Artistas vitorianos formados pelo pensamento iluminista
Na terceira parte desta introdução temática no encontro ‘Oil painters of América’ (Pintores à óleo da América) em 2006, o colecionador e historiador de arte Fred Ross aborda o tema dos artistas vitorianos e como estes encaravam as realidades do seu mundo.
Viveram em um período de grandes mudanças culturais… Era uma época em que os elementos que compunham o seu mundo competiam infinitamente com os elementos de um mundo que ainda estava por vir.
E enquanto nós podemos olhar para trás de uma perspectiva de segurança e ver essas mudanças históricas com relativa clareza e compreensão, não devemos esquecer que nem sempre foi assim. Não era totalmente claro para os artistas, escritores, e população onde é que o severo ou delicado vento da história levaria: a justiça, a igualdade perante a lei, as eleições por voto popular, a proteção dos direitos humanos, a obrigação do governo e da sociedade para identificar, organizar e proteger esses direitos, a liberdade de imprensa permitindo e garantindo a divulgação ao público, o debate e resolução de inúmeras injustiças originárias ou interligadas com as restantes instituições ainda repletas de seguidores das regras e governantes antigos que lutavam para manter o seu anterior poder.
Permitam-me citar “Democracia na América”, de Alexis de Tocqueville escrito em 1835-1840, em que ele afirma: “A sociedade do mundo moderno, que tenho procurado delinear, e que busco julgar, acabou de tomar exitência. O tempo ainda não moldou a sua forma perfeita. A grande revolução pela qual ela foi criada ainda não acabou e em meio as ocorrências de nosso tempo, é quase impossível discernir o que deixou de existir por causa dela, e o que vai sobreviver quando estiver completa.
“O mundo que surge ainda está meio encoberto pelos restos do velho mundo que definha decadente e, em meio à vasta perplexidade de assuntos humanos, ninguém pode dizer quantas instituições e costumes antigos permanecerão, ou como poderão desaparecer completamente. “
Não estava claro onde acabaríamos, mas estava claro o que era preciso para as pessoas organizarem as suas vidas de forma segura, e clareza foi o essencial para um povo livre e seguro ser capaz de construir uma civilização adequada à cultura e artes.
Por isso, foram os primeiros escritores e artistas do “primeiro” século da liberdade – o século XIX – que receberam o dever e responsabilidade de organizar, codificar, popularizar, e proteger os sistemas, leis e instituições da sociedade democratizada , o que garantiria a perpetuação da liberdade… um modo de vida recente no mundo do homem.
A forma como eles cumpririam esses deveres, certamente impactaria e afetaria as gerações futuras, talvez, até os séculos vindouros.
Jean-Jacques Rousseau anunciou inicialmente na sua obra de referência, “O Contrato Social”, “que o homem nasce livre mas em toda a parte está acorrentado…”.
Ao contrário de Marx, a obra de Rousseau focava num dos conceitos mais essenciais, que separava o mundo ocidental do “medievalismo”, e protegia as pessoas de serem vulneráveis aos caprichos de um déspota, filósofo, ou rei, todos eles apenas respondendo perante as suas próprias sensibilidades, validados e legitimados pelo “direito divino”.
O mundo ocidental passou de um mundo cheio de decretos do soberano a um mundo governado por Estados soberanos. Termos como a “vontade geral” e “contrato social” e “governo do, pelo e para o povo” foram disseminados por todo o mundo recém-livre.
Por exemplo, em seu “Discurso sobre a Origem da Desigualdade”, Rousseau terminou este grande ensaio histórico abordando as injustiças diárias na França daquela época: “Uma vez que é claramente contrário às leis da natureza… que os poucos privilegiados se empanturrem com superficialidades enquanto a multidão faminta está, em falta das necessidades básicas da vida”.
Ele atacou uma sociedade indiferente e observou “como a pobreza pode depravar e degradar os homens e mulheres, originalmente bom.”
Essas ideias revolucionárias tornaram-se conceitos cujos significados e compreensão cada vez mais se incorporaram nas classes cultas e ricas, e daí para os trabalhadores dos campos e trabalhadores nas fábricas e estaleiros, os quais usufruíam dos benefícios das sociedades recentemente livres e democráticas desde as suas origens no século XVIII até sua assimilação no século XIX e implementação no século XX.
Começou lentamente, onde apenas proprietários podiam votar na Constituição original dos EUA, e aos poucos, foi se apliando..
Quando o século XX terminava de lidar com duas guerras mundiais, a Grande Depressão e inúmeros outros horrores, vimos a evolução de uma econômica, baseada na agricultura, para uma economia industrializada, a abolição da monarquia, as mulheres votantes, abolição da escravidão, o trabalho infantil proibido, movimentos trabalhistas estabelecidos, e inúmeras novas instituições espalhando esses direitos e liberdades recém-descobertas em praticamente todos os cantos da civilização ocidental.
Os direitos de enfrentar seu acusador e contra-interrogar testemunhas, a pedra fundamental do devido processo legal, veio com uma lei comum que protegeu e defendeu cada centímetro desses direitos humanos recém-descobertos.
Apesar de ser possível escrever uma dúzia de discursos sobre este tema, se você ler as seminais obras do Iluminismo de Locke, Hobbes, Mill e Tocqueville, a mentalidade e atmosfera cultural ficarão claras, preparando o palco para a maneira na qual nos sentimos livres para viver, trabalhar, e pensar hoje em dia.
Ainda que eu tenha passado muito tempo escrevendo sobre muitas das ideias nucleares e avanços do Iluminismo, a razão é precisamente por estas ideias e conceitos serem cruciais para a compreensão do contexto em que os artistas do século XIX viveram.
Eles estavam, de fato, abordando precisamente o coração do pensamento iluminista.
Fred Ross é presidente e fundador do Art Renewal Center (Centro de Renovação da Arte – ARC). Ele possui mestrado em Arte e Educação pela Universidade de Columbia, é um educador de artes, professor, colecionador, escritor, artista e historiador da arte do século XIX.
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