A social-democracia europeia foi construída tendo por base um consenso ideológico profundamente antiliberal, filho bastardo de um pacto silencioso entre comunistas e fascistas. Não obstante, a administração desse consenso social-democrata foi entregue a uma pequena elite supostamente tecnocrática, a qual renunciou a todo e qualquer discurso ideológico em prol do governismo.
Nenhum partido majoritário jamais ousou contestar as bases desse consenso; jamais houve uma batalha de ideias e de valores. Ao contrário, todos os partidos se limitaram a assimilar esse consenso com o intuito de maximizar suas chances de ascensão e de manutenção do poder.
Com efeito, aqueles poucos que ousavam discordar da ideologia dominante e que batalhavam para ao menos criar um debate mais aprofundado que questionasse a própria essência dos valores e das ideias social-democratas eram imediatamente tachados de reacionários contrários ao sistema — quando, na realidade, os maiores reacionários eram justamente aqueles que estavam dispostos a tudo para blindar um sistema claramente falido.
Sob este arranjo, desde que a qualidade da gestão social-democrata não fosse questionada pelo conjunto da população, o circo político seguiria funcionando aparentemente bem. Porém, bastou as benesses começarem a escassear para que umas poucas formações de inspiração fascista ou comunista articulassem um discurso minimamente ideologizado e, com isso, atraíssem os votos dos descontentes. E isso já foi o suficiente para estremecer a falida tecnocracia europeia. Países como França, Grécia, Grã-Bretanha, Dinamarca e até mesmo Alemanha elegeram para o Parlamento Europeu um número recorde de políticos filiados a partidos tidos como extremistas.
Os especialistas foram rápidos em culpar a crise pela ascensão dessas formações filocomunistas e filofascistas — e, com efeito, uma redução nas benesses tem sua fatia de responsabilidade pela atual situação. Mas o problema de fundo é outro: se a maioria da população associa a crise à necessidade de um antiliberalismo ainda maior é porque as ideias antiliberais vêm sendo majoritárias na Europa há décadas.
Ou seja: se a incerteza econômica deve ser combatida com um estatismo ainda maior é porque os europeus já interiorizaram o discurso de que o estado tem de ser o provedor supremo e de que a liberdade é uma ameaça. Diferentemente de outros momentos da história, o problema europeu não é que o Leviatã tenha a aproveitado a crise para crescer, mas sim que a maioria da população tenha implorado para que o Leviatã crescesse.
Não é à toa que o cerne do discurso das agremiações antiliberais que ascenderam com força em quase toda a Europa é idêntico: a total aversão à sociedade aberta e aos seus valores de tolerância, diversidade e voluntariedade. Desde a Frente Nacional da França incitando o ódio aos imigrantes à Syriza da Grécia estimulando o ódio aos capitais estrangeiros, passando por todos os distintos grupos de extrema-esquerda que surgiram na Espanha e pelos neonazistas que ressurgiram na Alemanha e que são proeminentes na Grécia, todos têm o objetivo de asfixiar e reprimir radicalmente os poucos resquícios de liberdade que não foram destruídos pelo consenso social-democrata que governa a Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A maioria dos europeus não pensa hoje de maneira substantivamente distinta de como pensava há dez anos; o cerne de suas ideias segue sendo o mesmo. O que mudou é que, há dez anos, todos estavam bem assistidos por um estado provedor que dizia não haver limites para suas benesses; hoje as benesses se exauriram e a inevitável realidade econômica se impôs. O fato de que os recursos são escassos e não podem ser criados por meras palavras de políticos e burocratas é algo que está sendo sentido na pele pelos europeus. E essa realidade bastou para que eles optassem por diminuir seu apoio à tecnocracia dominante e abraçar partidos ideologicamente mais radicais.
A questão é que as ideias liberais foram completamente banidas da cena política europeia durante a segunda metade do século XX, trucidadas pelo consenso social-democrata que foi erigido em torno de um dadivoso e corruptor estado de bem-estar social. Reconstruir as ideias liberais não é algo que levará alguns anos, mas sim várias décadas: e décadas de espera é um luxo ao qual o Velho Continente simplesmente não pode se dar.
O Velho Continente é velho no pior sentido do termo: sua população tem uma visão voltada apenas para o curto prazo, sua demografia está estagnada e já não há ilusões quanto ao futuro. A adoção maciça de ideias antiliberais gerou uma mentalidade anti-empreendedorial na qual as pessoas visam apenas a consumir o capital que foi acumulado durante gerações, assim como a terceira geração de novos ricos dilapida a fortuna acumulada pela família. E é isso que existe hoje na Europa: uma crescente geração de aposentados que aspira apenas a seguir coletando sua pensão garantida pelo estado e uma minguante geração de jovens desanimados e sem aspirações cuja opção mais racional é deglutir politicamente o capital legado por seus pais.
E é exatamente por isso que não há nenhum risco de uma revolução convencional, pois essa não interessa a ninguém. O verdadeiro risco é que haja a consolidação irremediável do atual regime espoliador, agora sob um legitimador verniz de regeneração democrática; um sofisticado chavismo à moda europeia que renove a arena do circo e volte a distribuir benesses à custa da liberdade presente e da prosperidade futura.
Nenhum partido majoritário ousa combater ideologicamente essa opção pela degeneração estatista essencialmente porque o cerne de suas ideias é o mesmo. E isso os levou a uma sinuca de bico: de um lado, a manutenção de seus mandatos depende de que a recuperação econômica se consolide e que haja um arrefecimento dos movimentos extremistas; para isso, eles terão de adotar um pouco da agenda assistencialista defendida pelos extremistas. Só que, quanto mais exigências assistencialistas forem feitas e atendidas, menores serão os fundamentos para uma recuperação sólida, pois maiores serão a espoliação e a destruição generalizada de capital (impostos, desvalorizações, inflação, controles de capital, aumento de impostos, tarifas etc.), o que aumenta o risco de esses partidos majoritários serem desalojados do poder.
Daí todo o temor com a ascensão dos partidos extremistas, que prometem a ampliação das mesmas benesses assistencialistas defendidas pelos partidos tradicionais, só que com um grau de populismo um pouco mais irresistível para as massas.
Esta talvez seja a pior consequência da social-democracia: quando os recursos se exaurem e as benesses deixam de ser redistribuídas, os extremistas adquirem proeminência.
Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía
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