“As sociedades que esperam sua felicidade da mão de seus governos, esperam uma coisa que é contrária à natureza.”
Juan Bautista Alberdi
“O socialismo em geral tem um histórico de fracassos tão estrepitoso que só um intelectual pode ignorá-lo ou evitá-lo.”
Thomas Sowell
Comecemos pelo caso da Venezuela, onde o presidente Nicolás Maduro entranha uma política que ameaça a liberdade. Já deveríamos saber que Simón Bolívar jamais pôde distinguir a diferença entre a independência e a liberdade, e foi assim que Sarmento considerou que seu governo havia sido a primeira tirania no continente. Porém, atualmente, o presidente Maduro, herdeiro do discípulo de Fidel Castro, o coronel Chávez, iniciou um processo que desafia o princípio fundamental da liberdade e que tem por finalidade justificar o poder político absoluto.
Esse desafio começa com a criação do Vice-Ministério da Felicidade Suprema. Ou seja, que supostamente o governo se encarrega de outorgar a felicidade ao povo. Essa proposta constitui a violação do princípio fundamental da liberdade, como reconheceu John Locke, e assim o reconheceu Jefferson na Declaração da Independência dos Estados Unidos, e que é o direito do homem à busca da própria felicidade. Esse direito é um princípio ético que significa que os interesses privados não são contrários de per se ao interesse geral. É em função desse princípio que parte do reconhecimento da natureza humana, que o poder judiciário se constitui na garantia do respeito aos direitos individuais.
A respeito, David Hume escreveu: “É somente pelo egoísmo e limitada generosidade do homem, em conjunto com a escassa provisão que a natureza deu para suas necessidades, que a justiça deriva sua origem.” Esse é o princípio fundamental para reconhecer que o sistema ético em que se baseia a liberdade, se sustenta na noção da natureza humana e não da pretensão da criação de um homem novo. Essa foi a noção avessa da de Rousseau, da qual partiu para reconhecer o poder da soberania como um poder absoluto, ao mesmo tempo encarregado de modificar a natureza humana.
Nos conceitos anteriores podemos ver os princípios do totalitarismo que se avizinha na Venezuela, e que se originou em Cuba pela primeira vez no continente, por mais que o que considero cinismo político universal pretenda ignorá-lo. Maduro já não esconde seu projeto e, portanto, tenta a militarização da sociedade. Com esse propósito ele assegura que: “A milícia bolivariana é uma tremenda força moral.” Certamente está rodeado de militares e compras de armas. E saibamos que a militarização não é uma força para uma guerra externa senão a garantia do poder interno. Assim, temos o nacional-socialismo que é determinante do poder absoluto para desconhecer a propriedade privada e certamente seguindo o pensamento de Rousseau ele aplica a censura.
Nesse aspecto vou me permitir lembrar que, embora se tenha ignorado, foi o exército de Batista quem outorgou poder a Fidel Castro e a seus paus-mandados, como Che Guevara. Assim destruiu-se a liberdade e a riqueza do país que em 1959 tinha o mais elevado nível de vida da América Latina e hoje compete pela pobreza com o Haiti. A história mostra que o poder político absoluto se sustenta na falácia de que representa o interesse geral e o bem comum, e se traduz na falta de liberdade cidadã e na riqueza da nova classe. Já Maduro é consciente dessa realidade, à qual colabora com as falácias do além e do “passarinho”, mas que basicamente entranha a clara noção de Maquiavel: “O príncipe não pode controlar o amor, mas sim o medo.”
É nessa concepção ética que se baseia o socialismo que, não obstante como assinala Sowell, tem sido a essência histórica do fracasso, apropriou-se da ética da igualdade como valor supremo no caminho para o poder, quer seja democrática ou ditatorialmente. Essa é a realidade que o hoje chamado mundo ocidental enfrenta, no que me atrevo a incluir a América Latina. Porém, evidentemente, a esquerda se apropriou da ética e tanto é assim que liberais famosos já se autoqualificam como liberais de esquerda. Isso pretende significar que estão a favor dos pobres, enquanto que se ignora que são esses que estão a favor dos pobres os que se enriquecem às suas custas e criam mais pobres.
A fim de entender a filosofia política que está em jogo, creio procedente lembrar a noção maniqueísta do socialismo tal como Marx a descreve em seu livro ‘A Ideologia Alemã’. Lá ele começa por assinalar que na sociedade capitalista existe uma divisão entre o interesse comum e os interesses particulares. Por isso, considera igualmente que a divisão do trabalho implica numa contradição entre o interesse do indivíduo e sua família, e o interesse comum. Por isso ele prevê que na sociedade comunista, onde não existe a propriedade privada e o Estado desapareceu, a sociedade regula a produção geral e possibilita que ninguém tenha uma atividade exclusiva. Assim poderá fazer uma coisa hoje e outra amanhã, caçar de manhã e pescar à tarde, cuidar do gado à tarde e criticar ao anoitecer. Ouvidas essas palavras se me torna impossível compreender que alguém de inteligência mediana, de boa-fé, possa acreditar em tal absurdo do nirvana na terra. E lembro as palavras de Popper: “A utopia gera a violência.” Por isso estou convencido da existência de duas classes de socialistas: os que acreditam a partir da inveja e os que o usam a partir da hipocrisia para chegar ao governo, e não posso deixar de reconhecer os êxitos destes últimos sobre os primeiros.
No ‘Manifesto Comunista’, depois de reconhecer que a burguesia em apenas cem anos havia criado mais riquezas que todas as gerações anteriores juntas, Marx e Engels chegaram à conclusão de que certamente se conseguiu isso mediante a exploração do homem pelo homem. Portanto, tinha-se que chegar à Ditadura do proletariado, para a eliminação da propriedade privada e o Estado desapareceria (Engels), criando-se as condições expostas anteriormente. Em 1890, Eduard Bernstein, em discussão com Lenin sobre a socialdemocracia, escreveu ‘As Pré-condições do Socialismo’, no qual, partindo da ideia de que o socialismo era o herdeiro legítimo do liberalismo, conclui que não se necessita da revolução, senão que se pode alcançar o socialismo democraticamente. Neste sentido, embora eu considere que o socialismo seja a antítese filosófico-política do liberalismo, do mesmo modo reconheço que ele teve razão, pois impera a demagogia tal como descreveu Aristóteles há 2.500 anos. Certamente também estava de acordo com a eliminação da propriedade privada, porém que não se faria mediante expropriações violentas, senão mediante o que chama de organização, e que eu me permito considerar o incremento considerável do gasto público e consequentemente o aumento dos impostos a tais níveis que constituem uma violação do direito de propriedade.
Dito o que antecede, creio que é óbvio que a existência de um partido socialista, tanto nos Estados Unidos como na Argentina, é inconstitucional. O projeto socialista de eliminar a propriedade privada é uma violação dos direitos garantidos pelos artigos 14 e 17 da Constituição Nacional. Nos Estados Unidos não existem partidos socialistas, mas é evidente que a política de Obama tende nessa direção. Ou seja, segue os passos do sistema do Estado de Bem-Estar europeu aumentando os gastos e os impostos. É evidente que a partir de certo nível os impostos constituem uma violência do direito de propriedade. Já se deveria saber que é esta a causa da crise que padece pertinazmente a União Europeia, pois tal como escreveu The Economist: “O problema da Europa é o sistema e quem quer mudá-lo perde as eleições.”
Como bem disse Stefan Theil, a filosofia europeia é a do fracasso e, não obstante a evidência da crise nos colégios e universidades da França e da Alemanha, ensina-se a aversão ao capitalismo. Diz ele: “O capitalismo mesmo é descrito em vários pontos no texto como brutal, selvagem, neoliberal e americano.” Imagino como esse ensinamento ganhará força nos fatos ante a presente espionagem americana aos líderes europeus. Está visto que a demagogia impera sob a gesta da democracia majoritária, que é precisamente o desafio ao ‘Rule of Law’, sistema no qual as maiorias não têm o direito de violar os direitos das minorias e dos indivíduos. E é nessa gesta que se apropriou da ética e, portanto, tal como disse Bernstein, o socialismo não requer a revolução e me remeto aos fatos.
A situação na América Latina difere da europeia e poderia se dizer: “Um espectro está rondando a América Latina: é o espectro do socialismo do século XXI.” E esse espectro que ameaça a liberdade no continente está baseado na suposta luta pela igualdade, que agora Maduro pretende consegui-la outorgando diretamente a felicidade ao povo. Não obstante os preços do petróleo, na Venezuela parece carecer-se de tudo, inclusive de papel higiênico e agora de papel de jornais, e a inflação alcança 40% anual. Porém, está visto que ele pretende outorgar a felicidade por meio dos militares, assim que parece que, como em Cuba, é perigoso mostrar que não é feliz. Assim estamos ameaçados pelo que Jefferson denominou “um despotismo eletivo”.
Esta matéria foi originalmente publicada pela Mídia Sem Máscara