Rousseau, DeTocqueville, e William Bouguereau

23/01/2013 17:24 Atualizado: 06/08/2013 14:58
‘Petite Mendiante’ (A pequena mendiga), William Bouguereau, oléo sobre tela, 1880, da coleção de M.S. Rau Antiques (artrenewal.org)

Artistas vitorianos formados pelo pensamento iluminista

Na terceira parte desta introdução temática no encontro ‘Oil painters of América’ (Pintores à óleo da América) em 2006, o colecionador e historiador de arte Fred Ross aborda o tema dos artistas vitorianos e como estes encaravam as realidades do seu mundo.

Viveram em um período de grandes mudanças culturais… Era uma época em que os elementos que compunham o seu mundo competiam infinitamente com os elementos de um mundo que ainda estava por vir.

E enquanto nós podemos olhar para trás de uma perspectiva de segurança e ver essas mudanças históricas com relativa clareza e compreensão, não devemos esquecer que nem sempre foi assim. Não era totalmente claro para os artistas, escritores, e população onde é que o severo ou delicado vento da história levaria: a justiça, a igualdade perante a lei, as eleições por voto popular, a proteção dos direitos humanos, a obrigação do governo e da sociedade para identificar, organizar e proteger esses direitos, a liberdade de imprensa permitindo e garantindo a divulgação ao público, o debate e resolução de inúmeras injustiças originárias ou interligadas com as restantes instituições ainda repletas de seguidores das regras e governantes antigos que lutavam para manter o seu anterior poder.

Permitam-me citar “Democracia na América”, de Alexis de Tocqueville escrito em 1835-1840, em que ele afirma: “A sociedade do mundo moderno, que tenho procurado delinear, e que busco julgar, acabou de tomar exitência. O tempo ainda não moldou a sua forma perfeita. A grande revolução pela qual ela foi criada ainda não acabou e em meio as ocorrências de nosso tempo, é quase impossível discernir o que deixou de existir por causa dela, e o que vai sobreviver quando estiver completa.

“O mundo que surge ainda está meio encoberto pelos restos do velho mundo que definha decadente e, em meio à vasta perplexidade de assuntos humanos, ninguém pode dizer quantas instituições e costumes antigos permanecerão, ou como poderão desaparecer completamente. “

Não estava claro onde acabaríamos, mas estava claro o que era preciso para as pessoas organizarem as suas vidas de forma segura, e clareza foi o essencial para um povo livre e seguro ser capaz de construir uma civilização adequada à cultura e artes.

Por isso, foram os primeiros escritores e artistas do “primeiro” século da liberdade – o século XIX – que receberam o dever e responsabilidade de organizar, codificar, popularizar, e proteger os sistemas, leis e instituições da sociedade democratizada , o que garantiria a perpetuação da liberdade… um modo de vida recente no mundo do homem.

A forma como eles cumpririam esses deveres, certamente impactaria e afetaria as gerações futuras, talvez, até os séculos vindouros.

Jean-Jacques Rousseau anunciou inicialmente na sua obra de referência, “O Contrato Social”, “que o homem nasce livre mas em toda a parte está acorrentado…”.

Ao contrário de Marx, a obra de Rousseau focava num dos conceitos mais essenciais, que separava o mundo ocidental do “medievalismo”, e protegia as pessoas de serem vulneráveis aos caprichos de um déspota, filósofo, ou rei, todos eles apenas respondendo perante as suas próprias sensibilidades, validados e legitimados pelo “direito divino”.

O mundo ocidental passou de um mundo cheio de decretos do soberano a um mundo governado por Estados soberanos. Termos como a “vontade geral” e “contrato social” e “governo do, pelo e para o povo” foram disseminados por todo o mundo recém-livre.

Por exemplo, em seu “Discurso sobre a Origem da Desigualdade”, Rousseau terminou este grande ensaio histórico abordando as injustiças diárias na França daquela época: “Uma vez que é claramente contrário às leis da natureza… que os poucos privilegiados se empanturrem com superficialidades enquanto a multidão faminta está, em falta das necessidades básicas da vida”.

Ele atacou uma sociedade indiferente e observou “como a pobreza pode depravar e degradar os homens e mulheres, originalmente bom.”

Essas ideias revolucionárias tornaram-se conceitos cujos significados e compreensão cada vez mais se incorporaram nas classes cultas e ricas, e daí para os trabalhadores dos campos e trabalhadores nas fábricas e estaleiros, os quais usufruíam dos benefícios das sociedades recentemente livres e democráticas desde as suas origens no século XVIII até sua assimilação no século XIX e implementação no século XX.

Começou lentamente, onde apenas proprietários podiam votar na Constituição original dos EUA, e aos poucos, foi se apliando..

Quando o século XX terminava de lidar com duas guerras mundiais, a Grande Depressão e inúmeros outros horrores, vimos a evolução de uma econômica, baseada na agricultura, para uma economia industrializada, a abolição da monarquia, as mulheres votantes, abolição da escravidão, o trabalho infantil proibido, movimentos trabalhistas estabelecidos, e inúmeras novas instituições espalhando esses direitos e liberdades recém-descobertas em praticamente todos os cantos da civilização ocidental.

Os direitos de enfrentar seu acusador e contra-interrogar testemunhas, a pedra fundamental do devido processo legal, veio com uma lei comum que protegeu e defendeu cada centímetro desses direitos humanos recém-descobertos.

Apesar de ser possível escrever uma dúzia de discursos sobre este tema, se você ler as seminais obras do Iluminismo de Locke, Hobbes, Mill e Tocqueville, a mentalidade e atmosfera cultural ficarão claras, preparando o palco para a maneira na qual nos sentimos livres para viver, trabalhar, e pensar hoje em dia.

Ainda que eu tenha passado muito tempo escrevendo sobre muitas das ideias nucleares e avanços do Iluminismo, a razão é precisamente por estas ideias e conceitos serem cruciais para a compreensão do contexto em que os artistas do século XIX viveram.

Eles estavam, de fato, abordando precisamente o coração do pensamento iluminista.

Fred Ross é presidente e fundador do Art Renewal Center (Centro de Renovação da Arte – ARC). Ele possui mestrado em Arte e Educação pela Universidade de Columbia, é um educador de artes, professor, colecionador, escritor, artista e historiador da arte do século XIX.

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