses de seus pares, diz Shi.

Shi diz que o colapso do PCCh é iminente.