Sem terra não há cultura

18/07/2012 19:36 Atualizado: 06/08/2013 15:46

Guardando a terra ancestral: nativos Mapuche montados a cavalo guardam as suas terras na aldeia de Temucuicui, em Temuco, Chile, em novembro 2009. Os Mapuche lutam pelos seus direitos pelas terras ancestrais que sentem ser a sua identidade. (Martin BernettiAFP/Getty Images)A nação Mapuche na América do Sul está marginalizada por políticas rígidas e ineficazes

Para o povo Mapuche, a perda de terra significa perda de identidade e sem identidade a vida não tem significado.

A terra é essencial para o desenvolvimento da cultura Mapuche, a terra contém as sepulturas dos seus antecessores e é onde as suas celebrações religiosas tomam lugar.

“Nós damos priridade à terra e só depois às pessoas. ‘Mapu’ é terra, e depois ‘che’, pessoa. Para nós a terra é a nossa mãe”, foi o que explicou Mapuche lonko (chefe) Juana Calfunao aos membros do Parlamento Europeu em Bruxelas em março de 2011.

A história de cidade de Juana, assim como várias cidades indígenas na América Latina, é uma história de perda de terra, genocídio e devastação cultural, que continua a arruinar as vidas dos nativos.

A comunidade Juan Paillalef tem sido uma vítima sistemática de perseguição por parte do governo chileno. Lonka Calfunao relatou ao Parlamento sobre como as autoridades chilenas e industriais têm tentado apoderar-se da sua terra.

“O estado chileno e as companhias florestais já incendiaram a minha casa quatro vezes. Não temos casa onde viver”, disse Lonka.”Depois de incendiarem a minha casa, as companhias florestais quiseram roubar a minha terra ilegalmente e o exército veio com tanques e 300 policias. O meu filho e eu, a pé, defendemos a comunidade contra o ataque de helicópteros.

Opressão estatal

Os Mapuche são nativos da região da América do Sul onde eram reconhecidos como uma nação autônoma pela Espanha em 1641 depois de terem tido sucesso em derrotar os conquistadores Espanhóis na sua terra. Contudo, no final do século XIX, os Mapuche foram vítimas de campanhas de extermínio executadas pelos exércitos argentino e chileno contra as populações nativas que viviam na região da Patagônia.

Nestas campanhas militares, líderes nativos e soldados foram mortos, e comunidades foram escravizadas e suas mulheres forçadas à servidão e prostituição.

Os governos confiscaram as terras dos Mapuche e entregaram-nas para o desenvolvimento das estruturas econômicas.

Contudo, no papel, o Chile parece disposto a proteger os direitos dos indígenas. Mesmo tendo assinado inúmeros documentos tais como: Convênio Internacional sobre Direitos e Liberdades Civis, o Convênio Econômico Internacional, Social, e Direitos Culturais, a carta OAS, a carta da Convenção Americana dos Direitos Humanos e Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, ainda existe uma grande disparidade na prática entre estes direitos e proteção à realidade dos Mapuche.

Em 2003 em um relatório sobre os Mapuche, a Federação Internacional de Direitos Humanos afirmou “Existe ainda um desequilíbro entre a proteção legal dos direitos indígenas durante o primeiro período democrático no Chile e o atual desenvolvimento das políticas públicas que tratam os assuntos indígenas por parte do governo chileno.

O povo Mapuche, que se aproxima de uma população de um milhão, está ainda sujeito a discriminação ética.

Lutas contra as multinacionais

Além da discriminação institucional, os recentes esforços dos Mapuche para recuperar a sua terra nativa trouxe-lhes conflito com as companhias multinacionais que querem acessar os recursos naturais da terra.

Um intelectual Mapuche e diretor de História na Universidade Sorbonne de Paris, Arauco Chihualaf, afirmou junto do parlamento Europeu que os recursos naturais são a fonte primária de conflito entre os Mapuche e as corporações multinacionais

“O avanço da economia globalizada governada por companhias multinacionais que exploram recursos básicos, tais como minas, agricultura e água, geram conflitos porque muitas destas riquezas se encontram em terras indígenas”, diz Chihualaf.

Na região sul do Chile, Chihualaf diz que a indústria florestal que está ligada a grupos de capital estrangeiro luta com os Mapuche pelos recursos terrestres.

Na Patagônia Argentina, a comunidade Mapuche de Santa Rosa Leleque está em conflito com o Grupo Benetton de vestuário internacional que reclama 500 hectares de terra ocupados pela comunidade de Santa Rosa. Um dos maiores proprietários de terras na Argentina, a família Italiana Benetton, é proprietária de cerca de 1 milhão de hectares localizadas ao sul do país.

Enquanto a maior companhia de eletricidade do Chile, a Endensa, construiu a barragem hidroelétrica Ralco, águas submergiram a terra Mapuche, provocando a perda das terras para a população Mapuche.

Chihualaf disse que os povos nativos não se opõem ao desenvolvimento, pois isso é um meio de criação de empregos para eles. Mas os nativos defendem práticas de desenvolvimento justas. Os indígenas “rejeitam desenvolvimento desequilibrado que exacerba a pobreza na população indígena comparada com a prosperidade dos multinacionais.

Ele acrescentou que o povo nativo rejeita “ocupação abusiva de terras, realojamento, destruição ambiental, preços exorbitantes de produtos tais como água, ameaças e abuso das suas organizações e líderes”.

Violência institucionalizada contra crianças

Os Mapuche são vítimas de abuso por parte das autoridades chilenas. Crianças e adolescentes Mapuche que vivem nas comunidades e se mobilizam para recuperar as suas terras ancestrais são feridas por armas de chumbos, bombas de gás lacrimogêneo, são torturadas e interrogadas ilegalmente nas escolas. Os jovens Mapuche recebem também ameaças de morte e vivem com medo de sequestros, segundo o relatório ‘Mapushe Ombudsman Claudia Molina’ apresentado em janeiro 2010, diante da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.

A violência do governo do Chile contra as crianças Mapuche foi também condenada em abril de 2011 pela Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos em Washington DC.

Envolvimento Europeu

Sob um acordo entre a União Européia (U.E.) e o Chile, os investimentos Europeus estão providenciando 16 milhões de euros ao Chile para coesão social desde 2007 até o ano que vem.

Um membro do parlamento da Catalunha, Oriol Junqueras, disse em uma conferência em Bruxelas que a entidade mais importante no mercado mundial, a U.E. tem poder de negociação significativo junto de líderes internacionais e o Chile, e que “na medida em que a U.E. é capaz de reconciliar acordos comerciais com os direitos das pessoas, estaremos muito mais perto do nosso objetivo de oportunidades mais justas e equilibradas.

O diretor de programa ‘France-Libertés Fondation Danielle Mitterrand’, Tapia Olavarria Rodrigue, disse que um passo que a U.E. necessita tomar é parar de implementar políticas que causam que outros países desenvolvam sistemas insustentáveis de extração natural de recursos que ameaçam o ambiente e o modo de vida e os direitos fundamentais dos povos indígenas.