A sangrenta política dinástica na Coreia do Norte

18/12/2013 14:20 Atualizado: 18/12/2013 16:52

No dia 9 de dezembro, a mídia estatal oficial da Coreia do Norte confirmou que a segunda figura mais poderosa do país, Jang Song Thaek, foi deposto e transmitiu a cena chocante de Jang sendo levado da reunião do Comitê Central do Politburo do Partido dos Trabalhadores da Coreia, presidido por Kim Jong-Un, em 8 de dezembro. Jang foi executado no dia 13 de dezembro.

Esta batalha dentro da corte de uma dinastia hereditária, o derramamento de sangue e uma luta de poder implacável no regime comunista norte-coreano mais uma vez perturbam o mundo.

Entre as 20 acusações contra Jang Song Thaek, “anti-Partido e contrarrevolucionários” foram as principais. Em regimes totalitários, como China e Coreia do Norte, estes são sinônimos de “rebelião e usurpação do poder e da suprema liderança do Partido”.

Outras acusações, incluindo corrupção, jogo e ter relações sexuais ilícitas com mulheres, eram apenas pretextos. Essas coisas são bastante comuns, tanto entre autoridades chinesas como norte-coreanas.

A luta interna palaciana na Coreia do Norte é uma réplica em escala reduzida das lutas de poder na liderança do Partido Comunista Chinês (PCC) durante a Revolução Cultural. No entanto, a cena chocante de Jang sendo levado do tribunal certamente deixou os funcionários de alto escalão do PCC em Pequim bastante apreensivos. Eles devem ter suado frio.

Confiança e desconfiança

Jang Song Thaek era conhecido como o homem mais poderoso em Pyongyang e membro da facção pró-China continental. Nos dois anos anteriores a morte de Kim Jong-Il, Jang acompanhou Kim Jong-Il em visitas à China continental várias vezes. Depois que Kim Jong-Il faleceu, Jang também liderou uma delegação em visita à China continental.

Além disso, enquanto responsável pelas relações econômicas e comerciais com a China continental, Jang tentou introduzir o “modelo chinês” na Coreia do Norte para realizar reformas econômicas, estabelecendo zonas econômicas especiais. Ele estava no processo de implementar uma série de projetos de investimento chineses.

Um crime do qual Kim Jong-Un acusou Jang foi de “vender barato os recursos nacionais”. Essa acusação era claramente destinada à China, porque a China é a maior compradora de minerais norte-coreanos.

Pequim confiava em Jang Song Thaek e o considerava como um elo na aliança entre a China e a República Popular Democrática da Coreia (RPDC).

Em contraste, Pequim desconfia do novo e jovem governante norte-coreano Kim Jong-Un. Depois das explosões da terceira série de testes nucleares da Coreia do Norte em fevereiro, Pequim participou duas vezes em resoluções das Nações Unidas (ONU) condenando o regime de Kim Jong-Un.

Kim Jong-Un respondeu por meio da mídia oficial da Coreia do Norte, criticando o PCC como “um fantoche dos Estados Unidos”. Depois que Kim Jong-Un e o líder chinês Xi Jinping assumiram o poder, a relação entre a China e a Coreia do Norte se tornou obviamente tensa.

Resoluto e implacável

Logo após a Coreia do Norte divulgar a notícia de que Jang Song Thaek poderia cair, mais de 3 mil soldados do 39º Batalhão do Exército da Libertação Popular (ELP) da China, sob a insinuação de treinamento, foram urgentemente deslocados para a Montanha Baekdu, na fronteira Coreia Norte-China. A China visava a monitorar a situação política norte-coreana e estar pronta para intervir a qualquer momento.

Mas Kim Jong-Un não obedeceu às ordens de Pequim e é muito provável que os líderes chineses tenham conspirado com Jang Song Thaek para derrubar Kim Jong-Un com um golpe de Estado e substituí-lo por Kim Jong-Nam.

Kim Jong-Nam, o filho mais velho de Kim Jong-Il, está atualmente retido em Macau, no Sul da China, e é resguardado pelo PCC. Kim Jong-Nam criticou severamente Kim Jong-Un em público várias vezes, obviamente seguindo as orientações dadas por Pequim. Se Kim Jong-Nam fosse entronado, Pyongyang se tornaria um regime fantoche sob as ordens de Pequim.

Para a surpresa de Pequim, o aparentemente inexperiente Kim Jong-Un agiu preventivamente e tomou medidas extraordinárias para derrubar Jang Song Thaek, esmagando qualquer complô de Pequim. O que se espera dele em seguida é um expurgo em massa dos asseclas de Jang, assim como seu avô Kim Il-Sung fez em seus dias.

Seu avô realizou um expurgo em massa da “facção de Yan’an” no Partido Comunista da RPDC, minando a dominação da China sobre a Coreia do Norte e solidificando seu poder. Na verdade, os empresários norte-coreanos na China – supostamente comparsas de Jang – foram convocados de volta à Coreia do Norte.

Ao divulgar publicamente imagens de Jang Song Thaek sendo levado, Kim Jong-Un não apenas alertou seus adversários políticos no Partido nacional, mas também em Pequim, mostrando que é ele que está no poder. Ele deu um aviso claro a Pequim que pare de fantasiar.

Tal como seu avô Kim Il-Sung e seu pai Kim Jong-Il, Kim Jong-Un enviou uma mensagem que, para os adversários políticos no Partido nacional e nas forças chinesas, ele é resoluto e implacável.

Pequim também não quer que Kim Jong-Um persiga e elimine os asseclas de Jang Song Thaek, porque essas pessoas são forças pró-Pequim que Pequim tem nutrido meticulosamente ao longo de muitos anos. Em qualquer caso, com a queda de Jang Song Thaek, a relação China-RPDC esfriará ainda mais. A chamada aliança (o último aliado formal do PCC) se tornará mais um nome vazio.

Luta familiar

Como Jang Song Thaek é cunhado de Kim Jong-Il e tio de Kim Jong-Un, o conflito palaciano não é tanto uma luta pelo poder no Partido Comunista, mas mais uma luta de poder na família Kim. Kim Jong-Un ganhou apenas por estreita margem. A luta poderia facilmente ter se desdobrado diferentemente e o futuro da Coreia do Norte teria tomado outro rumo.

Como membro da família Kim e muito astuto, Jang Song Thaek tem sido uma figura poderosa no regime do partido comunista norte-coreano. Em dezembro de 2011, o moribundo Kim Jong-Il repentinamente promoveu Jang Song Thaek a general e deixou um testamento conferindo-lhe os títulos de “ministro-assistente” e “regente-real”, para que pudesse ajudar Kim Jong-Un a herdar o trono.

No entanto, alguém em posições tão elevadas e com tanto poder pode desenvolver neuroses e ambições de realeza. Dramas palacianos têm ocorrido desta maneira desde os tempos antigos: o jovem Kim Jong-Um de 30 anos derrubando Jang Song Thaek de 67 é como uma cena da Dinastia Qing da China quando o Imperador Kangxi de 14 anos derrubou o poderoso ministro Ao Bai de 58.

Porque hoje o momento e o contexto são diferentes, nacional e internacionalmente, Kim Jung-Un não será o mesmo que o Imperador Kangxi, que governou a China estavelmente por um longo tempo após o incidente. Internamente, as forças de Jang Song Thaek podem contra-atacar; externamente, Pequim pode continuar a se intrometer.

Mais importante, se Kim Jong-Un não se reformar, não abandonar o mal pelo bem e continuar a resistir às tendências civilizatórias mundiais, então seu destino final não será necessariamente melhor que o de Jang Song Thaek.

Chen Pokong é um dissidente chinês e comentarista político que vive nos Estados Unidos e um veterano do movimento democrático de 1989. Ele fugiu para os Estados Unidos após passar cinco anos na prisão na China

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