Fazer relatórios sobre seu vizinho tornou-se um negócio lucrativo na China. A polícia secreta da província de Hebei emitiu recentemente um aviso na imprensa informando que seriam fornecidas grandes recompensas para os cidadãos bem informados sobre as atividades religiosas de seus conhecidos, inclusive sobre aqueles que assinaram petições ou deixaram suas impressões digitais em protestos escritos contra abusos realizados pela polícia.
O aviso foi emitido sob a égide da Agência 610, agência governamental especializada em lidar com religiões heterodoxas que possam surgir no país. É uma agência secreta do Partido Comunista Chinês (PCC) já que, estritamente falando, não tem existência legal. Esta é a principal agência responsável pela campanha de eliminação da prática espiritual Falun Gong, uma disciplina de meditação tradicional cujos praticantes têm sido perseguidos pelas autoridades chinesas há 16 anos.
“A fim de mobilizar inteiramente as massas para informarem sobre as atividades religiosas heterodoxas ilegais, a participarem ativamente na salvaguarda da estabilidade social, o Escritório Provincial Popular de Prevenção e Tratamento de Religiões Heterodoxas do governo decidiu, a partir de hoje, fornecer prêmios para relatórios sobre atividades ilegais de religiosos heterodoxos”, disse o comunicado.
As tais “atividades ilegais” incluem espalhar cartazes e distribuir panfletos, CDs, broches e outros itens. Praticantes e simpatizantes do Falun Gong distribuem estes materiais na China, a fim de aumentar a consciência sobre a perseguição violenta das autoridades chinesas à prática.
Segurar banners, sejam verticais, horizontais, pequenos ou grandes, também é motivo para ser notificado. Até mesmo conversar com outras pessoas sobre a perseguição da prática ou seus princípios – os princípios fundamentais da prática são: verdade, compaixão e tolerância – está listado nessa proibição e pode atrair atenção da polícia.
Aqueles que, na China, praticam ou expressam apoio público ou simpatia pelo Falun Gong, podem perder seus empregos e serem enviados para campos de trabalho forçado e prisões, onde são torturados e forçados a fazerem ‘confissões’ de repúdio às suas crenças e a jurarem fidelidade ao Partido.
A convocação dos informantes em Hebei foi veiculada em vários meios de comunicação, incluindo jornais, estações de televisão, e sites de mídia online ao longo de todo o mês de novembro.
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As recompensas monetárias fornecidas são relativamente substanciais: de 500 (R$307,23) a 5 mil (R$3072.28) yuans para os relatórios regulares, e até 10 mil (R$6.144,56) para os relatórios que levam a “quebras de casos significativos”. Tais casos, presumivelmente, referem-se a operações policiais em casas onde as impressoras são utilizadas para produzirem materiais que divulgam os abusos e as torturas infligidas aos praticantes de Falun Gong pelo PCC.
O motivo para a publicação do aviso neste momento não é clara. Tal agitação e incentivo eram comuns nos primeiros anos da perseguição, quando as autoridades criaram uma atmosfera febril e odiosa de informações contra os praticantes de Falun Gong. Mas a campanha de perseguição, em grande parte, passou à clandestinidade por volta de 2005 e passou a receber pouca atenção da imprensa.
Na China, nos últimos anos, os praticantes de Falun Gong têm sido encorajados pela campanha anticorrupção de Xi Jinping, que tem focado diretamente em membros importantes da facção de Jiang Zemin, um grupo de oficiais que foram promovidos pelo ex-líder do Partido que iniciou a perseguição contra Falun Gong em 1999. Esses homens, como Zhou Yongkang e Bo Xilai, construíram suas carreiras sobre a aplicação da dura diretiva anti Falun Gong de Jiang Zemin.
O expurgo desses indivíduos – juntamente com a marginalização da Agência 610 – como um instrumento de política da Central do Partido, coincidiu neste ano com uma manifestação sem precedentes de queixas criminais contra Jiang Zemin, feitas por praticantes de Falun Gong, familiares e simpatizantes por toda a China.
Na cidade de Baoding, por exemplo, 1.350 cidadãos apresentaram queixas de crime contra Jiang Zeming, de acordo com o site Minghui.org, uma mídia que publica relatos em primeira mão sobre a perseguição ao Falun Gong na China.
Ainda não está claro se o aviso de Hebei foi em resposta a essas atividades ou não.
A implementação da perseguição aos praticantes do Falun Gong ao redor China sempre dependeu fortemente das condições locais e da vontade dos responsáveis por essa política. Oficiais particularmente virulentos – como Zhou Yongkang e Bo Xilai – lidaram com a campanha com vigor incomum. Em outros lugares por exemplo, oficiais, em especial policiais da linha de frente, fizeram só o básico para manter seus superiores hierárquicos longe dos praticantes.
Nanning Zhang, professor de Direito na Universidade do Sudeste, em Nanjing, disse em uma entrevista: “Isto é obviamente contra a lei. Isto vai acima de sua autoridade. E está fazendo uma paródia da ênfase oficial de governar o país de acordo com a lei.”
“A lei é suposta para punir o comportamento criminoso, mas Falun Gong é apenas um tipo de qigong. Não prejudica ninguém e não inclui qualquer conduta ilegal”, disse Zhang.
Ele recomenda que os cidadãos, ao tomarem consciência do aviso, denunciem a Agência 610 à Comissão Central de Disciplina e Inspeção do Partido Comunista, no intuito de “registrar conduta ilegal”.
Com reportagem de Rona Rui.