Angela Merkel diz que o multiculturalismo fracassou na Alemanha. Ao contrário, dona Merkel, o multiculturalismo teve enorme sucesso na Alemanha! Você é que estava esperando dele algo para o qual ele não foi criado. O multiculturalismo é uma teoria sociológica, e é preciso entender como ela funciona olhando de fora da teoria, ou seja, com um olhar metateórico. Entender o multiculturalismo pelo discurso multiculturalista consiste em um raciocínio circular e tautológico.
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O multiculturalismo diz que nenhuma cultura é melhor que a outra e que todas devem ser respeitadas igualmente; nesse sentido o multiculturalismo é um braço do relativismo europeu, tipicamente ocidental. Este é o primeiro paradoxo do multiculturalismo: sua pretensa neutralidade supra-cultural é, no fundo, culturalmente circunscrita.
O segundo paradoxo é que, ao assumir esse pressuposto da igualdade axiológica entre as culturas você já vai entrar em conflito com as próprias noções centrais das outras culturas que se afirmam enquanto vetores axiológicos distintos dos outros. Apenas para tomar um exemplo: para o islamismo, tudo o que estiver fora da sociedade islâmica instituída por Deus, e toda moralidade humana que estiver fora da lei da Shariah, é barbarismo, atraso, ignorância, trevas e estupidez. Ah que mentira, você que é intolerante. Mentira nada. O islamismo tem um nome para nós: Jahilia, ou seja, a ignorância. E, diga-se de passagem que, dentro da cosmovisão islâmica, eles estão cobertos de razão; o que é totalmente supérfluo porque a razão não tem nada a ver com isso.
Assim como os gregos chamavam os outros povos de bárbaros, porque não compartilhavam da língua e cultura da Hélade. Assim como os cristãos chamam os outros povos de pagãos. Assim como os judeus chamam os outros povos de goy, as nações do mundo. É normal isso, toda civilização que merece o nome de civilização acredita-se superior às outras e entende-se como um vetor axiológico.
Ponto. O ocidente europeu, entretanto, após o processo do esclarecimento (séc XVIII), entrou em crise de fé (séc XIX), e não acredita-se mais esclarecido ou culturalmente superior a ninguém (séc XX). Não mais. Eis o terceiro paradoxo: o processo de racionalização nos trouxe a aporia e o relativismo, ao ponto em que nós, do auge de nossa racionalidade, não conseguimos decidir se é certo ou errado apedrejar uma mulher por violar uma lei sexual de sua cultura. Não conseguimos decidir se é certo ou errado tirar a vida de um feto em gestação.