Uma reforma bilionária em trens do Metrô de São Paulo – cujos contratos também estão sob investigação do Ministério Público – pode estar da origem das centenas de incidentes ocorridos no sistema nos últimos anos, cujo episódio mais grave foi o descarrilamento de uma composição na Linha 3-Vermelha, entre as estações Marechal Deodoro e Barra Funda, na última segunda-feira (5).
A composição que descarrilou é denominada K07 e faz parte da frota K, que está sendo reformada pelo consórcio MTTrens, composto pela MPE, Tejofran e Temoinsa.
O contrato da MTTrens com o governo de São Paulo é um dos quatro, assinados em 2009, de um pacote de modernização dos trens das linhas 1-Azul e 3-Vermelha, cujo valor no total é de R$ 1,8 bilhão. O pacote abrange 98 composições dos ramais norte-sul e leste-oeste.
A falha que ocasionou o descarrilamento se deu no chamado “truque”, termo que designa o sistema composto por rodas, tração, frenagem e rolamentos do trem. Ocorrências como essa, que provocam transtornos ao usuário, com paralisação das linhas ou redução de velocidade, são chamadas de “Incidentes Notáveis”.
No ano passado, segundo o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, foram 215 desses incidentes. Em 2013, até agora, 65.
Um dos inquéritos que correm no Ministério Público de São Paulo referentes ao esquema de pagamento de propinas a sucessivos governos tucanos no estado (Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra), nos contratos envolvendo o Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), diz respeito justamente a dano ao patrimônio público e improbidade administrativa causado por esses projetos de modernização.
Para o sindicato, o custo das reformas é inexplicável. Pelo contrato, uma composição é reformada por valores que chegam a 83% do preço de um trem novo. Mais do que isso, a garantia de um carro novo é de 10 anos, enquanto a do usado (reformado) é de apenas dois.
Na terça-feira (6), o procurador Marcelo Milani disse que o preço de uma composição reformada pode indicar relação com o cartel denunciado pela Simens ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A composição K07, que se acidentou na segunda-feira, foi entregue reformada juntamente com a K01 em meados de 2011. Ambas foram as primeiras a passar por reformas, nas oficinas da empresa MPE no Rio de Janeiro.
“Um truque ter um problema como esse nunca aconteceu na operação comercial do metrô”, diz Paulo Pasin, secretário-geral do Sindicato dos Metroviários. “O problema que ocorreu vem da reforma, não da manutenção. O truque que foi fornecido não tinha a qualidade que sempre teve na história do metrô”.
A possibilidade de ocorrerem novos incidentes como o de segunda-feira, com sérios riscos aos usuários, é “evidente”, na opinião de Paulo Pasin. “Tanto que a frota K foi retirada de circulação após o problema, para vistoria”. A Linha 3-Vermelha é a mais superlotada e recebe 1,2 milhão de passageiros a cada dia útil.
Os quatro contratos de reformas são os seguintes: a frota I é do consórcio da Siemens com a Iesa; frota J, da Bombardier; frota K, do consórcio MTTrens, composto pela MPE, Tejofran e Temoinsa; e frota L, da Alstom e Siemens.
Os contratos que regem as reformas das composições da Linha 3-Vermelha preveem, entre outros itens, “inovações nos sistemas de ar refrigerado, portas, tração e frenagem elétrica”.
Os problemas não terminam após a entrega dos trens reformados, de acordo com o sindicato.
“Acontece que muitas vezes é preciso um ‘retrabalho’ da equipe do Metrô por causa da qualidade do serviço feito”, diz Pasin. “Por exemplo: dos trens que estão sendo reformados, vários vieram com o sistema de controle de trem chamado CBTC, que, fazendo uma analogia, seria como o computador de bordo de um avião. O problema é que esse sistema, que já deveria ter sido implantado no metrô, não foi aprovado por problemas técnicos”.
Em consequência disso, como o sistema CBTC não consegue “conversar” com o sistema que opera o metrô, mais antigo, é preciso fazer esse “retrabalho”, conta Pasin. “Porque, senão, o trem fica parado sem entrar na operação comercial. Isso inclui todas essas frotas dos quatro contratos, incluindo aí a Linha 2-Verde”.
Procurados por meio das assessorias de comunicação, o Metrô e a empresa MPE não se manifestaram.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Brasil de Fato
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