Em comparação com o Ocidente, muitas coisas na China são mais baratas, mas taxas de pedágio não estão nessa lista. Este fato não passou despercebido. Enquanto os chineses comuns se queixam dos preços exorbitantes que pagam para dirigir nas rodovias do país, novas políticas que estendem os prazos de cobrança de pedágios são aprovadas em todo o país.
Este ano, estima-se que os motoristas chineses tenham pagado mais de 400 bilhões de yuanes (US$ 65 bilhões) em pedágio, uma soma que as empresas e as autoridades de transporte locais afirmam ser necessária para pagar as dívidas de construção.
A verdade sobre as rodovias da China, apelidadas de “aspiradores de dinheiro” e “canudos de vampiro” por internautas irritados, é que elas representam mais uma via para o lucro rápido e enorme de empresários chineses e funcionários do governo.
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De acordo com relatos da mídia chinesa do continente, 90% dos mais de 100 mil quilômetros de rodovias da China são sujeitos a pedágios para cobrir as despesas de construção. Muitas estradas, abertas à circulação no final de 1990 e início de 2000, atingiram ou estão próximas do limite de seus períodos de cobrança de pedágio. Nos últimos dois anos, 16 mil km de estradas inauguradas em 2000 deveriam ter interrompido a cobrança de pedágio, no entanto, em várias regiões, de Shandong no Leste a Xinjiang no Oeste, as autoridades alegam que a necessidade de pagar empréstimos requer prorrogar a cobrança dos pedágios.
A rodovia Guang-Shen na província de Guangdong, Sul da China, é um exemplo típico. Ligando a capital da província de Guangzhou com a megalópole de Shenzhen, seus 122 quilômetros são uma artéria de tráfego principal e uma enorme fonte de dinheiro – o trajeto num único sentido enfrenta um pedágio de 70 yuanes (US$ 11). Inaugurada em 1997, a rodovia Guang-Shen tinha até 2012 arrecadou 40 bilhões de yuanes (US$ 6,47 bilhões) por meio da cobrança de pedágios, ultrapassando em muito o empréstimo de investimento de 11,4 bilhões de yuanes (US$ 1.840 milhões) para sua construção, segundo dados divulgados pelas autoridades de transporte de Guangdong.
Os pedágios nas rodovias chinesas estão entre os mais altos do mundo, cobrando-se muito mais por quilômetro do que o normal em países desenvolvidos. Segundo relatos, “departamentos competentes” anunciaram que a arrecadação líquida de pedágio nacional em 2010 foi de 280 bilhões de yuanes (c. US$ 45 bilhões). Depois disso, nenhuma estatística anual foi publicada, mas o Ministério dos Transportes da China mais tarde revelou informações afirmando que, em vários feriados em 2012 e 2013, os motoristas chineses foram poupados 14,308 bilhões de yuanes em pedágios. A extrapolação destes dados, segundo um relatório da China continental, mostra que atualmente o montante anual arrecadado com pedágios passaria de 400 bilhões de yuanes.
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Esses valores assinalam enormes lucros. De acordo com relatórios anuais deste ano de uma construtora de autoestradas na província de Guangdong, esta teve 26% de lucro no primeiro semestre do ano. A partir do relatório também pode ser visto que várias outras dessas empresas pela China tiveram mais de 30% de lucro. Esta margem de ganhos supera inclusive os mercados financeiro e imobiliário, observou a mídia chinesa.
Estes números e estatísticas semelhantes de outras regiões da China provocaram apelos por transparência sobre o processo e a estrutura de investimentos, empréstimos e propriedade dos projetos rodoviários. Estradas chinesas são legalmente consideradas investimentos públicos em infraestrutura e seu uso pela administração e empresas locais para obtenção de lucros desmedidos convidou o escrutínio público. Mas apesar de anos de apelos e críticas do público, muito pouca ou nenhuma melhoria ocorreu.
Mesmo depois que o governo central chinês aprovou uma legislação esclarecendo a natureza pública não lucrativa da infraestrutura rodoviária, os administradores locais continuam a explorar brechas no sistema. A regulamentação nacional implementada em novembro de 2004 estipula que pedágios não podem ser cobrados em rodovias além de 15 anos para pagar empréstimos do governo. Num comunicado de imprensa, um porta-voz do Ministério dos Transportes disse que “pedágios devem terminar quando o prazo expirar” e que as rodovias devem “seguir rigorosamente” os regulamentos.
Um regulamento de uso comum estipula que “nenhuma rodovia, independentemente do status de pagamento de seu empréstimo específico, deverá reduzir ou encerrar a cobrança de pedágio até que todos os empréstimos pendentes de sua construção numa dada província sejam pagos”. Na província de Shandong, dados oficiais revelaram que os pedágios coletados em 2013 foram gastos principalmente em empréstimos e manutenção de estradas; no entanto, as tarifas coletadas não pagaram apenas pelos interesses das rodovias diretamente tributadas, mas também por estradas locais e rurais que deveriam ter sido financiadas por outros meios.
Uma auditoria oficial de rodovias em 18 províncias chinesas revelou várias instâncias de recursos ociosos e apropriação indébita. Frequentemente, os fundos públicos foram deixados sem aplicação ou investidos na construção de hotéis e escritórios, projetos que são principalmente improdutivos ou não relacionados ao propósito inicial das verbas. Outro meio de apropriação indébita é o pagamento de pessoal. A indústria rodoviária teria excesso de pessoal e privilégios trabalhistas, o que resultaria em alto custo de produção e superfaturamento de suas obras. Uma empresa, por exemplo, teria contratado 156 funcionários quando apenas 27 posições eram necessárias.
O que fica claro é que o sistema rodoviário chinês se estabeleceu como mais um grupo de interesses mancomunado com as autoridades estatais e do Partido Comunista Chinês para perpetuar a exploração da população e potencializar o desperdício de recursos.