O que acontece quando se coloca pessoas normais para simular uma prisão, dividindo-os metade em prisioneiros, metade em guardas?
Em 1971, o psicólogo Philip Zimbardo tentou responder essa questão, realizando o que se tornaria um dos mais famosos experimentos de psicologia social do século passado: o experimento de encarceramento de Stanford. Sua equipe contratou 18 estudantes, os dividiu aleatoriamente entre prisioneiros e guardas, e criou uma prisão simulada para encarcerá-los. Pretendia-se que o experimento durasse por 20 dias. No entanto, não levou mais de cinco dias para que o experimento tivesse de ser abortado por sair totalmente de controle.
Rapidamente os guardas começaram a abusar da sua autoridade. Faziam contagens repetidas dos prisioneiros e obrigavam os que não cooperavam de acordo com o previsto a fazer flexões. Em resposta, os presos se rebelaram, mas foram logo dominados pelos guardas, que passaram a tratá-los ainda mais duramente, obrigando-os a evacuarem em baldes dentro de suas celas, a limparem vasos sanitários com as próprias mãos, e a ficarem nus enquanto tinham seus rostos cobertos.
O experimento pretendia ver qual seria o comportamento de pessoas normais em um ambiente com rigorosa hierarquia de poder como a prisão. Acabou servindo de laboratório para ilustrar aquilo que toda uma tradição intelectual já havia atestado a partir do mundo real, e que ficou melhor sumarizado na máxima de Lord Acton: o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente.
Um milênio e meio antes de Acton, outro pensador já havia investigado como que a vontade de poder do homem corrompe a sociedade. Agostinho entendia a natural falibilidade do homem e entendia haver uma predisposição natural para abusarmos do nosso poder, a libido dominandi: nossa ânsia de impor nossas preferências sobre o resto do mundo.
Agostinho acreditava na necessidade do governo para restringir a libido dominandi. O que o experimento de Stanford mostra, entretanto, é que uma estrutura de poder monopolística e bem definida como uma prisão pode corromper ainda mais o homem, em vez de amenizar seu desejo de dominação.
A ideia de estado como mal necessário precisa ser confrontada com a ideia de estado como necessitador do mal: essa corrupção hierárquica em uma estrutura rigorosa de poder depende da corrupção individual.
Daí a importância de estruturas de poder externas ao estado, como famílias, igrejas, empresas, imprensa e associações civis. Todas elas competem e limitam o poder do estado. Por isso há a tendência de governos autoritários de destruí-las (comunismo) ou de absorvê-las (fascismo).
Apesar de não vivermos em sociades de autoritarismo extremo, as tendências do estado de se aliar ou combater outras estruturas de poder continua real. Empresas aliadas do governo conseguem financiamento para seus projetos, veículos de mídia recebem patrocínio estatal, e a classe média é seduzida pelas ofertas de cargos públicos de forma mais organizada, mas não muito diferente das ofertas salarias que Mubarak fez ao funcionalismo público antes da sua queda.
Próximo do final do experimento, os prisioneiros já não mais se rebelavam. Pelo contrário, tentavam dissuadir qualquer manifestação de descontentamento. Preferiam a tranquilidade da opressão previsível à incerteza da punição contra a rebeldia. A maioria da humanidade encara passivamente a violação dos seus direitos. Os momentos de exceção são aqueles em que, como vemos hoje, o poder político é desafiado e, com alguma sorte, derrotado.
Quando acreditamos que mudaremos essencialmente o governo com a eleição de pessoas boas, estamos nos enganando. O que precisa mudar é a estrutura de poder ou, sendo mais precisos, os incentivos gerados por essa estrutura.
Em vão combatem os que se opõem à corrupção dos políticos por meio da indignação. Nunca verdadeiramente alteraremos o comportamento do topo da pirâmide política sem que haja modificações institucionais.
Para nossa sorte, não vivemos em cadeias. Nem nas pequenas comunidades agrárias que viriam a tomar conta da Europa depois da morte de Agostinho. A história do poder no ocidente levou a uma maior inclusão da participação popular nas decisões políticas. É possível influenciar as políticas públicas, e realizar reformas políticas e econômicas dissipadoras de poder.
Diogo Costa é professor de relações internacionais no Ibmec-MG e presidente do Instituto Ordem Livre
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