O governo Dilma Rousseff pode ter incorrido em crime fiscal em 2013 e 2014. Essa é a conclusão do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Seu parecer sobre o caso das “pedaladas fiscais” promovidas pela gestão do gaúcho Arno Augustin, na Secretaria do Tesouro Nacional, foi assinado na segunda-feira (6). O documento de Oliveira encerra uma parte crucial das investigações conduzidas por auditores, técnicos em contabilidade fiscal e investigadores do TCU e do Ministério Público sobre o que foi feito nas contas públicas do governo Dilma nos anos de 2013 e 2014.
Leia também:
• Brasil, pátria arrecadadora
• Deputado Jean Willys quer acabar com Crime de Desacato
• Entenda o plebiscito constituinte que quer mudar o Brasil
A conclusão do procurador é clara e cristalina: os atrasos propositais de repasses de recursos do Tesouro Nacional aos bancos públicos e privados, entre 2013 e 2014, constituíam operações de crédito. Os atrasos, chamados de “pedaladas fiscais”, visavam melhorar artificialmente as contas públicas.
No caso da Caixa Econômica Federal, a conclusão do Ministério Público pode levar a punições de autoridades do governo. Isso porque a Lei de Responsabilidade Fiscal veda operações de crédito entre instituições financeiras públicas, como a Caixa Econômica Federal e a União.
Ou seja, se o relatório técnico do TCU comprovou os atrasos e o procurador do Ministério Público entendeu que esses atrasos fizeram com que os bancos, notadamente a Caixa Econômica Federal, “financiassem” o Tesouro, ao bancar com recursos próprios os programas sociais e trabalhistas, o governo agora ficará em maus lençóis. É bem conhecido todo esse rolo em que se envolveu o Tesouro Nacional sob o comando do ex-secretário Arno Augustin e de seu braço direito, o subsecretário Marcus Aucélio, que comandava a área de política fiscal.
Querendo melhorar artificialmente as contas públicas, o Tesouro passou a atrasar, de um mês para o outro, os repasses de dinheiro para que os bancos fizessem pagamentos de aposentadorias, do Bolsa Família, do seguro-desemprego e outros programas. A “pedalada” consistia na seguinte manobra, como comprovou o TCU: o INSS, por exemplo, solicitava o dinheiro ao Tesouro para fazer os pagamentos de pensões e aposentadorias no dia 25 ou 26 de um determinado mês, mas o Tesouro somente repassava o recurso nos dias 2 ou 3 do mês seguinte, melhorando as contas de forma artificial.
“Referidos atrasos apresentam características de operação de crédito (de natureza orçamentária ou extraorçamentária, conforme o caso) entre a União e a instituição financeira, uma vez que esta, ao efetuar, no prazo devido, o pagamento dos benefícios aos destinatários finais, torna-se credora da União pelo montante dos valores pagos”, afirma o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, em seu parecer sobre o caso. A conclusão do procurador é justamente aquilo que o governo Dilma Rousseff queria evitar.
A tese de defesa do governo está concentrada na visão de que os atrasos do Tesouro aos bancos, notadamente à Caixa Econômica Federal, não configuram operações de crédito, mas sim algo previsto nos contratos de prestação de serviços fechados entre a Caixa e a União. Segundo essa tese, o governo pode transferir os recursos à Caixa Econômica Federal, pelo serviço prestado, com antecedência ou com atraso – isso não constituiria uma operação de crédito, mas sim uma prestação de serviço.
O próprio advogado-geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, vai defender o governo em sustentação oral no julgamento do TCU, previsto para ocorrer em maio. Será apenas a segunda vez na história que o AGU em pessoa vai ao TCU defender o governo.
Há uma verdadeira força-tarefa do governo Dilma Rousseff para evitar uma condenação neste caso das contas públicas. A investigação do TCU na equipe econômica, no fim de 2014, partiu justamente de pedido feito pelo procurador do Ministério Público junto ao tribunal, após uma série de reportagens no ano passado apontarem os atrasos nos repasses do Tesouro aos bancos, públicos e privados.
Na época, os atrasos chegaram a abrir uma crise entre o Tesouro e a Caixa. Depois da inspeção no Tesouro Nacional e no Banco Central, os auditores concluíram em relatório final que, de fato, o governo atrasou propositalmente a transferência dos recursos.
Com isso, no parecer, o procurador do Ministério Público assinala: “os achados identificados pela equipe de auditoria confirmaram os indícios de irregularidades relatados na representação, ou seja, o Tesouro Nacional tem atrasado o repasse, às instituições financeiras, de recursos destinados ao pagamento de benefícios sociais (Bolsa Família, abono salarial e seguro-desemprego), previdenciários (INSS) e econômicos (subvenções em financiamentos bancários)”.
“No caso das despesas referentes ao Bolsa Família, ao seguro-desemprego e ao abono salarial, a equipe de auditoria verificou que, ao longo do exercício de 2013 e dos sete primeiros meses do exercício de 2014, a Caixa Econômica Federal utilizou recursos próprios para o pagamento dos benefícios de responsabilidade da União, uma vez que esta, em regra, só repassava os respectivos recursos financeiros àquela no início do mês subsequente ao do pagamento”, afirma o procurador do Ministério Público.
De acordo com o procurador, “não há dúvida” de que nos casos em que a instituição financeira efetua o pagamento de despesas de responsabilidade da União usando recursos próprios, o banco “assume o compromisso financeiro de repassar àquela os recursos federais correspondentes, acrescidos dos encargos financeiros eventualmente acordados entre as partes”. Por isso que as instituições públicas, como a Caixa Econômica Federal, o BNDES e o Banco do Brasil registram em seus ativos os valores que tem a receber do Tesouro Nacional.
O parecer do procurador do Ministério Público também aponta para as incorreções do Banco Central no momento de registrar no cálculo da dívida pública os passivos gerados pelo Tesouro Nacional com os bancos. “Verifica-se, portanto, que o próprio Banco Central reconheceu que as obrigações da União junto à Caixa Econômica Federal oriundas da diferença negativa entre os recursos repassados pela primeira e os recursos despendidos pela segunda para o pagamento das despesas dos programas sociais do governo devem ser incluídas na Dívida Líquida do Setor Público e impactar, portanto, o resultado fiscal do respectivo período de apuração”, escreve o procurador.
Há ainda o misterioso caso dos R$ 4 bilhões. Essa enorme quantia foi encontrada em uma conta de um banco privado nacional que escapava ao sistema de verificação fiscal do Banco Central. Esse dinheiro todo, R$ 4 bilhões, constituía um crédito do Tesouro – portanto, era algo que o banco privado nacional deveria repassar ao governo.
Pois bem, no relatório final técnico do TCU, algumas respostas foram dadas: o dinheiro era referente a despesas do INSS, geradas pelo Tesouro Nacional em todas as instituições financeiras que pagam aposentadorias públicas. O Banco Central encontrou esta conta em maio do ano passado e, claro, imediatamente incorporou esse dinheiro nas estatísticas fiscais.
Diante disso, o TCU determinou que o Banco Central adote, “de imediato”, providências no sentido de “aprimorar a rotina contábil a ser utilizada pelas instituições financeiras para o registro de movimentações no âmbito de pagamento de benefícios do INSS”. Isso foi endossado pelo procurador do Ministério Público em seu parecer. A investigação está concluída.
A partir de hoje, o ministro relator do caso no TCU, José Múcio, tem na sua mesa o relatório técnico produzido pelos auditores do tribunal que investigaram o governo e também o parecer do procurador do Ministério Público. Múcio pode, agora, proferir seu voto sobre a questão, abrindo os trabalhos para a votação em plenário.
Será neste momento que o Advogado Geral da União, Luis Inácio Adams, irá ao TCU defender o governo. Um dos principais artífices das “pedaladas fiscais”, o subsecretário de política fiscal do Tesouro, Marcus Aucélio, é uma das 14 autoridades que os técnicos do TCU querem convocar para se explicarem. A convocação é endossada pelo Ministério Público.