‘Sonho da China’, na realidade, é um pesadelo

29/07/2013 12:45 Atualizado: 29/07/2013 12:45
Uma ambulante chinesa vende maças. Estes vendedores são frequentemente ameaçados e espancados por chengguan, bandidos empregados pelas cidades para reforçar suas regulamentações (Wang Zhao/AFP/Getty Images)

Desde que assumiu o cargo em novembro, o novo líder chinês Xi Jinping propôs a ideia do ‘Sonho da China’. Num discurso em maio, ele exortou os jovens chineses a “ousar sonhar, trabalhar assiduamente para realizar os sonhos e contribuir para a revitalização da nação”.

Esta palestra feliz recebeu uma resposta afiada em 18 de julho no Twitter, postada por @tianleiwuwang (“o trovão celeste não atinge aleatoriamente”): “Se você tem dinheiro, tenha cuidado para não se tornar Zeng Chengjie. Se você não tem dinheiro, tenha cuidado para não se tornar Deng Zhengjia. Não espere até que você fique incapacitado como Ji Zhongxing; tente ser Yang Jia, enquanto você ainda pode.” E alguém acrescentou: “Sonho da China”.

Para a maioria dos ocidentais, estes nomes são difíceis de lembrar. Suas histórias, exceto a de Yang Jia, tornaram-se os tópicos mais quentes na internet chinesa na semana passada.

Execução ilegal

Zeng Chengjie foi condenado à morte em 20 de maio de 2011, por “captação ilegal”, pelo Tribunal Intermediário de Changsha, província de Hunan. Seu apelo foi negado pelo Supremo Tribunal Provincial de Hunan sete meses mais tarde. O Supremo Tribunal confirmou a sentença de morte em 14 de junho de 2013.

No dia 12 de julho, o Tribunal Intermediário de Changsha efetuou a execução sem notificar seus familiares, o que é exigido por lei. A segunda filha de Zeng recebeu apenas suas cinzas do tribunal alguns dias depois. Ela protestou na mídia social chinesa Weibo e recebeu apoio generalizado.

O Tribunal Intermediário de Changsha e, posteriormente, o Supremo Tribunal de Hunan tentaram defender suas ações ilegais. O Tribunal Intermediário de Changsha afirmou que a lei não exige notificar os membros da família, o que é uma mentira. Em seguida, o tribunal afirmou que Zeng não pediu que notificassem a família, o que não justifica o fracasso do tribunal de avisar os familiares.

Quando as explicações enfureceram cada vez mais o público, o Supremo Tribunal de Hunan ainda piorou as coisas dizendo que as informações de contato dos familiares não estavam no arquivo. Considerando que o caso durou mais de dois anos e que a esposa de Zeng e a outra filha ainda estavam em custódia da polícia, ninguém acreditou numa única palavra dita pelo tribunal. A esta altura, profissionais de direito se juntaram ao público contra as autoridades de Hunan.

A pressa em executar Zeng em segredo sugeriu que razões horríveis estavam por trás das ações do tribunal. A primeira hipótese levantada na internet chinesa foi que os órgãos de Zeng seriam compatíveis com os de um paciente importante que esperava transplante.

A segunda possibilidade é que um oficial de alto escalão queria encobrir a verdadeira causa de sua morte. Zeng teria morrido devido a maus-tratos, tortura ou até assassinato. Hunan é notória por fazer dissidentes cometerem “suicídio”.

Outra possibilidade: Um promotor anônimo afirmou que execuções sem notificar a família são rotina na China. É que a maioria das famílias opta por ficar em silêncio.

Para o abate

Uma vez que a atenção do público se focou neste caso, os internautas desenterraram mais e mais informações. Zeng sintetiza o Sonho da China, que o regime chinês quer que o povo chinês acredite.

Ele era um empresário de sucesso incentivado e elogiado pelas autoridades locais e até mesmo as centrais. Ele foi homenageado por estar entre os dez mais na 2ª Sessão da Reforma Empresarial da China.

Anos atrás, ele foi convidado, juntamente com outros, pela administração da cidade de Shishou, para participar de projetos na cidade. Zeng levantou capital para projetos urbanos apoiados pelo governo da cidade. Sua sorte mudou quando o chefe do governo local foi alterado.

A nova liderança parecia não gostar da maneira de fazer negócios dos líderes anteriores ou simplesmente queria ficar rica da noite para o dia. O projeto parou e o fundo levantado foi declarado ilegal. Quando Zeng foi preso e colocado sob investigação, o governo local tomou seu negócio e leiloou todas as suas propriedades.

Suas propriedades valiam mais do que o dobro de sua dívida, mas a cidade avaliou-as muito abaixo de sua dívida. Uma empresa do governo da cidade realizou o leilão. Todo o processo garantiu que Zeng não teria chance de pagar a dívida, o que poderia minimizar ou mesmo encerrar as acusações contra ele.

Todos os investidores, incluindo Zeng Chengjie, foram à falência, com Zeng como bode expiatório. O governo local, ou os oficiais que são os verdadeiros donos da empresa vencedora, lucrou com a venda. As autoridades apreenderam bilhões em riqueza, com a consequência de que Zeng Chengjie deveria morrer.

O caso de Zeng Chengjie não é o único. Na China, o Relatório Hurun de Riqueza lista anualmente os mais ricos da China. Às vezes, esta lista é chamada de lista de abate.

Muitas pessoas ricas que, como Zeng Chengjie, não têm um suporte poderoso, são rapidamente condenadas e seus bens confiscados. Os verdadeiros ricos são os “príncipes” – descendentes da geração de fundadores do Partido Comunista Chinês (PCC) – mas eles nunca aparecem na lista dos mais ricos. Eles mantêm um perfil discreto e nunca são investigados ou condenados.

Empresários privados, uma vez que sua riqueza atinge determinado nível, são como porcos apenas engordados para o abate de sua carne.

Na China, as pessoas chamam isso de “matar o rico por sua riqueza”. O PCC fez isso antes de tomar o poder na China. Ao fazer isso agora, os oficiais do PCC parecem estar dizendo que seu poder não durará muito tempo e por isso têm de agir como bandidos.

Na China, tudo é feito por meio da “política” e não do estado de direito. Isso faz as atividades normais de empreendimento uma aventura de alto risco. O sistema é projetado desta maneira. A empresa deve violar a lei para fazer negócios, sem exceção, seja chinesa ou ocidental.

A lei é usada seletivamente tanto por autoridades centrais ou locais para atacar, seja para fins políticos ou econômicos. Ninguém sabe quem será o próximo a cair. Vinte anos atrás, as pessoas disseram que a política do PCC muda como as fases da Lua. Zeng Chengjie caiu nesta armadilha. Bem, da mesma forma como o gigante Glaxo Smith Kline.

‘Sem dinheiro’

Como Zeng Chengjie, a segunda e terceira pessoas mencionadas na mensagem de 18 de julho, Deng Zhegjie e Ji Zhongxing, cada um abraçou o Sonho da China da sua própria maneira, antes de qualquer conversa sobre tal sonho ter começado.

Deng Zhengjie era um agricultor que ganhava a vida vendendo melancias cultivadas por suas próprias mãos. Ele morreu em 17 de julho, depois de ser espancado por seis chengguans e sofrer danos cerebrais. Testemunhas disseram que os bandidos chengguans – empregados pelas prefeituras para reforçar os regulamentos urbanos – espancaram Deng com o contrapeso de aço usado para pesar seus melões.

Na China, a guerra entre os chengguans e os vendedores de rua é uma cena cotidiana na maioria das cidades. O caso de Deng é apenas um exemplo típico de quem “não tem dinheiro”.

A história de Ji Zhongxing também é muito semelhante a muitas outras e comum para a maioria dos chineses. Dez anos atrás, como muitos chineses rurais, ele foi para Dongguan, na província de Guangdong, um movimentado centro de reforma econômica no sul da China, em busca de uma vida melhor.

Ele começou a dirigir um Modi, um moto-táxi. Um dia, Ji Zhongxing e seu passageiro foram apanhados pela segurança local e espancados por sete a oito guardas. Ji ficou paralítico. Pelos próximos oito anos, ele visitou vários departamentos estatais em vão.

Finalmente, em 20 de julho, ele decidiu se explodir no aeroporto de Pequim. Enquanto se assegurava de que pelo menos sua tentativa de suicídio não seria ignorada, ele ainda garantiu que as pessoas ao seu redor se afastassem para não se ferirem. Ele sobreviveu, perdendo um braço, mas ninguém mais se feriu.

Com mais de 100 milhões de pessoas tendo perdido suas terras ou moradia ou sofrido outras injustiças sociais, a questão não é como evitar que um caso como o de Ji ocorra novamente, mas onde e quando será o próximo.

Há também o caso de Yang Jia, também citado pela postagem. Em 2008, em 1º de julho – a data de fundação do PCC – Yang esfaqueou seis policiais de Shanghai até a morte para vingar os maus-tratos que recebeu.

O Sonho da China se parece com isso para muitos chineses: uma oportunidade para engordar e ser abatido, o sonho de ter uma barra de aço esmagando seu crâneo por ter tentar ganhar a vida, um suicídio planejado que não interfere com a revitalização da nação ou a possibilidade de degolar policiais com uma faca.

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