Regime chinês mantém “intelectuais reacionários” na mira

15/11/2013 09:54 Atualizado: 15/11/2013 09:54

Pouco antes da elite do Partido Comunista Chinês (PCC) se reunir em Pequim para discutir a agenda do regime pela próxima década, o Departamento Central de Propaganda enviou uma ordem para que os jornalistas aumentem seus esforços para compreender a situação de “intelectuais especiais”.

Literalmente, os jornalistas receberam uma advertência, a mais recente de uma série que remonta a meados de agosto, para não imitarem os “intelectuais especiais”. Estes são os indivíduos que cometem o erro de criticar publicamente o PCC ou defendem ideias como constitucionalismo ou estado de direito.

Numa reportagem de 4 de novembro, a Rádio France Internationale (RFI) informou sobre esta ordem, bem como sobre o direcionamento de membros do PCC para “colocarem em prática o espírito de propaganda nacional e reunião de trabalho ideológico”, referindo-se a um conclave no qual o líder chinês Xi Jinping estabeleceu a necessidade de levar a sério a batalha de ideias na China.

Num momento sensível, pouco antes da convocação da 3ª Sessão Plenária do 18º Comitê Central, o Departamento de Propaganda expôs seu alerta previamente, publicando os pensamentos que o líder supremo Xi Jinping identificou como ameaças mortais ao PCC e que não seriam tolerados. Xi referiu-se ao perigo dos pensamentos não aprovados num discurso proferido em 19 de agosto em Pequim.

Discurso de Xi

Várias versões do discurso de Xi Jinping foram disponibilizadas em momentos diferentes, com versões anteriores menos intensas e combativas do que as posteriores. Na versão que a mídia Apple Daily de Hong Kong reportou e que os membros do PCC receberam para estudar, Xi salientou que assumir o controle da internet é vital para manter o PCC no poder.

Ele disse: “No campo de batalha da internet, se poderemos ficar firmes e vencer está diretamente relacionado com a segurança da ideologia de nosso país e do poder político.” Consistente com a propaganda do PCC, Xi Jinping identifica “a ideologia e o poder político” do Partido Comunista com os da própria China.

“A mídia, incluindo jornais, fóruns, conferências, filmes, TV, rádios e teatros não devem fornecer plataforma para aqueles que maliciosamente atacam a liderança do PCC e o sistema socialista, distorcem a história do PCC e do país ou criam problemas espalhando rumores”, disse Xi. “Nem qualquer mídia digital – TV móvel, mídia móvel, mensagem de texto móvel, microblogue, blogue – ou outros meios de comunicação social podem facilitar isso.”

“É necessário ousar fazer detenções, intervir e mostrar suas espadas”, acrescentou Xi. Ele também encorajou os membros do PCC a “lançarem uma ‘luta pela opinião pública’ de forma racional, vantajosa e contida”.

De acordo com a Deutsche Welle; em 19 de agosto, Xi interrompeu a apresentação do chefe de propaganda Liu Yunshan, dizendo: “Há um pequeno número de intelectuais reacionários que, usando a internet, difundem rumores, atacam ou denigrem a liderança do PCC, o sistema socialista e o poder do Estado, e eles devem ser seriamente reprimidos.”

Espadas desembainhadas

A repressão começou no mesmo dia. Uma celebridade da internet, conhecida online como Qin Huohuo, e outro blogueiro foram presos em 19 de agosto. Em menos de duas semanas no final de agosto, centenas de blogueiros foram presos por “propagarem boatos”.

Uma enxurrada de editoriais alardeando a “luta pela opinião pública” e a necessidade de “mostrar suas espadas” também apareceu na mídia chinesa após 19 de agosto.

Em 9 de setembro, o Supremo Tribunal Popular e a Suprema Procuradoria Popular emitiram uma interpretação judicial estipulando que as pessoas serão processadas por difamação se os rumores que publicarem online forem compartilhados ou visualizados mais de 500 vezes.

No dia 15 de setembro, a emissora estatal CCTV exibiu um blogueiro influente que defendia o constitucionalismo na China, o chinês-americano Charles Xu foi forçado a confessar em cadeia nacional ter visitado prostitutas, uma política que os críticos chamaram de humilhação ao estilo Revolução Cultural.

Em meados de outubro, Xia Yeliang, um professor de economia e defensor proeminente da reforma política, foi demitido da Universidade de Pequim. Além das detenções, demissões e humilhações, os membros do PCC também foram orientados a tentar medidas mais “brandas”.

O ministro da Educação, Yuan Guiren, escreveu num artigo de 18 de setembro na mídia estatal Diário do Povo: “Os departamentos de propaganda devem reforçar o contato com intelectuais, fazer amizade com eles e reuni-los em torno do Partido Comunista o máximo possível.”

Yuan também repetiu a categorização de Xi Jinping sobre os intelectuais em cinco tipos: “Vocês devem fazer esforços valiosos para trabalhar os líderes de opinião na internet, escritores online, contratados e freelance, bem como atores e cantores independentes”, disse Yuan.

Esperanças frustradas

Quando Xi Jinping assumiu o poder, havia grandes esperanças de que ele poderia trazer reforma política real para a China.

Um memorando interno chamado Documento Central No. 9, que foi emitido pelo Instituto Central do PCC em abril, mostrou que Xi Jinping tinha uma agenda diferente. O documento exorta o PCC a acabar com sete perigos, incluindo a democracia constitucional ocidental, os valores universais, a liberdade de imprensa, a sociedade civil e os direitos do cidadão.

A campanha de “luta pela opinião pública”, lançada em 19 de agosto, enfraquece ainda mais qualquer esperança de reforma política.

De acordo com a comentarista política e econômica He Qinglian, quando Xi Jinping era vice-presidente do PCC, ele foi elogiado pela mídia estatal como sendo tolerante e de mente aberta. Ele teria dito: “Não haverá qualquer emoção, se você remover os pássaros barulhentos da gaiola.”

“Mas agora Xi tenta remover todas as aves que não cantam como ele determina e o que resta são papagaios que agradam os ouvidos e tagarelando louvores a ele e ao PCC”, disse He Qinglian à RFI.

“Isso prova que Xi não tem visão política”, acrescentou He Qinglian: “Sua habilidade, visão, bem como suas políticas, não levarão a China a um futuro brilhante, mas apenas piorarão as coisas.”