Saúde pública da Venezuela é outro retrato do caos que vive o país

29/05/2014 15:29 Atualizado: 29/05/2014 15:38

Segurando um cartaz com os dizeres “¡no sólo las balas matan, la falta de medicinas también!”, em frente a um hospital público de Caracas, na capital da Venezuela,  uma cirurgiã ainda na casa dos 30, brandava:

– Não temos gaze, não temos luvas, não temos analgésicos, antibióticos e nem antissépticos. Não existem escovas cirúrgicas, muito menos drenos.

Não era novidade. As informações oficiais do Banco Central desde o final de março decretavam que ao menos metade dos medicamentos simplesmente sumiram dos estoques de todo país, como num toque de recolher econômico. De acordo com a organização Médicos pela Saúde, nos últimos 6 meses a falta de insumos e de profissionais para operar equipamentos no setor de cardiologia dos hospitais públicos venezuelanos já havia causado a morte de 235 pacientes. Isso mesmo: mais de duas centenas de vidas assassinadas pela imprudência econômica do socialismo.

Graças à falta de reagentes para exames de hepatite B e C e HIV, laboratórios passaram a não aceitar mais amostras de sangue após as 9 da manhã. Além disso, virou uma constante a falta de macas e cadeiras de rodas nas salas de cirurgia dos hospitais. Os funcionários rotineiramente improvisam o transporte dos pacientes em tábuas de madeira. Nas palavras do médico Douglas Leon Natera, presidente da Federación Médica Venezolana, cerca de 95% dos hospitais do país têm apenas 5% dos móveis necessários para seu pleno funcionamento porque “o governo não se preocupou em equipá-los”. Douglas é também vice-presidente da Confederación Médica Latinoamericana y del Caribe e no ano passado declarou que era absurda a decisão do governo brasileiro de importar médicos cubanos.

“Na Venezuela, o ex-presidente Hugo Chávez trouxe em torno de 30 mil cubanos para o país, que diziam que eram médicos. Pelo que observamos, no entanto, eles não eram médicos, não tinham experiência nem conhecimento para atuarem como médicos. Nas pastas que trouxeram de Cuba, eles carregavam apenas cartas dos governos de Cuba e da Venezuela e um papel sem valor de título universitário”, revelou.

O governo venezuelano alega haver atualmente o dobro dos médicos cubanos vindos em 2003, ou seja, algo próximo dos 30 mil. São incontáveis, porém, os números daqueles que teriam fugido para outros países ou que continuam na Venezuela empregados em empresas privadas. Segundo o presidente da Solidaridad sin Frontera, Julio César Alfonso, apenas em 2013 mais de 3 mil médicos cubanos em atividade na Venezuela fugiram para os Estados Unidos. Até o final do ano passado mais de 8 mil médicos cubanos já haviam realizado essa peregrinação à América, 98% oriundos da Venezuela.

“A maioria dos cubanos saiu por causa dos baixos ordenados que recebem, do pagamento que não é feito em dia e do aumento da carga de serviço nos módulos do plano chavista ‘Barrio Adentro’ por todo o país, e muitos denunciam um sistema de escravidão moderno”, revelou Alfonso.

Em 2010, 7 médicos e um enfermeiro, todos cubanos, processaram  Cuba, Venezuela e PDVSA – a petroleira estatal venezuelana – por obrigarem-nos a trabalhar em condições de “escravos modernos”, como pagamento pela dívida cubana com a Venezuela por fornecimento de petróleo. O advogado Leonardo Arístides Cantón argumentou que as duas nações colocaram pessoas inocentes e livres sob condições de trabalho forçado, cativeiro e servidão por dívida, uma “versão moderna de escravidão”, numa conspiração sem precedentes na história contemporânea. Segundo o presidente da Solidaridad sin Frontera, cada médico cubano na Venezuela recebe menos de 10% do ordenado nominal que o país entrega ao Estado cubano. Os médicos também são obrigados a apresentar registros inflacionados dos números de pacientes atendidos – falsificando nomes e doenças – ”para Cuba apresentar relatórios positivos ao Estado venezuelano”.

Segundo Douglas Leon Natera, dos 6 mil módulos de assistência médica construídos pelos cubanos na Venezuela a partir de 2003, apenas 20% seguem em funcionamento. E não houve melhora na saúde. Como apontam indicadores da saúde materno-infantil, em 1998, o país registrava 51 mães falecidas para cada 100 mil crianças nascidas; em 2010, o número subiu para 69,3. Até 1998, a mortalidade infantil era de 13 bebês para cada mil nascidos vivos; hoje, é de 15,1.

A atual situação é deplorável. Cerca de 14 mil médicos venezuelanos – 55% dos clínicos de todo o país – abandonaram o setor hospitalar nos últimos anos e mais de 7 mil foram para outros países. De cada mil materiais médicos, 194 estavam em absoluta falta nos estoques em março, e 90 produtos estavam em situação crítica. E o que já era grave conseguiu piorar. Dos 300 hospitais que existem na Venezuela atualmente, 97% tem apenas entre 3% e 5% dos insumos necessários para o funcionamento. Segundo a diretora do Sindicato dos Trabalhadores do Ministério da Saúde, Irene González, além da falta de insumos, as unidades públicas sofrem com a falta de anestesia, de desinfetante e de alimentos para pacientes. Não bastasse, há mais de 320 mil pacientes nesse exato momento esperando por uma cirurgia no país.

Com a crise do racionamento de água no país, diversos hospitais estão suspendendo suas cirurgias. Em alguns deles, a falta de água está levando enfermeiras a lavarem as mãos com soro para atender os pacientes, o que provoca ainda mais desperdício dos poucos insumos disponíveis. Segundo Giovanni Provence, do Hospital Vargas, três pacientes já foram hospitalizados com suspeita de osteomielite, uma infecção grave causada por má higiene na hora de esterilizar materiais como pregos e parafusos que são usados nos procedimentos cirúrgicos ortopédicos. Vale lembrar que o racionamento em Caracas deixa parte dos seus 6 milhões de habitantes sem acesso à água por até três dias por semana. A oposição acusa o governo de não ter construído nenhum reservatório de água durante os 15 anos de chavismo. Maduro acusa o secretário de estado americano, John Kerry, de incentivar protestos que estariam desestabilizando o país.

Nos muros de Caracas é possível ler a propaganda governista anunciando: “con la revolución, la salud avanza”. Mas a verdade é que o “socialismo do século 21″ – slogan inventado pelo alemão Heinz Dieterich, adotado por Chávez – trouxe apenas escassez de produtos básicos e sofrimento para milhões de venezuelanos, absolutamente envoltos na miséria estatal enquanto deitam num dos maiores abrigos de petróleo do mundo.

A saúde na Venezuela respira por aparelhos; que o “socialismo do século 21″ siga o mesmo caminho.

Liberzone