Tarifa zero, liberdade zero, injustiça máxima

25/02/2015 13:32 Atualizado: 25/02/2015 13:32

Você quer agressão estatal ou liberdade individual?

“Amanhece no Brasil. Quais liberdades o governo nos tirará hoje?”

Esta pergunta, adaptada de uma propaganda americana, nem sempre tem uma resposta óbvia. A eliminação diária da nossa liberdade pelo governo é certa como o nascer do sol, mas a maneira de fazê-lo pode ser tão sutil e ardilosa, que a maioria das vítimas não conseguirá nem sequer correlacioná-la a essa perda.

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Em outras palavras, alguns atos do governo subtraem nossas liberdades de maneira menos aparente do que outros. O valor dessa estratégia repousa na ignorância econômica da população e permite ao governo expandir seu poder com uma mínima perda de capital político. Ou até mesmo com ganho.

É o modus operandi do populismo: angariar apoio das mesmas pessoas que são diretamente agredidas por uma medida estatal, explorando sua desinformação. O governo se alimenta da mentira.

Um gritante exemplo de medida populista é a PL 1/2015, sancionada pelo governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin. Esta legislação concede isenção de tarifas no metrô, nos trens operados pela CPTM e nos ônibus da EMTU aos estudantes da rede pública e da rede privada que comprovarem baixa renda.

Os responsáveis por esta medida a anunciam como a bem-aventurança dos estudantes, uma vitória para a educação e a salvação da juventude paulista.

Esta falsa soteriologia laica, que insinua ao povo que o governo é capaz de salvá-lo, é uma das principais características do populismo, conforme nos explica o politólogo francês Pierre-André Taguieff em L’Illusion populiste: de l’archaïque au médiatique (A Ilusão Populista: do arcaico ao midiático):

A combinação do populismo-retórico com o populismo-legitimação carismática encarna-se na figura do demagogo ou do tribuno do povo, personagem que é, ao mesmo tempo, expressão, guia e salvador do povo, e que se apresenta como homem providencial e realizador de milagres — ou de um porvir maravilhoso.

O demagogo em questão é Geraldo Alckmin e ele está tirando a liberdade dos paulistas. E, não se preocupem, isso rapidamente vai se espalhar para outros estados.

À luz da sólida ciência econômica, pode-se contemplar com horror alguns dos possíveis e nefandos efeitos sócio-econômicos dessa imposição.

1) Injustiça social

Os custos de operação dos sistemas de transporte não podem ser alterados por uma canetada mágica dos burocratas — logo, terão de ser cobertos pelos usuários que não gozam da isenção.

Os preços das tarifas aumentarão para todas essas pessoas.

Teremos, portanto, a bizarra situação em que um operário, um aposentado, uma empregada doméstica ou um desempregado terão de arcar com os custos da passagem de um rico estudante de medicina da USP, que prefere o ônibus ao carro para poder jogar Candy Crush no trajeto.

Se um militante marxista quisesse escrever um libelo sobre uma distopia elitista “da direita neoliberal” (SIC), talvez lhe faltasse imaginação para conceber tal cenário.

Lembremos também que os preços das tarifas aumentarão muito mais do que qualquer pessoa poderia prever. O motivo é que, com a tarifa zero, a demanda dos estudantes por transporte público crescerá desenfreadamente, aumentando também os custos de operação. Este aumento de despesas será repassado às faxineiras e auxiliares de escritório.

Há também aquele idoso que pega o ônibus para fazer hemodiálise, e aquela costureira grávida de 6 meses, com dois empregos pra sustentar os outros 4 filhos. A bengala e a barriga serão obrigadas a disputar espaço com as hordas de mochilas dos estudantes, na sua nova modalidade de rolezinho motorizado. Talvez eu não precise mencionar as carteiras de estudante falsificadas ou os assaltos para roubar as verdadeiras.

2) Distorção do setor educacional

Adiar o ingresso no mercado de trabalho possui custos de oportunidade para um indivíduo. Mas com o privilégio da isenção nos transportes, eles serão mitigados à custa dos trabalhadores. Os alunos terão incentivos para prorrogar o tempo de formação, aumentando os custos do ensino. Os estudantes cursarão menos disciplinas por semestre e terão maiores índices de reprovação.

Haverá ainda aqueles que se matricularão nas faculdades públicas apenas para gozarem da tarifa zero. Ou pior: aqueles que ingressarão em escolas privadas diversas todo semestre, não pagando uma mensalidade sequer.

É inegável que haverá um aumento artificial da demanda por matrículas. Nas escolas privadas, o resultado será o encarecimento das mensalidades e a redução da oferta de bolsas. O impacto financeiro sobre os pobres será devastador. Nas escolas públicas haverá aumento artificial da concorrência por vagas, prejudicando aqueles que realmente estavam em busca do diploma para poder trabalhar.

3) Diminuição da prosperidade

A legislação imposta por Alckmin impõe ao próprio governo a necessidade de implementar mecanismos de controle. Será necessário verificar quem é estudante, quem está na rede pública e quem possui baixa renda. Este aparato possui custos, que serão arcados por todos os pagadores de tributos.

Como se isso não bastasse, a necessidade de comprovar baixa renda para os alunos da rede privada alimenta o banco de dados da receita. Isto não só diminui a privacidade financeira das famílias em questão, como aumenta a capacidade do fisco de cobrar tributos.

O setor produtivo da sociedade, que é o setor privado, será ainda mais espoliado pelo setor parasitário, que é o setor público. Com uma maior extração de impostos, haverá menos acúmulo de capital e menos incentivos ao trabalho honesto. A perda de produtividade resultante será refletida em menores salários e aumento de preços. O padrão de vida da população cairá (ou deixará de aumentar).

4) Expansão do leviatã estatal

Este é, invariavelmente, o objetivo de todas as políticas públicas. Por conivência dos governados iludidos, os governantes costumam ser muito bem sucedidos em cumpri-lo.

Por mais deslumbrante que sejam os discursos, é a concentração de poder o grande incentivo dos membros do estado. Como nos lembra o dramaturgo Friedrich Dürrenmatt: “as ideologias são desculpas para nos aferrarmos ao poder ou pretextos para nos apoderarmos dele”.

A tarifa zero para estudantes possui um apelo populista inerente. Alheios aos efeitos acima expostos e doutrinados pelo próprio ensino público que lhes confere isenção, os estudantes idolatrarão ainda mais o governo. E não se trata apenas de venerar o PSDB, mas a própria instituição do estado.

Assumindo que H.L. Mencken estava correto ao afirmar que um homem decente envergonha-se do governo sob o qual vive, teremos uma diminuição da decência.

O atual governo estadual gozará não só da formação de um curral eleitoral favorável dentre os estudantes, mas principalmente dentre os oligopólios que controlam a emissão de carteirinhas estudantis, e que terão lucros exorbitantes. A medida de Alckmin não deixa de ser, portanto, um suborno político.

A legislação aumenta também o controle estatal sobre o setor de transportes. Valendo-se da mesma retórica demagógica utilizada para sancionar a medida, o governo irá impedir uma hipotética privatização do transporte coletivo.

Conclusão

Desestatizar completamente o setor e privatizá-lo — refiro-me a torná-lo sujeito à livre concorrência e não ao atual regime fascista de concessões, que apenas entrega um monopólio a empresas privadas e as protege de qualquer concorrência — é a única solução ética, funcional e eficiente para o problema do deslocamento de pessoas.

O transporte urbano é um serviço escasso, sujeito às mesmas leis econômicas que vigoram no resto do Universo. Portanto, deve ser provido pelos empreendedores no livre mercado e não por burocratas e seus asseclas corporativistas.