Rússia obriga empresas tecnológicas a armazenar dados pessoais no país

15/07/2014 08:00 Atualizado: 14/07/2014 22:27

Ao aprovar uma lei que obriga todas as empresas tecnológicas a armazenar as informações pessoais dos utilizadores dentro do país, o parlamento russo pôs uma boa parte do mundo a discutir: será este o princípio do fim da Internet livre? O Presidente Vladimir Putin acenou com a justificativa de que assim se evitarão ataques hackers e todos os dados estarão protegidos, mas vozes críticas logo se levantaram para acusar a iniciativa de “censura” e “controle”.

A lei agora aprovada pela Rússia determina que a partir de setembro de 2016 todos os gigantes tecnológicos terão de transferir os dados dos cidadãos russos para servidores instalados no país. Caso contrário, ameaça o Kremlin, as suas páginas serão bloqueadas.

Depois de Putin ter dito que a internet era “um projeto da CIA”, e as três grandes empresas tecnológicas – Google, Facebook e Twitter – terem estado debaixo do fogo regulador russo devido à suposta falta de cooperação no bloqueio de determinados conteúdos considerados ilegais pelas autoridades de Moscou, os especialistas desconfiaram, temendo que a regra aproxime a Rússia de países como a China ou o Irã, onde alguns conteúdos na net chegam a ser bloqueados. A dúvida está instalada: o objetivo da Rússia é proteger os dados pessoais dos cidadãos ou controlá-los?

Os especialistas têm dúvidas de que a instalação de servidores na Rússia impeça ataques hackers ou a circulação da informação pelo mundo. O plano russo “conseguirá vedar, mas não conseguirá que os dados fiquem estanques no país”, explica o ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas e Defesa Jorge Silva Carvalho, que entende que a lei está mais próxima de uma lógica de controle social e menos de prevenção de um ataque eletrônico.

A plataforma web, onde funcionam o Google ou o Facebook, tem sede nos Estados Unidos. Por isso, mesmo que cada um destes sites crie centros de armazenamento de dados na Rússia, a informação continuará a circular. Logo, se a intenção de Putin for proteger os dados de países alheios, a sua guerra poderá estar perdida. Se o Facebook tivesse um servidor em Portugal, por exemplo, nunca as fotos e posts de cada um dos utilizadores ficariam barrados aos utilizadores do Brasil ou da África do Sul.

A Rússia pode impor algumas regras, mas nunca conseguirá controlar tudo porque quem tem os meios tem mais informação. A alternativa seria a Rússia desenvolver uma rede de Internet sediada no país. Mas mesmo essa, dizem os especialistas, poderia ser alvo de invasão por parte de hackers.

A vantagem estará nas informações que as autoridades passariam a ter ao seu dispor, sem precisarem de um mandado para exigir dados aos gigantes tecnológicos e sem arriscarem ficar sem resposta, devido às diferenças das leis de país para país.

As revelações de Edward Snowden sobre a espionagem americana aceleraram a discussão em torno da proteção de dados. As notícias levaram Viviane Reding, vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela área da Justiça, a querer negociar com os Estados Unidos um acordo para assegurar a proteção de dados pessoais de europeus obtidos através de plataformas web. Entre outras propostas, a vice-presidente pretende impedir que os dados pessoais de cidadãos da UE saiam do espaço europeu e obtenham o direito de acionar processos judiciais nos Estados Unidos quando houver uma utilização danosa dos seus dados pessoais. O objetivo é difícil de concretizar. Reding sublinhou há uns meses que, para que tal acontecesse, os Estados Unidos teriam de alterar a Constituição.

A vice-presidente da Comissão Europeia diz acreditar que a Europa é o continente do mundo mais bem protegido. E afirma que será ainda mais quando a nova diretiva de proteção de dados pessoais ficar pronta, presumivelmente em 2015. Entre outras coisas, prevê o direito ao esquecimento (entretanto também reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia), uma linguagem clara e transparente sempre que é pedido consentimento para uso de dados e a portabilidade dos mesmos. À semelhança do que acontece com as operadoras de celulares, os utilizadores poderão pedir a passagem dos seus dados pessoais de uma empresa para outra.

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