Poluição que envolve cidades chinesas poderia ser uma metáfora para seu crescimento perigoso e insustentável
Um aplicativo popular em smartphones em Pequim é o Índice de Qualidade do Ar da embaixada norte-americana. Não é de admirar que até o ano passado, mesmo quando o ar na capital chinesa se assemelhava cada vez mais ao da área de fumantes de um aeroporto, sua elite dirigente se recusou a tornar públicos os níveis de qualidade do ar ou mesmo admitir o problema.
Os níveis para as perigosas partículas PM2.5, que mede aquelas de 2,5 mícrons ou menores, pequenas o suficientemente para penetrarem nos pulmões e na corrente sanguínea, são cerca de 40 vezes maiores em Pequim do que as 25 microgramas por metro cúbico consideradas aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde.
A cidade de Pequim está sufocando em seu sucesso; estar submetido a tal qualidade do ar que é equivalente a fumar dois maços por dia.
A qualidade do ar é tão ruim que o governo de Pequim encerrou temporariamente mais de 100 fábricas e ordenou muitos veículos do governo a ficarem fora das ruas. De acordo com um artigo recente do New York Times, Pequim atingiu novos recordes de poluição, “além do índice” de medida, segundo uma conta da embaixada dos EUA no Twitter. Além disso, esse tipo de poluição está aumentando em todo o Norte da China. Reclamações se tornaram virais na blogosfera chinesa e até mesmo a mídia estatal reportou a respeito.
O ar pútrido e venenoso é uma metáfora para a situação atual da China e os desafios enfrentados pelos novos líderes chineses: O modelo econômico estadocêntrico é insustentável e ultrapassa os limites da utilidade. Cidadãos chineses estão pagando um alto preço ambiental pelo desenvolvimento acelerado dos últimos 34 anos e cada vez mais questionam a legitimidade da elite política e as políticas de falta de transparência e prestação de contas.
Problemas centrais
Pequim não está sozinha. Considere que a China possui 7 das 10 cidades mais poluídas do mundo e some a isso a nova onda de urbanização na próxima geração que adicionará 350 milhões a mais à população urbana do país. Em 2025 haverá 221 cidades chinesas com um milhão ou mais de pessoas vivendo nelas e bem conectadas com smartphones. Em comparação, a Europa tem 35 cidades com 1 milhão ou mais.
A rápida urbanização da China contribui para o crescimento contínuo da demanda de energia, o que ajuda a explicar por que, apesar da grande escala de investimentos em energia nuclear, eólica e solar, 70% de sua energia ainda vem do carvão, percentual que se manteve estável nas últimas duas décadas.
A atmosfera cinzenta encapsula muitos problemas centrais que devem ser superados para manter a China na trajetória de crescimento para atender às necessidades de seus cidadãos, em particular de uma classe média crescente. Num momento raro de sinceridade, Wang Yuesi, um cientista meteorológico e membro de um grupo de trabalho do governo na redução da poluição, disse ao Financial Times que “a queima de carvão e as emissões de automóveis” interagindo com um padrão climático especial foram a causa imediata do problema. Notavelmente, Wang Yuesi acrescentou que, “Somente se a reforma do sistema político for posta na agenda, o sistema econômico e a gestão [ambiental] serão atendidos.”
O líder chinês Xi Jinping e seus colegas, que devem assumir oficialmente as rédeas do poder em março, estão todos muito conscientes da profundidade dos problemas enfrentados pela China, dos quais a poluição é tão emblemática. O modelo de crescimento chinês centrado no Estado, movido por investimento e voltado para exportações é claramente um modelo de retorno decrescente.
Esta foi a premissa de “China 2030: Construindo uma sociedade moderna, harmoniosa e criadora de alta renda”, um relatório do ano passado patrocinado pelo Banco Mundial e pela Comissão de Desenvolvimento e Reforma da China, um órgão político de liderança. O relatório “China 2030” destaca as grandes reformas necessárias se Pequim planeja se tornar “uma sociedade moderna, harmoniosa e criadora de alta renda”.
Como afirma o relatório, “Concretizar a visão da China para 2030 exigirá uma nova estratégia de desenvolvimento”, que requer o fortalecimento do estado de direito, com maior papel para os mercados privados e “aumento da concorrência na economia”. O mais importante, argumenta a estratégia, é que, “As reformas das empresas e bancos estatais ajudariam a alinhar seus arranjos de governança corporativa com as exigências e permitiriam a concorrência com o setor privado em condições de igualdade.”
A estratégia também defende uma nova orientação de “crescimento verde”, considerando a proteção ambiental e a mitigação de alterações climáticas não como fardos, mas como oportunidades de crescimento. Além do prejuízo à saúde pública, estima-se que os danos ambientais contabilizem cerca de 5% de perda anual no PIB.
Distração de curto prazo
Embora o novo líder Xi Jinping e muitos no Comitê Permanente do Politburo sejam vistos como possíveis reformadores, até agora há poucos sinais de mudança na abordagem chinesa para o desenvolvimento. A elite política chinesa é parte de uma ampla rede que abrange os dirigentes de bancos e empresas estatais.
Assim, não é surpresa que as principais empresas estatais de petróleo da China tenham pressionado contra a exigência de padrões mais eficientes de combustível, mesmo que o número de automóveis em Pequim tenha saltado de 3 milhões em 2008 para mais de 5 milhões em 2012.
Este é um dilema para os líderes chineses, que sabem que devem realizar reformas de longo alcance que terão impacto significante na corrupção endêmica e nos privilégios que acompanham a filiação ao Partido Comunista e os empregos públicos, que beneficiam enormemente o escalão superior da China. Mas os líderes parecem um tanto perplexos quanto ao modo de implementar novas políticas específicas, navegando entre grupos de interesses concorrentes. Em vez disso, os esforços recentes para manter o crescimento econômico na faixa de 7-8% envolveram mais gastos de estímulo, com os bancos estatais afunilando o renminbi (yuan) para a indústria estatal chinesa.
Com o tempo, esse tipo de comportamento só fará o crescimento e a reforma ainda mais difícil. Estes dilemas internos podem ajudar a explicar a assertiva de Pequim, suas ações nacionalistas sobre ilhotas disputadas com o Japão no Mar do Leste da China e com as Filipinas, Vietnã e Malásia no Mar do Sul da China. As disputas marítimas podem ser uma distração popular de curto prazo, mas não aliviarão as pressões por mudança.
No entanto, no fim do dia, a legitimidade do regime do Partido Comunista Chinês tem se baseado no desempenho econômico. E mais de três décadas de crescimento econômico com dois dígitos têm sido parte de um contrato social de sucesso. Mas o preço do crescimento acelerado tem sido enorme dano ambiental, desigualdade crescente e um modelo de desenvolvimento exausto. Diante dos 400 milhões de usuários da internet, do crescente acesso a smartphones e dos onipresentes websites de mídia social e blogues, Pequim enfrenta uma crise de credibilidade e transparência diariamente.
Em certo sentido, a China e os Estados Unidos enfrentam desafios algo similares. O relatório “China 2030” poderia representar a versão de Pequim do relatório bipartidário da Comissão Simpson-Bowles, nomeado pelo presidente Barack Obama e que propôs em 2010 uma ampla gama de políticas de orçamento, impostos e reformas que foram recebidas com silêncio sepulcral, tanto pela administração Obama quanto pelo Congresso republicano. Ambas as potências compreendem os desafios que as aguardam, mas parece extremamente difícil contemplar e muito menos implementar passos reais necessários.
Suspeita-se que mais cedo ou mais tarde Pequim e Washington provavelmente tomarão medidas de reforma gradualmente numa abordagem fragmentada. O ex-líder chinês Deng Xiaoping, já falecido, descreveu sua abordagem para a reforma como “atravessar o rio sentindo as pedras”. Essa abordagem pragmática deveria ser seguida por seus sucessores, mas se eles podem fazer isso e manter a engrenagem econômica da China girando suficientemente e, obviamente, sem piorar a respiração, é outra questão.
Robert A. Manning é membro sênior do ‘Centro Brent Scowcroft para Segurança Internacional e sua Iniciativa Prospectiva Estratégica’ do Conselho do Atlântico. Com a permissão de YaleGlobal Online. Copyright © 2013, Centro Yale para o Estudo da Globalização da Universidade de Yale.
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