A sabedoria de um bom terapeuta

10/11/2014 01:00 Atualizado: 16/11/2014 02:19

Desde a antiguidade sempre foram mencionadas e reconhecidas as qualidades que um bom terapeuta deve possuir a fim de proporcionar um atendimento que permita a compreensão da natureza da doença, o estabelecimento da afinidade entre terapeuta e paciente e a correta aplicação da técnica para que a atuação seja positiva e virtuosa.

Segundo os clássicos da medicina chinesa, o terapeuta deve ser cauteloso como quem atravessa um rio no inverno, prudente como se tivesse perigos por todos os lados, indiferente como se fosse um estranho, débil como gelo que começa a derreter-se, puro como jade, adaptável como a água e vazio como um vale.

Essa cautela não deve ser vista como algo que impeça a ação, mas recomenda um espírito de alerta e atenção que não permite ver a situação de forma displicente e leviana. A indiferença como qualidade não revela frieza e distanciamento, antes exorta a manter um certo distanciamento emocional para que se possa compreender a natureza da afecção, preservando a racionalidade. “Indiferença como se fosse um estranho…” exorta a sermos impoarciais e sem julgamentos, para que possamos ter uma visão limpa, pura e abrangente do paciente e de seus processos.

A prudência é a regra de ouro: a precipitação frente ao paciente quase sempre conduz ao fracasso terapêutico. A máxima “A soberba precede a ruína” não é verdadeira apenas no campo da filosofia e do comportamento humano, mas também serve de referência para todos os que buscam genuinamente trilhar o caminho da restauração da saúde de forma holística.

Alguns terapeutas, em certos momentos, tendem à confiança excessiva devido ao tempo de prática que possuem, perdendo com isso a prudência. Como tudo é mutável, a situação mais simples pode complicar-se e a mais complicada tornar-se simples. É necessária a prudência, pois desconhecemos muitos dos mecanismos que regem a estrutura da doença e a condição do enfermo.

A fragilidade do terapeuta, que remete ao gelo derretendo-se, não indica falta de força ou de confiança, mas uma forma de amoldar-se ao paciente, para continuamente estar compreendendo os mecanismos que o adoecem e o próprio processo do adoecimento. “O débil vence o forte”: esse amoldamento ante o paciente é uma atitude de reconhecimento de uma estrutura que está enferma; assim a debilidade aparente se transforma em poder, não pela força, mas pelo conhecimento.

A pureza do terapeuta não é algo que possa ser definido. É a capacidade de compreender que embora todos sejam humanos, as diferenças entre cada ser podem ser maiores que a distância entre o céu e a terra. Os diferentes meios sociais onde cada pessoa se desenvolve, os hábitos e noções que adquirem precisam ser compreendidos, pois na maioria dos processos de adoecimento percebemos que a pessoa deixou de ajustar-se aos seus valores, objetivos, ideais, perspectivas, sonhos, e nesse processo o terapeuta deve esvaziar-se de si, pois também é um ser que carrega sua própria bagagem, para que dessa forma possa verdadeiramente compreender a realidade que está diante de si.

Adaptáveis como a água: o terapeuta não pode forçar o caminho do paciente de acordo com sua visão, deve auxiliá-lo a ver a questão de forma mais abrangente para que ele possa fazer escolhas mais conscientes, mas nunca forçá-lo, como, por exemplo,  a não fumar ou não beber por que faz mal… Antes, deve lhe explicar porque bebe, porque fuma e porque está enfermo. A água também remete à transparência: o terapeuta deve ser sincero e transparente em suas intenções e ações.

‘Vazios como o vale’: Lao-Tsé quando cita o vazio do vale, pode exemplificar um lugar preenchido com qualquer coisa, um local onde se reúnem todas as experiências. Nos vales a natureza é mais generosa, a vida se desenvolve em abundância. O terapeuta deve possuir um “vale vazio” dentro de si para que possa receber as influências do paciente; se estiver cheio não pode deixar germinar suas percepções do paciente, não pode sentir essas influências.

O Tao Te Ching diz: “Quem conhece os homens é erudito. Quem conhece a si mesmo é iluminado. Quem vence os homens tem força. Quem vence a si mesmo é realmente forte…”

Pacientes “eruditos”

Alguns pacientes chegam já com diagnóstico feito: “tenho pneumonia”, “tenho tendinite”, tenho enxaqueca”. Já vêm com a mentalidade de eruditos, sabem tudo sobre suas doenças, já pesquisaram sites na web sobre suas enfermidades, já realizaram exames e consultaram-se com os melhores especialistas.

Nesse complicado processo, se o terapeuta conhecer os mecanismos do adoecimento e houver meios de realizar os procedimentos terapêuticos, se portará também como erudito e isso também pode produzir bons resultados, mas não cura o paciente. Porém, se o terapeuta der um salto através de níveis de energia, colocará o paciente ante a realidade para que conheça a si mesmo, sobretudo que interprete porque está adoecendo. A história oculta da enfermidade somente a possui o próprio paciente: se realmente o terapeuta quer conduzi-lo à sua libertação, deve auxiliá-lo para que realize essa viagem, perguntando, observando, sugerindo, permitindo ao paciente que se torne um sábio e deixe de ser apenas um erudito.

Ninguém adoece por mecanismos externos. Estes somente invadem o organismo porque a pessoa não está suficientemente forte. Li Hongzhi, em seu livro Zhuan Falun, disse que cada ser humano possui um campo de matéria-energia que é chamado de “virtude”. Pesquisas com fotografia Kirlian mostram a relação de nossos campos bioenergéticos com nosso estado de saúde e também com nosso estado psíquico. Dessa forma, estados mentais positivos, virtuosos, contribuem para a expansão da aura ou campo energético, fortalecendo naturalmente a imunidade do corpo contra qualquer elemento externo. O Neijing, cânone de medicina chinesa, diz: “O homem que tem seu psiquismo em equilíbrio e harmonia não poderá ser atacado por nenhuma enfermidade”.

O paciente quer lidar com as situações superficialmente: “se meus sintomas desapareceram, não é mais necessário tratamento”; “se ficar acima do peso, faço dieta”; “se tiver insônia, tomo chá calmante ou um antidepressivo”. Esse modo de pensar, essa cultura, está contaminando as pessoas com pensamentos e conceitos incorretos, que vão se tornando senso comum e sendo passados adiante para as novas gerações. Não se pode esperar que uma dieta de 3 semanas por ano reduza o peso e melhore definitivamente a condição de saúde de uma pessoa: mas as pessoas já se “contaminaram” com essas dietas milagrosas e com todo esse modo superficial de entender suas doenças e desequilíbrios e recuperar a saúde.

Quando o paciente se tornar um sábio em relação a si mesmo, a atuação do terapeuta terá sido completamente eficaz. Creio ser esse o maior desafio para todos os que atuam nessa área.

————–

Isaac Padilha Guimarães Júnior é fisioterapeuta, especialista em acupuntura e professor titular do Instituto Brasileiro de Acupuntura e Moxabustão de Porto Alegre (Ibrampa)