Repressão totalitária: Regime chinês cava a própria cova

24/01/2015 12:07 Atualizado: 24/01/2015 12:13

Numa recente entrevista de rádio, o ministro do Interior da França, Bernard Cazeneuve, explicou por que as forças antiterrorismo do país não conseguiram capturar os últimos atacantes do Charlie Hebdo, apesar de eles terem estado sob vigilância anteriormente: com milhares de suspeitos na França, simplesmente não é possível designar oito ou dez agentes para monitorar cada um.

Mas quando se trata do policiamento do pensamento na China, “isso não é muito para o regime chinês”, disse o prof. Andrew Nathan da Universidade de Columbia, falando recentemente na Universidade Fordham em Nova York. “Eles podem atribuir 8-10 policiais para muito mais do que 5 mil pessoas, e outras pessoas na sociedade nem sequer sabem disso.”

Coerção contínua

A observação foi feita num evento que discutiu um relatório recente de Sarah Cook, uma pesquisadora da Freedom House, que fornece um relato exaustivo das mudanças e continuidades políticas do aparato coercitivo do Partido Comunista Chinês ao longo dos últimos anos.

Jerome A. Cohen, professor de Direito na Universidade de Nova York e um veterano sobre o cenário de direitos humanos da China, comentou a respeito do relatório de Cook: “Eu fiquei felizmente surpreso quando li isso, porque demonstra uma compreensão abrangente do que está ocorrendo na China nos últimos anos.”

O documento também sugere que o tipo de políticas de força bruta que o Partido Comunista Chinês (PCC) se julga forçado a adotar em face das emergentes crises de governança pode ter o efeito de gerar maior resistência de uma base mais ampla da população.

“O amplo aumento da repressão é impulsionado por um profundo sentimento de insegurança e pela avaliação explícita de que o Partido está perdendo a lealdade do público e de alguns de seus membros”, escreve Cook.

Entre as informações mais fortemente censuradas estão “notícias relacionadas com a saúde e segurança públicas”.

Palestrantes na Universidade Fordham, em 15 de janeiro (esquerda-direita): Andrew Nathan, professor da Universidade de Columbia; Sarah Cook, pesquisadora da Freedom House; Jerome A. Cohen, professor da Universidade de Nova York; Martin Flaherty, professor da Universidade Fordham; e Liu Wei, advogada chinesa de direitos humanos (Tianna Ren/Epoch Times)
Palestrantes na Universidade Fordham, em 15 de janeiro (esquerda-direita): Andrew Nathan, professor da Universidade de Columbia; Sarah Cook, pesquisadora da Freedom House; Jerome A. Cohen, professor da Universidade de Nova York; Martin Flaherty, professor da Universidade Fordham; e Liu Wei, advogada chinesa de direitos humanos (Tianna Ren/Epoch Times)

‘Círculo vicioso’

“As ações da liderança estão reforçando um círculo vicioso”, disse Cook no evento da Fordham. E entre aqueles cada vez mais insatisfeitos com o status quo estão os próprios quadros do Partido Comunista.

Um censor chinês aposentado, que trabalhou no popular jornal liberal Semanário do Sul, declarou anonimamente num post muito difundido na internet chinesa: “Olhando para trás nos últimos quatro anos, eu cometi erros. Eu censurei alguns rascunhos que não deveria ter censurado, eu excluí conteúdo que não deveria ter excluído, mas finalmente eu acordei. Eu prefiro não realizar minha missão política do que ir contra a minha consciência. Eu não quero ser um pecador contra a história.”

Uma das campanhas de repressão mais brutais e peculiares do Partido Comunista – a perseguição à disciplina espiritual do Falun Gong – prossegue sem cessar pelos últimos três líderes chineses e por mais de 15 anos. No entanto, embora ainda seja uma política no papel, muitos oficiais locais simplesmente falham em implementar a perseguição, em grande parte devido à resistência popular.

“Parece que a política central se mantem a mesma, sempre querendo reprimir. Mas porque os praticantes do Falun Gong têm conversado com as autoridades locais, alguns destes mudaram de atitude e perceberam que os membros do Falun Gong não são tão ameaçadores, então eles não os prenderão”, diz o relatório, citando um advogado de direitos na China. “Ordens de prisões continuam a vir das autoridades do alto escalão, mas às vezes os agentes [locais] da Secretaria de Segurança Pública dizem não, [não vamos prendê-los,] eles só estão se exercitando para serem saudáveis.”

Assim, quanto mais o regime ataca grupos e indivíduos inofensivos, maior é a resistência passiva ou o contingente dos que se opõem à repressão.

O relatório de Cook se refere à declaração de Zhou Zhixing, o editor de duas revistas afiladas ao Partido Comunista, lamentando a detenção do conhecido advogado de direitos civis Pu Zhiqiang: “Juntar-se ao Partido costumava ser algo sagrado, mas se tornou profano; ir à escola costumava ser alegre, mas se tornou depressivo; ir para a prisão costumava ser miserável, mas agora é glorioso.”

Reação civil

“Nenhum regime autoritário pode contar apenas com a repressão”, disse Cook numa discussão em Washington DC em 13 de janeiro. “Há outras ferramentas que eles necessitam. Mas, à medida que o Partido Comunista aumenta a repressão e adota táticas mais diretas, eles começam a corroer os mecanismos que usaram para manter sua legitimidade.”

Ela concluiu: “Então, você tem essa reação da sociedade civil e a desilusão sentida pelas pessoas enquanto este aparato cresce progressivamente e mais pessoas são abarcadas.” Este é um dos dilemas centrais do Estado de segurança e controle da informação sob o Partido Comunista.

A grande incógnita é se o sistema pode manter certa homeostase ou se já está num caminho insustentável. “A repressão produz resistência”, disse o prof. Nathan. “As pessoas se ressentem disso… elas podem acatar o conselho mais sábio e tentar evitar problemas, mas há sempre um momento na vida quando a pessoa não quer mais ser manipulada… os seres humanos são problemáticos nessas condições.”

Nathan acrescentou: “As pessoas têm medo de resistir até o ponto em que já não têm mais medo. E não sabemos por que essa transição ocorre. Mas aconteceu na Praça da Paz Celestial em 1989 e de repente e inesperadamente na Alemanha Oriental.”

‘Cálculo dinâmico’

Yang Jianli, um proeminente ativista da democracia, numa entrevista após o fórum em Washington, chamou isso de um estado de “cálculo dinâmico” – e isso toca tanto o público mais amplo como um grande número de funcionários no sistema. O termo significa que as pessoas podem mudar rapidamente a avaliação de seus interesses enquanto ocorrem mudanças no ambiente político-social mais amplo.

“Quando eles veem esperança, o cálculo muda. Temos ansiado pela democracia por séculos – a maioria das pessoas não será a força motriz, eles esperarão”, disse Yang. “Mas, quando houver mudança, todos se mobilizarão rapidamente.”