Sobre efetividade no Direito Nacional e no Direito Internacional

07/08/2013 10:14 Atualizado: 07/08/2013 10:19
Alexandre Coutinho Pagliarini (Instituto Millenium)
Sobre efetividade no Direito nacional e no Direito internacional – O que diferencia um do outro?

Imaginem se a mulher ainda “gozasse” das prerrogativas que lhe eram “garantidas” pelo Código Civil de 1916; ela estaria, assim, privada de direitos que hoje são tidos como básicos, graças aos princípios humanitários da igualdade e da dignidade insculpidos na Carta Política brasileira de 1988.

Do mesmo modo, imaginem se os índios ainda estivessem a gozar do status de silvículas que lhes era prescrito pelo mesmo código legal acima mencionado.

Nos dois parágrafos anteriores, desejei somente dar conta de duas situações em que, mesmo tardiamente, o Direito acompanhou, com as suas normas, as evoluções sociais. E a mudança foi de cima para baixo, ou seja, do Direito Constitucional irradiando as suas normas para integrar o resto do sistema num contexto de revogação direta, de não recepção ou de declaração expressa de inconstitucionalidade pela Corte Suprema.

A realidade de um Estado nacional ainda é marcada por um facilitador extremamente sofisticado: o da soberania de Jean Bodin e de Thomas Hobbes. A partir disso, posso dizer: Brasília é a capital do Brasil; este país tem 26 estados federados, mais o Distrito Federal; somos uma federação cujos entes gozam de autonomia política, administrativa, econômica e financeira; um mineiro residente num dos 853 municípios de Minas está submetido às suas leis e autoridades municipais, assim como este mesmo indivíduo das Gerais deve obediência às normas estaduais e às suas respectivas autoridades; e o mesmo comedor de pão de queijo (por nascimento ou adoção) será súdito da Constituição da República e das normas de abrangência nacional. Por exemplo, caso este cidadão brasileiro cometa um delito em território nacional, e ocorra um flagrante, o guarda não perguntará se ele quer ser preso, nem o delegado quererá saber se ele quer ser indiciado, nem o Ministério Público lhe perguntará se poderá denunciá-lo, muito menos o Judiciário questionará a sua competência para julgá-lo e, eventualmente, condená-lo. De fato, a sofisticação deste sistema nacional vem sendo percebida e aprimorada desde a superação do Estado da Idade Média (fragmentado entre os poderes do rei, do papa e do senhor feudal) e a inauguração do Estado (nacional) Moderno soberano.

No Direito Internacional ocorre diferentemente do relatado acima. Suponham a hipótese de o Brasil cometer um ilícito internacional contra a Argentina, e que tal ilícito, em tese, seria de competência da Corte Internacional de Justiça (CIJ) (o célebre Tribunal da Haia). Lembrem que, caso se tratasse de um ilícito ocorrido em solo brasileiro, incidiriam as normas e a atuação das autoridades brasileiras, sobretudo a do Judiciário. Mas a mesma realidade não ocorre no mundo do Direito Internacional, pois este não possui o “fechamento” soberano que tem sido característica exclusiva do Estado. Portanto, naquela hipótese do ilícito do Brasil contra a Argentina, caso este país protocole contra o Brasil uma ação na CIJ, o representante desta Corte perguntará: “Brasil, você aceita a jurisdição da CIJ para o processamento e o julgamento da ação que a República Argentina aforou, nesta Corte, contra si?”. Pois, a resposta do Brasil poderá ser um simples não, isto sob a alegação de que nosso país não ratificou totalmente o Estatuto da Corte Internacional de Justiça nesta parte, e, consequentemente, não está obrigado a se submeter à sua jurisdição.

Hans Kelsen e Otto Pfersmann, filósofos do direito vocacionados à justificativa deste como (um-só) objeto cultural prescritor de condutas, ensinavam que o Direito Internacional é primitivo, que atua ainda na base do olho por olho, dente por dente à medida que, para obter juridicidade e executoriedade, necessita da concordância das partes (Rezek prefere a expressão consentimento). Neste sentido, para Kelsen, se o Estado “x” viola o tratado que mantém com o Estado “y”, cabe a este último impor as sanções que estiverem previstas no instrumento pactício ou as que achar pertinentes dentre as possíveis no Direito Internacional Geral (o costumeiro). Por isso, tem sido base do Direito Internacional aquela mesma que sustenta o Direito dos Contratos: pacta sunt servanda, expressão latina que, grosso modo, quer dizer: combinou, tem que cumprir.

É certo que o primitivismo do Direito Internacional se tem minimizado na mesma medida em que se multiplicam as organizações internacionais, órgãos em que – dependendo de seus tratados constitutivos – se conseguirá impor uma estrutura mais global – e menos nacionalista – aos seus contextos decisórios. Como exemplo de eficácia nesta seara, vejam a Organização Mundial do Comércio (OMC), e de ineficácia, as Organizações das Nações Unidas (ONU), no caso desta última certamente por conta do fato de ela ainda ser regida pela estrutura que lhe deram os vencedores da Segunda Guerra Mundial. Outro exemplo que superou até as próprias barreiras do Direito Internacional clássico foi a União Europeia e a sua característica única da supranacionalidade, a qual garante que os regulamentos, as diretivas e as decisões europeias (dos órgãos europeus) sejam superiores aos direitos domésticos dos vinte e sete países-membros da União.

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium

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