Repressão a “notícias falsas” cresce em todo o mundo

07/01/2017 07:00 Atualizado: 02/03/2017 15:41

A preocupação sobre “notícias falsas” está se espalhando pelo mundo, enquanto a Alemanha e a Indonésia preparam programas governamentais para monitorar e censurar conteúdo online que consideram “falso”.

Antes das próximas eleições, o governo indonésio planeja avaliar websites e contas de mídia social a respeito de notícias falsas, ao mesmo tempo em que investe fortemente na “alfabetização em mídias sociais”.

A Alemanha, antes de suas próximas eleições parlamentares, pode aprovar uma lei que permitiria multar o Facebook em até 500 mil euros por cada dia que mantiver uma história online que foi rotulada como notícia falsa. A Alemanha também visa estabelecer uma agência governamental para combater a propagação de notícias falsas.

A chanceler alemã Angela Merkel defendeu os programas, afirmando que, de acordo com o International Business Times: “O debate político está ocorrendo num ambiente de mídia completamente novo. As opiniões não são formadas como eram há 25 anos. Hoje, temos sites falsos, bots, trolls, coisas que se regeneram, reforçando opiniões com algoritmos, e temos que aprender a lidar com essas coisas.”

A notícia falsa, embora esteja em circulação por anos, apenas tornou-se controversa em torno do fim das eleições presidenciais norte-americanas de 2016, quando mídias de tendência esquerdista começaram a alegar que notícias falsas e a propaganda russa estariam ajudando a campanha do presidente eleito Donald Trump. Antes disso, no entanto, as tentativas de coibir notícias falsas e boatos online eram amplamente consideradas como uma forma de censura, incluindo por grupos e mídias que estão agora pedindo mais regulamentação do conteúdo online para deter o seu fluxo.

De fato, a notícia falsa se apresenta principalmente na forma de artigos que atuam como isca de clique visando o lucro, e são particularmente estas histórias que são citadas por mídias como promotores de narrativas falsas, porque suas manchetes frequentemente bizarras fazem bem o papel de justificar a narrativa.

A controvérsia sobre o assunto não é, na verdade, em torno de notícias falsas, mas sim o fato de que listas de “notícias falsas” muitas vezes agrupam sites de notícias falsas com mídias de direita. PropOrNot, uma organização citada pelo Washington Post em 24 de novembro, rotulou mais de 200 editores, incluindo Drudge Report, Zero Hedge e Infowars, como “vendedores rotineiros de propaganda russa durante a temporada eleitoral”.

Esses sites, especialmente na Europa, assumem posições fortes contra as políticas governamentais, desde impostos à imigração. A preocupação é que os governos possam ter um meio de reprimir as vozes de oposição simplesmente incluindo as opiniões políticas e reportagens legítimas em listas de “notícias falsas”.

Até as tentativas recentes de atacar as notícias falsas, este não era um problema nas democracias ocidentais, embora seja comum em outros lugares. De acordo com um relatório recente da Freedom House, 67% dos internautas do mundo vivem em países onde “as críticas ao governo, militares ou governantes estão sujeitas à censura”. E afirma que 27% de todos os internautas “vivem em países onde pessoas foram presas por publicar, compartilhar ou simplesmente ‘gostar’ conteúdo no Facebook”.

Em julho de 2016, um casal alemão foi levado ao tribunal por causa de uma postagem num grupo no Facebook que eles administravam e que incluía comentários críticos sobre a atual política de imigração. “A guerra e os refugiados econômicos inundam o nosso país, trazendo terror, medo e sofrimento. Eles estupram nossas mulheres e colocam nossos filhos em perigo. Ponham um fim nisso!”, escreveu o fundador quando ele começou o grupo. Ele foi condenado a nove meses de prisão em liberdade condicional e sua esposa foi multada em 1.200 euros. O juiz descreveu o grupo como tendo “uma evidente tendência de direita”.

Na Europa, o temor sobre leis que visam notícias falsas surgem do fato de que os partidos de direita tem ganhado força devido à crescente inquietação sobre o rápido afluxo de refugiados islâmicos e de imigrantes de países mais pobres da União Europeia.

Steven Mosher, presidente do Instituto de Pesquisa Populacional, acredita que os temores sobre notícias falsas estão sendo pressionados principalmente por certas mídias estabelecidas que tentam minar outras mídias alternativas.

“Eles não têm mais o monopólio da notícia”, disse Mosher, observando que no passado era geralmente o caso que se o New York Times e o Washington Post apresentassem a mesma narrativa sobre uma questão, essa narrativa se tornaria a opinião dominante aceita.

Com o surgimento de mídias independentes, no entanto, “eles estão perdendo o controle dos temas, e eles não gostam disso”, disse ele. “Eles estão perdendo leitores, estão perdendo assinantes e, desta forma, eles estão tentando deslegitimar a concorrência.”

Parte dessa iniciativa se concentra em sites de mídia social e fóruns de mensagens online, com o Facebook entre os principais alvos.

O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, descartou inicialmente a posição de que as notícias falsas ajudaram a influenciar a eleição dos EUA, dizendo que “a ideia de que as notícias falsas no Facebook, que são uma pequena quantidade do conteúdo, influenciaram a eleição de qualquer maneira é uma ideia muito louca.”

No entanto, Zuckerberg desde então mudou esta linha, e em 15 de dezembro de 2016 o Facebook publicou um post anunciando novas iniciativas “visando fraudes e notícias falsas”. A nova iniciativa emprega quatro métodos: tornar mais fácil para os usuários denunciarem o conteúdo como “fraude”; trabalhar com verificadores de fato para sinalizar notícias como “controversas”; empurrar para abaixo as histórias que são menos compartilhadas após serem lidas pelos usuários; e analisar sites de notícias para “detectar onde ações de intervenção legal sejam necessárias”.

O Facebook, que foi acusado de censurar conservadores, também está se voltando para verificadores de esquerda, incluindo o Politifact e Snopes. Em maio de 2016, um “curador de notícias” do Facebook disse ao Gizmodo que eles “suprimiam rotineiramente notícias de interesse de leitores conservadores da influente seção de notícias ‘mais lidas’ da rede social”, e os funcionários foram “instruídos a artificialmente ‘inserir’ histórias no módulo de notícias ‘mais lidas’“.

Algumas notícias são rotuladas como “falsas” porque são abertamente tendenciosas ou deixam de fora importantes argumentos contrários. Mas Mosher disse que a criação de um sistema para forçar sites a publicar todas as notícias, ou a impor equilíbrio, seria em si mesmo um ato de censura.

“A solução é que as pessoas têm de saber ir a outras fontes de notícias, e encontrar o equilíbrio [por si próprias].Você pode escolher os favoritos em seu agregador de notícias”, disse ele. “A única solução é o aumento da diversidade de fontes de notícias, não implementar o estreitamento das mesmas.”

Artigo 19, uma organização formada em 1987 para defender a liberdade de expressão, afirmou num artigo que “um número de países em todo o mundo proíbe a divulgação de informações falsas, mesmo que não seja de natureza difamatória”. E acrescenta, no entanto, que essas leis contra notícias falsas são “raras nas democracias mais estabelecidas e foram declaradas inconstitucionais em algumas”.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU “reiterou que as disposições sobre notícias falsas ‘limitam indevidamente o exercício da liberdade de opinião e de expressão’”, observa o Artigo 19.

O Conselho das Nações Unidas confirmou isso inclusive em casos de notícias que possam causar inquietação pública, alegando que “em todos esses casos, a prisão como punição pela expressão pacífica de uma opinião constitui uma grave violação dos direitos humanos”.

As leis emergentes de filtragem são “nada melhor do que punir as pessoas”, disse Chris Mattmann, cocriador de algumas das tecnologias no coração da internet e dos motores de busca e atualmente um dos principais cientistas de dados no Jet Propulsion Laboratory da NASA. “É como o que está ocorrendo na China.”

“Isso é censura. … É mentalidade de pensamento grupal”, disse Mattmann. “As pessoas deveriam ser capazes de postar sobre suas crenças políticas. Elas deveriam ser capazes de postar e compartilhar em seus círculos sociais.”

Notícias falsas na China

Os críticos do impulso à repressão de notícias falsas no Ocidente veem a China como um exemplo de como as coisas podem dar errado se esses novos poderes forem abusados.

Na China, publicar rumores e notícias consideradas “falsas” pode resultar em pena de prisão.

Em 2000, a China Finance Information Network foi multada em 1.807 dólares por republicar um relatório de uma fonte de notícias de Hong Kong que afirmava que o vice-governador da província de Hubei teria aceitado subornos de uma empresa local.

No Ocidente, o Estado não pode simplesmente multar uma mídia de notícias, e qualquer ação judicial sobre uma história pode ser defendida se a mídia provar que as afirmações do conteúdo publicado são verdadeiras.

Na China, não há essa possibilidade das mídias se defenderem. E enquanto o vice-governador de Hubei nunca teve que se defender das acusações no tribunal, seu sucessor foi condenado por corrupção em 2015.

Em novembro de 2015, o Partido Comunista Chinês (PCC) revisou sua lei para impor sentenças de até sete anos de prisão por “espalhar rumores” sobre desastres. A Human Rights Watch disse que o regulamento pode ser abusado.

“O governo chinês deteve internautas que questionaram os números oficiais de vítimas ou que publicaram informações alternativas sobre desastres que vão desde a SARS [síndrome respiratória aguda grave] em 2003 até a explosão química em Tianjin em 2015, sob o pretexto de prevenir rumores”, observa um relatório de 2015.

De acordo com um relatório de 2012 do Instituto de Pesquisa do Congresso dos EUA, o objetivo desses controles é principalmente “induzir a autocensura”. O regime chinês, afirma o relatório, “mostra uma preocupação contínua sobre a influência da internet na sociedade e na política chinesas e desenvolveu uma gama crescente de controles”.

Num testemunho à Comissão de Revisão EUA-China Sobre Segurança e Economia em maio de 2014, David Wertime, editor sênior da Foreign Policy, disse que o PCC usa uma combinação de ferramentas para fazer censura, mas reserva métodos mais duros de intimidação e prisão para pessoas com numerosos seguidores online visando “dissuadir potenciais dissidentes de compartilharem publicamente seus pensamentos mais heterodoxos, os quais poderiam atrair simpatizantes”.