Se a China espirra, o mundo pegará resfriado?

25/09/2012 09:02 Atualizado: 25/09/2012 09:02
Crescimento lento poderia ajudar a economia chinesa, mas prejudicaria a mineração, a cadeia de suprimentos e os investidores
Um trabalhador diante de um caminhão maciço num projeto de minério de ferro da Citic Pacific Mining na região de Pilbara, Austrália Ocidental, em 5 de março de 2010. (Amy Coopes/AFP/Getty Images)

Nos últimos três anos, houve uma notável transformação nas percepções globais sobre a sustentabilidade do crescimento chinês. Como a Europa vacilou e os Estados Unidos combateram um mercado imobiliário com excessiva sobreoferta, a China conseguiu navegar por difíceis condições econômicas globais e aparentemente evitou as dificuldades que envolveram grande parte do Ocidente.

Em 2010, o mundo estava convencido de que o crescimento econômico chinês salvaria o mundo. A China cresceu para se tornar a segundo maior economia do mundo e muitos extrapolaram esta tendência para o dia em que a economia chinesa seria maior do que a dos Estados Unidos. Poucos questionaram essa crença e os investidores rechearam seus portfólios com ativos que se sairiam bem num mundo de crescimento chinês contínuo e forte.

A sustentabilidade das altas taxas de crescimento da China agora está sendo questionadas e com razão. O crescimento do PIB foi de 7,6% no trimestre mais recente, o sexto trimestre consecutivo de desaceleração do crescimento. Hoje, as mais altas autoridades chinesas regularmente comentam sobre medidas para apoiar o crescimento contínuo.

Taxas de juros de referência foram cortadas em junho e julho e apesar dos mercados imobiliários terem demonstrado recentemente alguma resiliência, os preços continuam, em média, abaixo dos níveis do ano passado e os estoques estão visivelmente altos. Relatórios recentes de lucros de multinacionais continuam a confirmar os dados oficiais: a China está desacelerando, com implicações significativas.

Consequências

O boom do investimento de crédito está terminando, com graves consequências para a cadeia de suprimento da China. Objetivamente falando, a China simplesmente construiu muita coisa e, enquanto eventualmente isso será necessário, os shoppings, edifícios e infraestrutura estão atualmente vazios, poder-se-ia incluir cidades inteiras nesta lista, então, a demanda por matérias-primas usada para construi-las despencará.

Tendo em conta que cerca de 75% do crescimento do PIB chinês veio do investimento de capital, a produção de menos coisas na China tem o potencial de reduzir as taxas de crescimento a um único dígito mediano ou menos.

Embora a lista de vítimas possa ser muito longa, três dos investimentos favoritos de Wall Street parecem particularmente vulneráveis; outras duas vítimas esperadas podem tropeçar sem muita dor.

Como resultado do boom da construção, a China tem tido uma influência dominante no mercado de produtos industriais. A magnitude da demanda chinesa em determinados commodities industriais é notável: mais de 60% da demanda global por cimento e minério de ferro e mais de 40% do aço e alumínio em 2011.

Inspirado por um forte crescimento na demanda por seus produtos ao longo dos últimos anos, muitas empresas de mineração embarcaram em projetos de expansão de vários anos com um pressuposto subjacente de crescimento contínuo na demanda chinesa.

A redução da demanda chinesa combinada com a oferta expandida baixará os preços. Considere o minério de ferro, vendido por 50 dólares por tonelada em 2007. Em 2011, ele foi negociado por US$ 200 por tonelada em certo momento e recentemente foi citado em US$ 110 por tonelada.

Se o crescimento da construção estourar, a demanda por minério de ferro, insumo fundamental na produção de aço, certamente despencará. O minério de ferro pode revisitar o preço de US$ 50 por tonelada, se não menor. Em geral, no entanto, é concebível que a Índia e outros mercados emergentes possam preencher a folga de capacidade, do que são fundamentalmente recursos escassos, em longo prazo, mais de 5 anos.

A Austrália, em particular, está na mira de uma desaceleração nos gastos de investimento chinês, pois é uma grande fornecedora de commodities industriais chave, como bauxita, alumina, ouro, minério de ferro, chumbo, zinco, urânio, alumínio, carvão e muito mais.

Anos de forte crescimento da China também têm levado a um fluxo contínuo de imigrantes que participam do negócio de mineração em franca expansão, resultando em pressões inflacionárias nos mercados de trabalho e de habitação. Muitas das minas australianas têm se expandido para atender a uma expectativa de crescimento contínuo na demanda chinesa.

O risco de fraqueza de commodities infectando o sistema financeiro bancário e habitacional da Austrália é bastante elevado, porque a maioria das hipotecas é mantida nos livros dos bancos.

Os investidores devem ter cautela ao investir em ativos australianos, sejam ações, dívidas ou mesmo dólar australiano. Como uma opção de relativo alto rendimento num mundo de baixo rendimento, a dívida soberana australiana se beneficiou das fortes entradas de capitais famintos por rendimento. Um dígito único médio de rendimento, suficientemente atraente até à data, pode não parecer adequado em face do declínio da moeda excedendo o rendimento.

Desaceleração global

Uma desaceleração material na China afetará outros mercados emergentes, apesar de argumentos sobre dissociação. Mesmo que uma pessoa acredite que as economias reais dos mercados emergentes têm se dissociado devido aos condutores do consumo interno, é claro que os mercados financeiros continuam interligados. (Embora na China, por exemplo, o consumo represente cerca de um terço do PIB, contra mais de 50% na Índia e na Coreia.)

De fato, o surgimento de fundos negociados em bolsa e outros produtos de investimento têm criado a maior interligação financeira já havida.

Além disso, o simples fato de que a Índia, China, Rússia, Tailândia e outros países em desenvolvimento são agrupados numa classe única de ativos conhecida como “mercados emergentes” os conecta via gerentes de portfólio que os veem como interligados.

Se a Rússia fosse cair 20%, por exemplo, e todos os outros mercados estivessem planos, gestores de mercados emergentes julgar-se-iam sobrevalorizando mercados não-russos. Venda indiscriminada se seguiria enquanto gestores se reequilibrassem, gerando o contágio financeiro que todos procuravam desesperadamente evitar.

Além disso, aproximadamente 25% do lucro do S&P 500 é diretamente derivado dos mercados emergentes, com uma grande quantidade (talvez em torno de 20%) vindo indiretamente de mercados emergentes. Infelizmente, isso significa que as empresas multinacionais podem descobrir em breve que os ganhos são mais difíceis de crescerem do que se esperava anteriormente.

Embora não seja impossível, parece improvável que o mundo esteja prestes a descer numa espiral de dívida-deflação de várias décadas. Algumas áreas podem não ser tão vulneráveis.

Paradoxalmente, a China provavelmente não será uma vítima grave de uma desaceleração maciça nos gastos de investimento. A estabilidade social está no topo da mente dos líderes chineses, particularmente porque o país passa por uma transição da liderança.

As autoridades dedicarão todos os recursos a sua disposição para impedir a agitação social que possa surgir de um crescimento mais lento da economia. E mesmo que o PIB do país cresça cerca de 3 a 5% ao ano durante a próxima década, esse é um crescimento impressionante que resultará numa classe média significativamente maior: O consumo como porcentagem do PIB está destinado a crescer, criando vencedores entre os destroços e colocando a economia chinesa sobre uma fundação mais resistente.

Diversas commodities não são tão afetadas pelo fator China como as commodities industriais, commodities agrícolas e de energia, especificamente. As classes médias da Índia e da China estão crescendo rapidamente, mesmo que as taxas do PIB nesses países diminuam e acompanhando este crescimento está a demanda por proteína animal e combustíveis de transporte.

Famílias, acostumadas a adicionarem um pouco de frango ou porco em cima de seu arroz para o jantar, não são susceptíveis de reduzi-lo apenas a arroz. Da mesma forma, o choque de demanda de energia está crescendo enquanto indivíduos passam de andar de bicicleta para ciclomotores, motocicletas e carros. Tais tendências de demanda não são susceptíveis de reverter. Assim, o mundo pode antecipar preços mais elevados de alimentos e commodities de combustível para o futuro previsível.

No ano passado, a maioria dos analistas esperava que a economia chinesa eclipsaria a economia dos EUA em 10 anos. A combinação de uma rápida desaceleração chinesa e um renascimento dos EUA impulsionado pela agricultura e gás natural estadunidense, ou seja, comida e combustível, pode na verdade adiar esta data por anos, se não décadas, fazendo talvez a credibilidade dos analistas a mais visível das vítimas.

Vikram Mansharamani é professor da Universidade Yale e autor de “Boombustology: Spotting Financial Bubbles Before They Burst”. Com a permissão de YaleGlobal Online. Copyright 2012, Centro Yale para o Estudo da Globalização da Universidade Yale.

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