Sequestro e extorsão na China são cortesias da Secretaria de Planejamento Familiar

03/01/2015 16:09 Atualizado: 03/01/2015 17:14

Desde o final da década de 1980, as autoridades de planejamento familiar da China recolheram centenas de bilhões de dólares em multas da população, mas ninguém sabe exatamente para onde vai o dinheiro.

Na verdade, há preocupações de que vastas somas foram desviadas e o restante foi usado simplesmente para sustentar a excessiva burocracia que impõe as políticas de planejamento familiar.

Recentemente, esse problema foi ilustrado vividamente quando Zhang Yongling, uma mãe de 39 anos, e seu bebê de 10 meses foram resgatados pela polícia depois de detidos ilegalmente por cinco dias num hotel próximo a uma agência local da Secretaria de Planejamento Familiar – o órgão do regime chinês que aplica as políticas rigorosas de controle populacional da China. O incidente ocorreu no município de Tuanlin, cidade de Linxi, província de Shandong, Leste da China.

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Zhang foi detida porque não podia pagar uma pesada taxa que a autorizaria a dar à luz a seu terceiro filho, segundo a mídia estatal. As regras de controle populacional limitam a maioria dos casais na China a ter apenas uma criança.

Um vídeo da polícia resgatando quatro pessoas detidas, entre elas a mãe e o bebê, tem circulado na internet chinesa na nas últimas semanas. “Obrigado! Obrigado!”, dizia Zhang em lágrimas quando viu a polícia e outros conterrâneos. “Eles me exigiram 140 mil yuanes.”

Isso é mais de US$ 22 mil. A multa é uma soma enorme na China rural, onde a renda anual per capita é inferior a US$ 1.500, segundo a Secretaria Nacional de Estatísticas da China. Essas multas exorbitantes – o que muitos chamam de extorsão – é um problema comum no âmbito da política do filho único.

Os pesquisadores Stuart Basten e Quanbao Jiang escreveram num relatório de 2014 do Population Council que “as multas e taxas pode levar a uma forte tentação de corrupção e/ou aplicação zelosa” das políticas.

O caixa gerado por essas políticas é enorme – algumas estimativas calculam mais de 2 trilhões de yuanes (US$ 314 bilhões), segundo He Yafu, um proeminente crítico chinês – e não há explicação pública e transparente para onde foi ou continua indo o dinheiro.

Basten e Jiang referem-se ao trabalho de um pesquisador que “identificou casos em algumas cidades onde mais da metade da administração local é empregada pelo programa de planejamento familiar, e observou uma tendência acentuada e crescente tanto na amplitude como no valor das taxas”. Ou seja, os governos locais têm, em alguns casos, financiado seus custos operacionais por meio da imposição de taxas, e depois aumentam a cobrança para extrair mais dinheiro dos pais e familiares.

Muitas pessoas na China têm pedido o fim da evasão das multas por ter filhos. Os demógrafos chineses Huang Wenzheng e Liang Jianzhang publicaram um artigo em 27 de novembro propondo o fim das taxas de manutenção sociais e o congelamento das taxas já cobradas.

No dia seguinte, outros seis representantes do Congresso Popular Nacional, o legislativo-carimbo do Partido Comunista Chinês (PCC), propuseram que o governo abolisse as taxas de manutenção social.

Essas preocupações surgem num momento em que uma diminuição da população da China pode tornar as condições econômicas particularmente difíceis nos próximos 5-10 anos, enquanto a população em idade ativa deverá despencar.

O assunto tem sido ignorado devido à inércia burocrática – é muito mais fácil configurar um aparato como o órgão de planejamento familiar do que desfazê-lo.

Para Zhang Yongling e seu marido Liu Tao, as esperanças são de que as rigorosas políticas de controle populacional acabem mais cedo ou mais tarde.

Os dois têm sido perseguidos por oficiais do planejamento familiar desde que tiveram seu terceiro filho, o que resultou no eventual sequestro e resgate. Eles foram entrevistados amplamente pela mídia chinesa e o público mostrou-se furioso e indignado com o tratamento.

Wang Xiufeng, um oficial do planejamento familiar que participou da detenção, foi contatado pela mídia chinesa. Ele disse que não tinha nada a ver com a ordem de detenção, que foi decidida e encaminhada pela “mais alta liderança”. Ele era apenas o motorista.

Quando um repórter tentou alcançar esses níveis mais altos da liderança da Secretaria de Planejamento Familiar, um membro da equipe respondeu que “todos os líderes estão em viagens de negócios”.

Em cerca de 30 anos de aplicação da política do filho único na China, segundo estatísticas oficiais, o regime comunista chinês já realizou mais de 300 milhões de abortos forçados.