Restrição ao crédito imposta pelo regime chinês estrangula setor privado

05/08/2012 03:00 Atualizado: 05/08/2012 03:00

Designers trabalham no centro de design Grupo Babei Co. Ltda. em 3 de julho de 2012, em Shengzhou, província de Zhejiang, China. (Feng Li/Getty Images)A província de Zhejiang, a terceira região mais rica da China depois de Pequim e Shanghai, é conhecida como o carro-chefe do setor privado chinês. Mas agora este navio está afundando devido a uma grave crise de crédito.

A província do litoral sudeste de Zhejiang tem uma longa história de empreendedorismo e prosperidade. Em 2011, ela contribuiu para 6,8% do produto interno bruto (PIB) da China e 11% do total das exportações. O crescente setor privado em Zhejiang abrange 720 mil empresas que produzem mais de 60% da produção econômica da província. A província também possui centros de exportação mundialmente famosos, como Wenzhou e Yiwu.

A crise de crédito começou na primavera de 2011 em Wenzhou, a cidade conhecida como o berço do setor da iniciativa privada na China. Wenzhou é o lar de 360 mil pequenas e médias empresas privadas. Elas fabricam uma gama de produtos, incluindo sapatos, óculos, presentes, eletrônicos, tubos de aço e válvulas de água. Empresários de Wenzhou também investem amplamente em todo o país no setor imobiliário, mineração, agricultura e outros setores.

Desde abril de 2011, proprietários de muitas empresas de renome começaram a falhar no pagamento de grandes empréstimos tomados de credores particulares não bancários, geralmente com taxas de juros muito altas. A falência de algumas empresas maiores logo arrastou mais empresas para o redemoinho. Em setembro, quase 20 empresários se demitiram e alguns cometeram suicídio.

A mídia estatal culpou a usura dominante e os tubarões do submundo das finanças privadas de Wenzhou pela crise, mas especialistas dizem que a usura não é a causa, mas o resultado de políticas financeiras erradas da China.

Monopólio bancário

Durante séculos, proprietários de pequenas empresas em Wenzhou dependeram do financiamento privado. Na década de 1980, com a liberalização e a abertura da economia, o financiamento privado também começou a florescer novamente com o incentivo do regime.

“Estes ágeis serviços financeiros populares se tornaram a água corrente que irrigou a germinação das pequenas e médias empresas em todo Wenzhou nos anos 80”, disse Life Weekly, uma revista sediada em Pequim, em novembro de 2011.

Mas na década de 1990, Pequim aumentou sua limitação ao financiamento privado para garantir que os bancos estatais tivessem o monopólio do empréstimo. Além disso, um número desproporcional de empréstimos vai para empresas estatais chinesas.

“A maioria das empresas de Wenzhou são pequenas e médias empresas privadas, enquanto a maioria dos bancos é estatal. Tal incompatibilidade torna muito difícil para as pequenas e médias empresas terem acesso a fundos”, disse Shi Jinchuan, professor de economia na Universidade de Zhejiang, à revista Life Weekly.

A dificuldade na obtenção de empréstimos bancários direcionou muitos proprietários de negócios aos credores do submundo. Enquanto isso aumenta os riscos financeiros do negócio devido às altas taxas de juros, também limita o investimento a pequenos projetos e a ciclos mais curtos de negócios.

Como resultado, os empresários de Wenzhou muitas vezes preferem se envolver em investimentos especulativos, como imóveis e ações, ao invés de investir em seus negócios originais.

Políticas financeiras instáveis

Para empresas maiores, a virada fatal veio com as políticas financeiras instáveis do regime. Em 2008, quando Pequim injetou 4 trilhões de yuanes (635 bilhões de dólares) de estímulo na economia, os bancos solicitaram as empresas que emprestassem dinheiro deles. Isso levou a rápida expansão de muitas empresas, disse Zhou Dewen, chefe da ‘Associação para o Desenvolvimento das Pequenas e Médias Empresas de Wenzhou’, ao 21st Century Business Herald.

Em 2009, porém, o governo de repente apertou as políticas fiscal e monetária e os bancos pararam de conceder empréstimos. “As empresas não tiveram tempo para frear seus investimentos, de modo que somente tropeçaram todo o caminho até o precipício”, disse Zhou. “O governo deve refletir sobre isto e assumir a responsabilidade”, acrescentou ele.

O caso da Xintai, a maior fabricante de óculos da China, é um bom exemplo. Com a diminuição da rentabilidade das exportações devido à valorização do Yuan e financiada por empréstimos generosos dos bancos oficiais, Hu Fulin, o fundador e proprietário da Xintai, decidiu fazer um investimento significativo numa fábrica fotovoltaica em 2008. Mas só quando Hu Fulin viu a primeira esperança do negócio decolar, não só as taxas de juros subiram rapidamente, mas os bancos também pararam de fornecer novos empréstimos. Credores privados também subiram suas taxas. Como muitas outras empresas, a Xintai faliu com uma dívida total de 1,3 bilhões de yuanes, segundo relatos da mídia chinesa.

Efeito dominó

A fim de obter empréstimos aprovados, as pequenas empresas na China muitas vezes se unem e usam garantias-mútuas para atender às rigorosas exigências dos bancos. Como resultado de um amplo sistema de garantia-mútua, o que faz as empresas partilharem o risco de inadimplência caso uma parte deixe de pagar seu empréstimo, a maioria das empresas da região está ligada por uma gigante rede fiadora. Sessenta a 70% do financiamento das empresas privadas de Zhejiang são baseadas em garantias-mútuas, segundo o Diário de Nanfang.

Enquanto isto fornece seguro diversificado contra risco de inadimplência em tempos bons, também deixa as empresas mais expostas quando a economia está em baixa. No advento da crise Wenzhou, a desvantagem de tal rede de seguro foi totalmente exposta.

A Tianyi Construções era uma empresa incapaz de pagar seus empréstimos e foi investigada em janeiro por emprestar de credores privados. Em março, outras três empresas estavam sob investigação por razões semelhantes. Essas quatro empresas, por sua vez, afetaram mais de 600 outras empresas ou pessoas jurídicas, resultando num valor de capital combinado de dezenas de bilhões de yuanes. Isso aumentou dramaticamente os empréstimos inadimplentes dos bancos e os bancos começaram a pedir agressivamente o pagamento dos empréstimos de todas as empresas envolvidas.

Em julho, mais de 600 grandes empresas privadas endividadas na cidade de Hangzhou assinaram uma carta dirigida ao governo provincial de Zhejiang pedindo as autoridades para pressionarem os bancos a interromperem temporariamente a cobrança das dívidas e o cancelamento dos empréstimos, informou a mídia chinesa.

Se as autoridades chinesas e os bancos concordarão ou não com esses termos permanece incerto. Mas de acordo com o economista Mao Yushi, a solução para a crise é desenvolver pequenas e médias instituições financeiras que atendam às necessidades de pequenas empresas ou legalizar o financiamento privado.

“A maior barreira é o governo não abdicar do controle”, disse Mao Yushi ao website 163.com. “Eles querem manter o monopólio dos bancos estatais. […] Se o governo impedir a indústria financeira de ter oportunidade de criar riqueza, então, isso é errado.”