Sinais de reforma na Coreia do Norte?

31/07/2012 03:00 Atualizado: 31/07/2012 03:00

O líder norte-coreano Kim Jong-Un, acompanhado por sua esposa Ri Sol-Ju, atende a uma performance da recém-organizada banda Moranbong em Pyongyang em 6 de julho de 2012. (KNS/AFP/Getty Images)Tímida glasnost de Kim Jong-Un pode sinalizar mudança na ênfase do governo militar pelo desenvolvimento econômico

O fantasma de Deng Xiaoping pode espreitar em Pyongyang, com sinais de que o mais jovem chefe de Estado do mundo esteja tentando abalar sua nação isolada e empobrecida.

Desde a demissão repentina de seu principal líder militar, em razão de “doença”, até um show de música pop norte-americana com ícones como Mickey Mouse e Rocky Balboa e um programa inédito que permite a norte-coreanos trabalharem na China, Kim Jong-Un controla o poder ainda mais firme enquanto afrouxa restrições e diz aos oficiais para tentarem coisas novas.

Com um exército de um milhão de homens e um programa de armas nucleares, a Coreia do Norte continua a ser uma fonte de incerteza e instabilidade, com muitas perguntas sobre se Kim Jong-Un pode conduzir a República Democrática Popular da Coreia pacificamente ao século 21. Mas o exemplo dos esforços iniciais de Deng Xiaoping para modernizar e moderar uma China profundamente ideológica sugere paralelos promissores.

Alguns especialistas da Coreia do Norte não esperavam que o jovem herdeiro chegasse tão longe. Depois que Kim Jong-Il morreu em dezembro, Victor Cha, o ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional, deu à Coreia do Norte “alguns meses” antes que de seu colapso total. Afinal, a sucessão do jovem Kim foi apressada apenas em 2008, ao contrário de seu pai que foi cuidadosamente preparado por décadas antes de se tornar o líder supremo. Esperava-se que a transferência desesperada de poder de Pyongyang para o único rei comunista do mundo seria a gota d’água que, finalmente, faria o copo transbordar.

Sem tal sorte. A Coreia do Norte ainda está lá, com o jovem e inexperiente Kim no comando. Ele tem sido um líder excepcionalmente ativo, fazendo discursos políticos importantes e estimulando os cidadãos, militares, dirigentes e alunos.

Claro, seu reinado ainda está na sua infância. Mas o estilo de liderança de Kim, suas inclinações políticas e atitude pelo mundo já estão começando a entrar em foco e uma grande surpresa é que Kim parece estar caminhando no que ele descreve como uma direção “nova, criativa e empreendedora”, deslocando a bússola nacional para longe da fixação de seu pai de uma “política dos militares primeiro” em direção a uma ênfase pragmática como Deng no desenvolvimento econômico.

Um primeiro sinal de que Kim poderia governar diferente de seu pai é a simples questão de fazer um discurso. Enquanto seu pai nunca deixaria que as pessoas ouvissem sua voz, Kim Jong-Un deu um discurso televisionado em abril e depois outro em junho. Da mesma forma, Kim usou a tradição das chamadas visitas de orientação no local, que colocam o Líder Supremo em contato direto com o povo norte-coreano, para sinalizar uma nova abordagem. O estilo de seu pai nas visitas de orientação era reservado, quase dolorosamente estranho, como capturado no burlesco website ‘Kim Jong-Il olhando as coisas’ (Kimjongillookingatthings.tumblr.com).

O filho é infinitamente mais à vontade entre seus súditos. Em vez de se limitar a observação distante, ele interage de perto com as pessoas comuns. As crianças o rodeiam para fotos, os soldados jogam seus braços ao redor dele chorando de alegria e diretores idosos seguram seus braços afetuosamente num estilo coreano tradicional. Ele sorri alegremente ao longo de tudo isso, agindo reciprocamente e até mesmo iniciando intimidade física, projetando uma aura de energia e entusiasmo.

O toque humano de Kim chamou a atenção da mídia mundial depois que ele apareceu num concerto de música pop sentado ao lado de uma mulher elegante, que mais tarde se revelou ser sua esposa Ri Sol-Ju, enquanto observavam personagens da Disney dançando em frente de uma tela passando cenas do filme Rocky IV. Mais impressionante foram as minissaias pretas usadas pelos cantores da banda.

Paralelo chinês

Facilmente descartado como um epifenômeno, tais mudanças estilísticas são reminiscentes dos primeiros dias de transformação importante da China na década de 1970 e 1980. Uma mudança da imagem nacional projetada pela mídia estatal num sistema político tão altamente estilizado quanto à insinuação da Coreia do Norte de repensar fundamentalmente a governança, a economia e a política externa.

De fato, há sinais nos discursos e visitas de orientação de Kim de que a substância está mudando junto com o estilo. Numa longa conferência dada aos líderes superiores do partido em abril, Kim chamou os oficiais para tentarem novas ideias e serem menos ideológicos. “Os oficiais devem trabalhar com uma atitude criativa e empreendedora… [e] resolutamente acabar com o ponto de vista ideológico ultrapassado e método e estilo de trabalho retrógrados.” Isso foi um eco distinto do famoso discurso de dezembro de 1978 de Deng Xiaoping que lançou as reformas na China, no qual ele chamou os membros do partido para serem “pioneiros que se atrevem a pensar, explorar novos caminhos e gerar novas ideias.”

Kim seguiu seu discurso com uma visita de orientação altamente divulgada a um parque de diversões em Pyongyang, onde, claramente não satisfeito, ele repreendeu as autoridades por seu estado abandonado. Consertar o parque, Kim disse, “deve ser feito como uma ocasião de remover pontos de vista ideológicos ultrapassados da cabeça dos oficiais e acabar com seu velho estilo de trabalho.” Em seguida, Kim orientou o primeiro-ministro do gabinete e uma figura militar sênior para supervisionarem pessoalmente as renovações. O parque agora é um projeto de demonstração para a demanda de Kim de que os oficiais sejam “criativos e empreendedores”.

Criticar o estado dilapidado de um parque de diversões é apenas um dos muitos exemplos do reconhecimento de Kim de problemas domésticos, refrescantemente francos para os padrões norte-coreanos e poderia ser um presságio de uma grande mudança na filosofia do governo.

A comunidade internacional testemunhou o novo realismo da Coreia do Norte em abril, quando Pyongyang admitiu o fracasso de um lançamento de foguete. De acordo com Kim Jong-Il, os testes com foguetes de longo alcance foram declarados um sucesso total, apesar de terem ficado aquém de seus alvos. Mas desta vez, com a CNN reportando ao vivo da Praça Kim Il-Sung, Pyongyang admitiu que o lançamento tivesse falhado por razões técnicas.

O rebanho mundial da mídia correu para sua próxima história. Mas dentro da Coreia do Norte, este reconhecimento era apenas o começo de um novo espírito de reconhecer os problemas. Não é uma glasnost ainda, mas Kim falou abertamente sobre o problema alimentar da Coreia do Norte, o problema dos bens de consumo e a importância de “resolver totalmente os problemas levantados pelo desenvolvimento da economia e a melhoria do padrão de vida das pessoas”.

Kim ainda chamou a atenção para a conivência oficial em vender riquezas minerais ao primeiro comprador chinês, queixando-se num discurso sobre a administração da terra que, “Algumas pessoas estão agora tentando desenvolver os valiosos recursos subterrâneos do país de forma aleatória sobre esta ou aquela desculpa para exportá-los por uma soma não grande de divisas estrangeiras.” Nesse discurso, no final de abril, ele também levantou o problema da necessidade dos militares serem “autossustentáveis”, sugerindo cortes de gastos militares, a fim de se concentrar na “economia popular”.

Embora Kim ainda não esteja falando de “socialismo de mercado”, até agora, ele está deixando os pequenos mercados privados quietos, incentivando as zonas econômicas especiais e enviando funcionários ao exterior para viagens econômicas de aprendizagem. Além do novo programa de intercâmbio de trabalhadores que permitiria que dezenas de milhares de norte-coreanos ganhassem melhores salários na China, a política econômica mostra sinais de crescente pragmatismo, experimentalismo e transparência, marcas da épica mudança chinesa de Mao para Deng.

As implicações para a política externa deste espírito Deng-ismo nascente em Pyongyang ainda não são claras. Além disso, Seul, Washington e Pequim estão preocupados com suas próprias próximas eleições presidenciais e congressos do partido.

Enquanto a poeira da política doméstica se assenta ao longo deste ano, uma imagem mais clara emergirá se o espírito criativo e empreendedor de Kim Jong-Un puder insuflar vida nova em esforços paralisados e trazer prosperidade à Coreia do Norte e paz ao nordeste da Ásia.

John Delury é professor-assistente dos ‘Estudos da Ásia Oriental’ na ‘Escola de Graduação de Estudos Internacionais da Univeridade Yonsei’ e membro sênior do ‘Centro sobre as Relações EUA-China’ da ‘Asia Society’. Ele lecionou história da China e política na Universidade de Columbia, Brown e na Universidade de Pequim e adquiriu doutorado em história chinesa na Universidade de Yale. Com a permissão da YaleGlobal Online. Copyright © 2012, Centro Yale para o Estudo da Globalização da Universidade de Yale.