Em entrevista a Valdo Cruz e Natuza Nery, Folha de São Paulo de domingo, o vice-presidente Michel Temer, ao defender a tese de que o PMDB deve ter candidato próprio à sucessão de 2018, praticamente rompeu com a candidatura de Lula para suceder Dilma Rousseff no Planalto. O PMDB, disse ele, não quer mais o papel de noiva preferida e sim assumir a posição de protagonista principal. Esse o enfoque essencial das palavras de Temer, antecipando-se portanto ao encadeamento dos fatos previstos para o futuro próximo. A matéria deve ter contrariado frontalmente Luiz Inácio da Silva e criado uma situação sensível para Dilma Rousseff, sobretudo em face de ser ele o coordenador político do governo. Sendo assim, ficou claro que suas ações serão coordenadas também em torno das eleições de 2018.
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Além disso, ele ameaçou a própria presidente com a perspectiva de se afastar da missão de coordenador político, caso os cargos que negociou para o Congresso aprovar o chamado Ajuste Fiscal não sejam preenchidos como ficou acertado. Diante da pergunta de Valdo Cruz e Natuza Nery sobre a demora de os compromissos serem concretizados, Michel Temer afirmou: “Vai funcionar. Até porque se a burocracia não funcionar, quem não funciona sou eu; aí eu saio”, acrescentou Temer, respondendo à indagação se ele pensa em deixar a coordenadoria: “Não. De repente, se os compromissos que assumi não forem compromissos, perde o sentido a minha permanência”.
Obstáculos do PT
A burocracia a que o vice-presidente da república se refere envolve, de acordo com a reportagem de FSP, obstáculos criados pelos ministros Aloizio Mercadante e Ricardo Berzoini, respectivamente chefe da Casa Civil e titular das Comunicações, que estariam travando a assinatura dos atos presidenciais. Portanto, analisada detidamente, a entrevista de Michel Temer é um sinal claro de insatisfação pessoal e da resistência do próprio PMDB ao papel secundário a que o poder Executivo tem lhe reservado.
As declarações inevitavelmente produzirão reflexos no panorama político já a partir das eleições municipais de 2016. Nessas eleições figura um capítulo a parte, que é a candidatura da senadora Marta Suplicy a Prefeitura da Cidade de São Paulo, que tanto preocupa o PT por forçar divisões eleitorais na cidade do país com maior número de eleitores.
E a recessão…
Além disso, o ministro Joaquim Levy, ao afirmar na semana passada que a reação econômica do país só deverá ocorrer a partir de 2017, ampliou o prazo acumulado de insatisfação que está atingindo a população brasileira e destacou a falta de perspectiva de reação até o final do próximo ano. É muito tempo para esperar e, nesse caso, a reação, logicamente, virá das urnas que se aproximam. Pois é bom lembrar que antes das urnas, começam as campanhas eleitorais e com isso o panorama político de 2016 inicia-se na verdade no final de 2015.
A ruptura da aliança PT/PMDB abala, sem dúvida, a base de sustentação política do governo Dilma Rousseff, uma vez que o PMDB ocupa seis ministérios, cuja influência política é muito grande e, inclusive, abrangerá as eleições do ano que vem, além, é claro, as eleições presidenciais de 2018.
Candidatura própria
Se o PMDB, de fato, lançar uma candidatura própria, Dilma Rousseff, para acompanhar Lula, terá que afastar os ministros do partido do vice Michel Temer. Como se vê, o vice-presidente da República, com sua entrevista, que foi certamente pensada e repensada, criou perspectivas difíceis para o governo do qual faz parte, deixando no ar a suspeita de que, no fundo deseja deixar o papel de coordenador do Planalto. Pois, se assim não fosse, não teria ameaçado deixar o posto caso as nomeações com as quais se comprometeu não forem concretizadas.
Foi um lance político estratégico do vice-presidente da República que, antes de mais nada, está pressionando para que suas promessas de cargos em troca de votos sejam assinadas pela presidente da República. Deixou no ar a hipótese de sua renúncia, não à vice, mas ao comando da articulação da presidente. Como na canção, difícil é saber renunciar. Pode acontecer, portanto. Michel Temer, na realidade, colocou sua renúncia nas mãos de Dilma Rousseff.