RIO DE JANEIRO – O Rio de Janeiro terá uma força-tarefa de paz semelhante à missão brasileira no Haiti. O anúncio foi feito na quinta-feira pelo comandante do Exército brasileiro, Gen. Enzo Peri, durante uma visita oficial à área de operações, disse a Agência Brasil.
O general Peri disse que os planos já estão em andamento para a força-tarefa de paz, que é inédita no Brasil, e espera-se ser implantada até o final do mês. Até agora, o controle da polícia tem sido utilizado nas operações, enquanto o exército participou nas atividades de cerco e isolamento, com cerca de 800 homens.
Acompanhando o Gen. Peri estava o Gen. Adriano Pereira Júnior, comandante Militar do Leste, que disse que a força de paz é composta por 8 mil homens para garantir a lei e a ordem, ou policiamento urbano, e fortalecer as operações em outras favelas cariocas.
As tropas do exército estão se preparando para ocupar o interior das favelas do Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro, substituindo a polícia que, por sua vez, se concentrará mais nas apreensões de armas e drogas.
Segundo a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, as operações no Complexo do Alemão no norte do Rio de Janeiro foram planejadas há dois anos. O atraso foi devido à falta de mão de obra e logística, agora resolvidas com a participação das forças armadas.
Num debate televisionado pela Globo News na sexta-feira, o antropólogo e ex-secretário de Segurança nacional, Luiz Eduardo Soares, disse que a ideia de que a polícia é boa e o tráfego de drogas é mal “é, infelizmente, enganosa” no Brasil, já que o “tráfico de drogas persiste graças à parceria ativa e empreendedora com os segmentos corruptos dentro da polícia”.
O ex-secretário disse que a situação atual, em que as operações de segurança ganharam apoio popular, é uma oportunidade para a parte virtuosa da polícia crescer em força. Mas, para ele, isto só acontecerá se todos os cidadãos acreditarem em recuperação, profissionalização, e reforma da polícia e das instituições públicas, que devem atuar de forma integrada.
O sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), Gláucio Soares, que também estava presente no debate, concordou e expressou preocupação sobre o risco dos soldados serem “contaminados” por maus elementos na polícia. “É muito difícil evitar a corrupção de entrar nas forças armadas, porque os soldados são locais, ou vivem na comunidade”.
Complexo do Alemão ainda sob fogo
Os complexos têm estado sob fogo de artilharia e apreensão de armas e drogas desde a ocupação do Complexo do Alemão pelas forças de segurança no domingo, 28 de novembro. Com 13 favelas, este é o maior complexo de favelas da cidade.
Envolvendo cerca de 2.600 agentes da lei, as ocupações começaram depois que gangues lançaram uma série de ataques em 21 de novembro, que ocorreu sem resistência dos criminosos, durante a qual mais de 100 veículos foram incendiados, espalhando o pânico por toda a cidade. De acordo com oficiais de segurança, os ataques das gangues foram uma reação dos traficantes contra a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas e áreas circunvizinhas.
Os policiais militares estão agora procurando um grupo de bandidos que se refugiaram na Floresta da Tijuca, informou a Abril News. Na quinta-feira, a polícia prendeu quatro líderes em outras partes do Rio, segundo O Estado. Muitos traficantes fugiram do Complexo do Alemão, alguns por túneis de esgoto, para favelas menores e agora estão espalhados por toda Baixada Fluminense, localizada no norte do Rio de Janeiro.
Até agora, 20 traficantes suspeitos de ordenar os ataques foram transferidos para o presídio de segurança máxima de Catanduvas no estado do Pará, que abriga os criminosos mais perigosos do país, informou O Dia. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) suspendeu temporariamente e está processando os advogados de alguns dos principais líderes detidos sob a suspeita de que eles passaram comandos para as gangues.
Projeto de construção da paz de longo prazo
Sergio Cabral, o governador do Rio, disse nesta segunda-feira que os militares deveriam permanecer na região até as UPPs serem estabelecidas, o que está previsto para o primeiro semestre de 2011, envolvendo potencialmente mais de 2 mil policiais.
“Nós não vamos dormir sobre os louros de vitórias passadas”, disse Cabral num fórum sobre infraestrutura urbana para os Jogos Olímpicos de 2016. “Nós acordamos cedo com novos desafios que são efetivamente recuperar territórios ainda ocupados por uma força paralela. Estes passos requerem coordenação com o Ministério da Defesa e a Polícia Federal.”
José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do estado do Rio, disse que as ocupações serão em longo prazo, segundo o website da Secretaria de Segurança.
Na inauguração da 13ª UPP realizada numa área onde um helicóptero da polícia foi abatido por traficantes de drogas no ano passado, Beltrame disse, “Se Deus quiser, no próximo ano, muitas outras comunidades serão capazes de viver como estas 13 estão vivendo hoje. Eu tenho certeza que em mais alguns anos, vamos entregar outro Rio de Janeiro para a sociedade.”
Beltrame disse que a polícia já está preparando novas unidades para comunidades no sul da cidade no Vidigal e Rocinha, a maior favela da América Latina.
Segundo a polícia, até agora, as operações resultaram em 223 prisões, 50 mortes, 109 veículos queimados e na apreensão de 410 motocicletas e 200 veículos (muitos de luxo) roubados, mais 40 de toneladas de maconha e cocaína, e um arsenal altamente destrutivo de mais de 200 armas, incluindo pistolas, rifles, metralhadoras, espingardas, granadas, bazucas antitanque e armas antiaeronaves.
Algumas armas apreendidas são semelhantes às usadas por guerrilheiros e terroristas em outros países, e algumas foram desviadas do Exército Brasileiro. As drogas estão sendo incineradas.
Jéssica Almeida, subsecretária de segurança do Rio, disse que a polícia estima que as apreensões já causaram a perda de 59 milhões de dólares para os traficantes de drogas, um número que impressionou até mesmo os policiais mais experientes, informou a TV Globo.
Gustavo Trompowski, professor no Colégio de Guerra, falou sobre a ocupação do Complexo do Alemão. “Isso dá uma clara impressão de que aquele era o quartel-general, o centro de operações e seu grande armazém comercial”, disse Trompowski. “Dentro de algumas horas, a quantidade apreendida era de quatro ou cinco vezes maior do que no ano passado.”
O especialista acredita que as armas estão sendo contrabandeadas para os bandidos através de rotas marítimas por guerrilheiros das FARC do Paraguai e Colômbia, que têm conexões com o tráfico de drogas brasileiro.
Medidas internacionais de segurança necessárias
Quinta-feira passada, a Polícia Federal começou a Operação Cinco Estrelas para frustrar um esquema de tráfico internacional de drogas que está sob investigação desde o ano passado, segundo O Estado. As drogas vieram da Bolívia e foram distribuídas em seis estados. Seis membros de gangues foram presos.
O governo federal também reforçou o policiamento das fronteiras com o Paraguai e a Bolívia, por onde mais de 80% das drogas e armas entram no Brasil, alimentando o crime organizado. Esta medida, parte da Operação Sentinela, que envolve vários níveis de segurança nacional, em conjunto com o Paraguai, apoiará as operações no Rio e também ajudará a prevenir a entrada de apoio logístico e a fuga de criminosos.
Na segunda-feira, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, reuniu-se no Brasil com Sacha Llorenty, o ministro do governo da Bolívia, para negociar ações conjuntas contra o tráfico de drogas.
Barreto disse que estas são ações de médio a longo prazo que deveriam incluir também o Peru e outros países sul-americanos. “A América do Sul deve buscar em conjunto soluções para este problema”, disse ele à Agência Brasil. “E a melhor maneira de fazer isso é através da cooperação, intercâmbio de informações e operações conjuntas.”
De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) divulgado quinta-feira passada, 88% dos moradores do Rio aprovam a guerra contra o tráfico de drogas.
A pesquisa ouviu 1.000 pessoas de 27-29 de novembro. A linha de atendimento comunitária recebeu 853 chamadas de moradores num único dia, quebrando recordes desde sua criação. A polícia disse que as operações nas favelas dos complexos da Penha e Alemão já reduziram as taxas de criminalidade em 70% nas regiões vizinhas.
Um levantamento da Polícia Civil mostra que mais de 20% da população, de 1,2 milhões de pessoas em 150 comunidades, vive em favelas dominadas pelo tráfico de drogas, e que 100 outras comunidades são dominadas por milícias compostas por policiais corruptos e ex-oficiais militares.