Sequestrados, espancados, degolados: Jornalistas viveram perigosamente em 2014

11/01/2015 20:37 Atualizado: 11/01/2015 20:51

Duas organizações internacionais líderes no monitoramento da liberdade e segurança dos jornalistas publicaram seus relatórios anuais sobre a violência e os sequestros que tiveram jornalistas como alvos, especialmente no Oriente Médio. Simplesmente por fazerem seu trabalho, jornalistas foram detidos, mantidos como reféns ou degolados.

Os Repórteres Sem Fronteiras (RSF) rastreiam jornalistas mortos no exercício da profissão. Em 2014, houve 66, elevando para 720 o total da última década. Além disso, 19 jornalistas-cidadãos e 11 trabalhadores da mídia foram mortos em 2014.

Embora o número de mortos este ano seja 7% menor do que 2013, a natureza da violência contra jornalistas mudou. Em 2014, “ameaças e degolações cuidadosamente encenadas” foram utilizadas para propósitos especiais.

“Raramente jornalistas foram assassinados com um senso tão bárbaro de propaganda, chocando o mundo inteiro”, afirmou o relatório de 2014 dos RSF. Exposto a ameaças crescentes, muitos jornalistas fugiram para o exílio em 2014, o dobro do número de 2013.

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O relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), publicado em 23 de dezembro, afirmou que pelo menos 60 jornalistas foram mortos e identificou cada um e as circunstâncias da morte. O CPJ provavelmente adicionará mais alguns a sua contagem enquanto ainda investiga os casos de pelo menos mais 18 jornalistas mortos em 2014, para determinar quais dessas mortes foram relacionadas com o trabalho.

O CPJ relatou: “Mais de 40% dos jornalistas mortos em 2014 foram alvo de assassinato. Cerca de 31% dos jornalistas assassinados relataram ter recebido primeiramente ameaças.”

Mais comum do que o assassinato é ser ameaçado ou agredido fisicamente por manifestantes ou policiais, segundo os RSF. Por exemplo, “na China, o Partido Comunista não hesitou em usar bandidos à paisana para impedir os jornalistas de reportarem sobre manifestações”, afirmou o relatório.

O CPJ e os RSF podem chegar a resultados ligeiramente diferentes por uma série de razões. Na Síria, onde quase um quarto das mortes ocorreu, as áreas que o Estado Islâmico controla são perigosas e restritas. A pedido da família da vítima, os casos geralmente não são divulgados. Por conseguinte, é mais difícil saber o número exato de jornalistas mortos ou mantidos em cativeiro na Síria.

Além disso, o CPJ utiliza uma definição mais ampla de jornalista, que inclui “jornalistas oficiais, freelances, fotojornalistas, blogueiros e jornalistas-cidadãos”, enquanto os RSF separam a contagem entre jornalistas profissionais e jornalistas-cidadãos.

O jornalista americano Steven Sotloff (no centro com capacete preto) fala com rebeldes líbios na linha de frente em Al Dafniya, oeste de Misrata, Líbia, em 2 de junho de 2011 (Etienne de Malglaive/Getty Images)
O jornalista americano Steven Sotloff (no centro com capacete preto) fala com rebeldes líbios na linha de frente em Al Dafniya, oeste de Misrata, Líbia, em 2 de junho de 2011 (Etienne de Malglaive/Getty Images)

Síria, o lugar mais perigoso

Ambos os relatórios concordam que o país com o maior número de mortes de jornalistas foi a Síria, devastada pela guerra, com 15 (RSF) ou 17 (CPJ) vítimas. Outros países com elevado número de mortes de jornalistas foram: Palestina, Ucrânia, Iraque e Líbia. Estes cinco países “mais letais”, todos envolvidos em conflitos armados, constituem a maioria das mortes conhecidas de jornalistas em 2014.

“A Síria tem sido o país mais perigoso do mundo para jornalistas por mais de dois anos”, disse o CPJ. Pelo menos 70 jornalistas foram mortos cobrindo o conflito na Síria e perto da fronteira com o Líbano e a Turquia. A maior parte dessas mortes – mais de três quartos – resultaram de fogo cruzado ou circunstâncias de combate. No entanto, alguns “jornalistas também foram diretamente visados por todos os lados do conflito.”

O CPJ deu um exemplo da Síria de dois correspondentes e um cinegrafista da estação de TV opositora Orient News. Eles foram mortos em 8 de dezembro, quando cobriam os confrontos numa vila na província de Deraa. Seu carro foi atingido por um míssil guiado disparado por forças do governo. Seu carro era facilmente identificável como sendo da mídia porque carregava uma antena parabólica de quase 2 metros de largura. Com base em pesquisas do CPJ sobre o regime Assad, o CPJ atribuiu o ataque como uma tentativa de silenciar as notícias sobre a guerra.

A maioria de nós está familiarizada com as mortes trágicas em algum lugar na Síria dos jornalistas americanos freelance James Foley, degolado em 19 de agosto, e Steven Sotloff, degolado em 2 de setembro. Foley foi sequestrado em novembro de 2012.

Repórteres ou fotógrafos não podem trabalhar em territórios controlados pelo Estado Islâmico no Iraque e na Síria, a menos que jurem fidelidade ao califado. “Os jornalistas são acompanhados de perto e frequentemente perseguidos, sequestrados e mortos”, afirmou o relatório dos RSF.

Não apenas na Síria os repórteres são visados. Numa região no Noroeste da Colômbia (Departamento de Antioquia), os RSF afirmam que “grupos paramilitares criminosos semeiam o terror… regularmente circulam listas de alvos com os nomes dos jornalistas destinados à eliminação. Os repórteres são ameaçados, atacados e assassinados com quase total impunidade.”

Em 20 de julho, Khaled Reyadh Hamad, um cinegrafista e fotógrafo palestino, foi morto em Gaza, Israel, durante a batalha feroz que vitimou 60 palestinos e 13 soldados israelenses. Hamad trabalhava num filme para documentar os perigos que os médicos palestinos enfrentam. Ele estava numa ambulância quando foi atingido pelo fogo de artilharia das forças israelenses. Um porta-voz da Força de Defesa de Israel disse que eles não atacam jornalistas.

Peter Gresle (à esquerda), um jornalista australiano do canal de notícias Al-Jazeera, e dois colegas, o egípcio-canadense Mohamed Fadel Fahmy (centro), e o egípcio Baher Mohamed, escutam o veredito numa gaiola dos réus, durante seu julgamento por supostamente apoiarem a Irmandade Muçulmana, em 23 de junho de 2014, no Cairo, Egito. O tribunal egípcio condenou os três jornalistas da Al-Jazeera a sentenças de prisão de 7 a 10 anos por acusações de ajudarem a banida Irmandade (Khaled Desouki/AFP/Getty Images)
Peter Gresle (à esquerda), um jornalista australiano do canal de notícias Al-Jazeera, e dois colegas, o egípcio-canadense Mohamed Fadel Fahmy (centro), e o egípcio Baher Mohamed, escutam o veredito numa gaiola dos réus, durante seu julgamento por supostamente apoiarem a Irmandade Muçulmana, em 23 de junho de 2014, no Cairo, Egito. O tribunal egípcio condenou os três jornalistas da Al-Jazeera a sentenças de prisão de 7 a 10 anos por acusações de ajudarem a banida Irmandade (Khaled Desouki/AFP/Getty Images)

Aumento dos sequestros

O número de sequestros de jornalistas profissionais subiu para 119, o que representa um aumento de 37% em relação ao ano passado, segundo os RSF. Os quatro países onde quase todos os sequestros ocorreram são: Ucrânia (33), Líbia (29), Síria (27) e Iraque (20).

Em todo o mundo, 40 jornalistas ou jornalistas-cidadãos estão atualmente sendo mantidos como reféns. Jornalistas locais são principalmente visados e constituem 90% de todos os sequestros.

O CPJ relatou que, desde que as hostilidades começaram na Síria, mais de 80 jornalistas foram sequestrados, um número que não tem precedentes nos longos registros do CPJ.

Jornalistas presos

O RSF afirma que, em todo o mundo, 178 jornalistas profissionais estão atualmente na prisão e coincidentemente um número igual de jornalistas-cidadãos também está encarcerado. Cinco países, liderados pela China, com 29 jornalistas profissionais presos, seguida pela Eritreia (28), Irã (19), Egito (16) e Síria (13), constituem 59% do total.

O relatório do CPJ identifica 44 jornalistas presos na China. O CPJ também constatou que a China prendeu pelo menos 78 jornalistas-cidadãos.

A lista de jornalistas presos do CPJ totaliza 220, mas, como dito anteriormente, suas definições diferem das dos RSF.

O mundo está bem consciente do erro judiciário e das acusações absurdas no Egito este ano. Os espectadores do Al-Jazeera ouvem pedidos várias vezes ao dia pela libertação de três de seus jornalistas, Peter Greste, Mohamed Fahmy e Baher Mohamed, que foram condenados em junho por um tribunal egípcio a 7 anos (Greste e Fahmy) e 10 anos (Mohamed). Eles são acusados de terem ajudado a Irmandade Muçulmana e reportado notícias falsas.

Segundo os RSF, pelo menos 853 jornalistas profissionais foram presos em 2014, um problema que perturba seus trabalhos. Na Ucrânia, os jornalistas são detidos e levados por forças governamentais e por rebeldes separatistas que operam postos de controle. Algumas horas depois, eles são geralmente liberados sem qualquer explicação.

Um quarto das prisões ocorreu em cinco países: Ucrânia (47), Egito (46), Irã (46), Nepal (46) e Venezuela (34).

Fundada como uma organização sem fins lucrativos em 1985 na França, os Repórteres Sem Fronteiras ganharam reconhecimento internacional pelo trabalho que fazem na prestação de assistência a jornalistas que trabalham em zonas perigosas. Eles têm status consultivo nas Nações Unidas e na UNESCO, segundo seu website.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas foi fundado em 1981 por um grupo de correspondentes norte-americanos. “O CPJ promove a liberdade de imprensa em todo o mundo e defende o direito dos jornalistas de relatarem as notícias sem medo de represálias”, segundo sua declaração de missão. O CPJ documenta casos, publica relatórios e fornece apoio moral e material quando jornalistas são “censurados, perseguidos, ameaçados, presos, sequestrados ou mortos por seu trabalho”.

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