Sete princípios por trás de Assad estar no poder na Síria

18/11/2013 08:27 Atualizado: 18/11/2013 08:31

Quando Basil Assad, o filho mais velho e herdeiro do falecido presidente Hafez Assad, morreu num acidente de carro em 1994, o pai se virou para seu inexperiente filho Bashar para prepará-lo para a presidência. Enquanto Basil foi treinado em assuntos militares e políticos e no funcionamento do Estado, Bashar estudava oftalmologia na Inglaterra e mostrava pouca promessa de que abraçaria as competências operacionais do astuto pai em assuntos nacionais e externos.

Foi-me dito por altos funcionários sírios, que ainda estão em posições de poder, que o ancião Assad não queria deixar nada ao acaso. Ele reduziu sua filosofia política a sete princípios (que incutiu na mente do filho) para salvaguardar a segurança e a estabilidade do Estado e garantir a continuidade da dinastia Assad.

Primeiro, a Síria deve manter e reforçar os laços com seus aliados, destacando em particular a importância do apoio financeiro do Irã, os suprimentos militares da Rússia e o apoio político de ambos. Hafez Assad queria garantir que o Irã e a Rússia percebessem que seus interesses nacionais dependem da longevidade do presidente e da facção alauíta.

Assim, eles farão tudo a seu alcance para apoiar o regime, porque nenhum outro governo lhes permitiria exercer a mesma influência na Síria, o que explica o apoio absoluto do Irã e da Rússia a Assad.

Em segundo lugar, a Síria deve preservar seu papel entre os Estados árabes como a campeã do nacionalismo árabe, mantendo-se fiel à causa palestina, tendo um papel de liderança em assuntos árabes e obscurecendo sua própria dependência de potências estrangeiras.

Isso foi e continua sendo o mantra do Partido Baath sírio e da elite militar, acreditando que, mais cedo ou mais tarde, se recuperarão da terrível guerra civil e restabelecerão o papel central da Síria na política árabe. Isso demonstra sua confiança e resiliência em sua posição firme contra os rebeldes e o desafio a comunidade internacional.

Em terceiro lugar, a Síria não deve provocar Israel, mas deve aderir plenamente ao acordo de desengajamento de 1974 e evitar qualquer confronto militar. Caso contrário, a Síria pode muito bem sofrer uma derrota humilhante semelhante à guerra de 1973. Por outro lado, a Síria deve explorar oportunidades para a paz (como em 2000 e 2008-2009), mas nunca deve abandonar uma polegada de território sírio em troca.

Isso explica a relutância de Assad em retaliar, embora Israel tenha realizado cinco ataques apenas em 2013 a alvos sírios e comboios transportando mísseis sofisticados ao Hezbollah no Líbano.

Em quarto lugar, a Síria deve manter um papel dominante no Líbano e continuar a apoiar o Hezbollah como um canal que serve a seus interesses estratégicos. O Hezbollah deve atuar como intermediário de Damasco contra Israel e continuar sendo uma força poderosa para obrigar Jerusalém a alocar recursos significativos para proteger sua fronteira norte.

O Hezbollah deve depender da Síria para apoio político e logístico para garantir que Damasco esteja sempre em posição de influenciar sua liderança e usá-lo como um defensor ou saqueador dentro ou fora do Líbano, dependendo das circunstâncias.

Em quinto lugar, como a Síria é composta por várias facções (incluindo cristãos, curdos, sunitas, drusos, assírios, turcos e armênios), os interesses do país seriam melhor servidos jogando-se um grupo contra outro, poupando assim os alauítas no poder.

Considerando que a maioria sunita deve ser particularmente subjugada politicamente e negada posições de poder em geral, as outras facções relativamente grandes (especialmente cristãos, curdos e drusos) devem gozar de liberdade cultural para satisfazer suas necessidades e garantir seu apoio ao regime, o que explica sua falta de vontade de se juntar aos rebeldes.

Em sexto lugar, para garantir maior lealdade, o presidente deve selecionar quase toda a elite do partido, do alto comando militar, da segurança interna e dos serviços de inteligência a partir dos alauítas, pois eles podem ser convocados para sustentar a base de poder do regime. Eles devem ser presenteados com conforto material, mas devem ser sempre dependentes das boas graças do presidente.

Em sétimo lugar, enquanto o presidente deve parecer um líder “benevolente”, ele nunca deve tolerar qualquer desafio ao regime e deve esmagar qualquer revolta contra ele. O massacre de cerca de 15 mil civis na sequência de uma revolta da Irmandade Muçulmana contra o regime em Hama alertou qualquer grupo político ou clã sobre desafiar a autoridade do presidente.

Revoluções vizinhas imprevistas

O presidente Hafez Assad não antecipou a onda revolucionária que varre a região na esteira da Primavera Árabe. Sua doutrina de governo, no entanto, permaneceu a mesma, a qual Bashar Assad tem respeitado quase totalmente. Isso deveria dar aos Estados Unidos indícios suficientes para discernir como Assad governará e como ele pode reagir à evolução dos acontecimentos.

Ao assumir a presidência, Bashar Assad esteve inicialmente inclinado a instituir algumas reformas políticas. Mas ele foi parado pelas “grandes armas” de seus militares e segurança interna que se opuseram firmemente a qualquer reforma séria, argumentando que “quanto mais você der, mais elas [as pessoas] exigirão”.

Após a violenta repressão da manifestação pacífica em Daraa, Assad queria fazer algumas concessões menores para evitar mais derramamento de sangue, novamente ele foi aconselhado a não dar qualquer passo que pudesse ser interpretado como fraqueza. A repressão continuou inabalável, criando o círculo vicioso que se desdobrou na trágica guerra civil, que mudou permanentemente o futuro da Síria.

Administração dos EUA carece de compreensão

Infelizmente, a Casa Branca nunca entendeu realmente a razão de Assad permanecer no poder e ignorou sua doutrina operacional, que foi meticulosamente passada de pai para filho.

A administração dos EUA subestimou a determinação do Irã em apoiar Assad até o último soldado sírio e que a Rússia nunca abandonaria seu único aliado na região. A equipe de segurança nacional de Obama não entendeu a natureza frágil da composição sectária da população síria e que uma longa guerra civil inevitavelmente levará à desintegração do país.

Mais deprimente, a Casa Branca não conseguiu compreender que, mesmo que a remoção de Assad do poder fosse possível, isso não seria suficiente, porque o principal obstáculo é o aparato de governo, que luta por sua vida e o fará até o fim.

Além disso, a comunidade de inteligência dos EUA não conseguiu avaliar como os rebeldes (incluindo os radicais islâmicos estrangeiros) se multiplicariam como resultado do conflito prolongado, porque os Estados árabes sunitas não aceitarão qualquer solução que os prive de desempenhar um papel importante no futuro da Síria e por que a sobrevivência de Assad é fundamental para o próprio Hezbollah.

A administração Obama ainda hesita em sua busca por uma solução política evasiva em seus esforços para convocar a conferência de Genebra II, que possivelmente não ocorrerá. Os rebeldes se recusam a participar, a menos que Assad renuncie e o Irã seja excluído, e Assad considerou que a participação de seu governo está condicionada ao fim de todo o apoio externo aos rebeldes.

A ironia é que, mesmo que a conferência seja realizada, nenhuma solução poderia satisfazer todas as partes interessadas no desfecho do conflito, incluindo a variedade de grupos rebeldes que não se miram olho no olho – Irã, Arábia Saudita, Rússia, Estados Unidos, Turquia e outras nações que fazem fronteira com a Síria.

EUA detém a chave

Enquanto isso, enquanto a destruição de armas químicas está em andamento, Obama não deve agir, e o número de vítimas mortas por armas convencionais continua a crescer. Isso já ultrapassou 120 mil desde o início do conflito, com mais de 4 mil mortos por mês e milhares de crianças vítimas de desnutrição e falta de atendimento médico.

Além disso, até agora, 30% da população síria (quase 7 milhões) se tornou refugiada ou deslocada internamente, enquanto a comunidade internacional permanece ociosa em face desta calamidade que se desdobra.

Para haver a menor chance de esta terrível guerra civil na Síria acabar, o equilíbrio de forças no terreno entre os rebeldes e o governo deve mudar drástica e imediatamente, algo que só os Estados Unidos podem fazer.

Rebeldes controlados, especialmente o Exército Sírio Livre, deveriam receber as armas que precisam para recuperar o território perdido e forçar Assad a enfrentar a perspectiva de ser morto ou capturado a menos que renuncie.

A falta de liderança americana permitiu que o presidente russo Putin conquistasse o papel principal ao demonstrar sua confiabilidade como aliado, colocando a Rússia numa posição que pode muito bem determinar o futuro da Síria nos próprios termos.

A tragédia que se abateu sobre o povo sírio demonstra o horror que a falta de liderança americana pode precipitar. A administração Obama não conseguiu entender a natureza do regime de Assad e seu comportamento previsível.

Goste ou não, os Estados Unidos continuam sendo a âncora da estabilidade global e quando qualquer administração norte-americana demonstra falta de visão e estratégia para conter grandes conflitos antes que estes fiquem fora de controle, isso resulta em consequências desastrosas.

Dr. Alon Ben-Meir é professor de relações internacionais no Centro para Assuntos Globais da Universidade de Nova York – www.alonben-meir.com