É muito fácil (mesmo) criticar a tomada de poder pelos militares 50 anos atrás ignorando que se tratava de um período irremediavelmente polarizado. Não é prudente analisar categoricamente acontecimentos históricos baseados unicamente em “e se”, mas o fato é que tudo indicava que Jango (um dos piores presidentes da história do Brasil) estava levando o país cada vez mais para o lado da URSS.
Apesar de ele nunca ter declarado abertamente sua intenção em implantar no Brasil um regime socialista (nenhum ditador socialista jamais o fez antes de tomar o poder…), é necessário lembrar que, à época, infelizmente não havia terceira via para os países latino-americanos. Estamos falando do auge da Guerra Fria (um ano e meio antes estivemos à beira de uma guerra nuclear, com a crise dos mísseis em Cuba). Ao flertar tão abertamente com o comunismo, Jango praticamente pediu aos militares para que dessem o golpe.
Em seu novo livro, “Ditadura à Brasileira”, Marco Antônio Villa traz um diagnóstico bastante lúcido do contexto do regime militar:
“O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação político-cultural que havia no país. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições diretas para os governos estaduais em 1982. Que ditadura no mundo foi assim?
Nos últimos anos se consolidou a versão de que os militantes da luta armada combateram a ditadura em defesa da liberdade. E que os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heroicas ações. Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história. A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, sequestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum.
Argumenta-se que não havia outro meio de resistir à ditadura a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos desses grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados pouco depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.
O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado, e acabou sendo usado pela extrema direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.
A luta pela democracia foi travada politicamente pelos movimentos populares, pela defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve em amplos setores da Igreja Católica importantes aliados, assim como entre os intelectuais, que protestavam contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem os questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desqualificação dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado.”
Dado este cenário, pode-se argumentar que o golpe cívico-militar ocorrido há 50 anos foi uma escolha por um mal menor. Não podemos, no entanto, julgar ações políticas apenas por suas intenções. Os militares tomaram o poder visando a impedir que o Brasil caísse nas mãos de um regime totalitário, mas acabaram legando ao país uma herança extremamente negativa em diversos aspectos. Pagamos até hoje pela inépcia de um punhado de generais em compreender a complexidade dos fenômenos econômicos (impossível de se dirigir por meio de uma cadeia de comando, como ocorre no Exército) e políticos
Os militares destruíram a Direita civil, que antes do golpe fazia oposição ao governo Jango. Instituíram um governo tecnocrata estatista e ineficiente. Além disso, atrasaram o Brasil em algumas décadas no desenvolvimento das instituições democráticas ao reprimirem liberdades civis e políticas importantíssimas (tínhamos um sistema partidário razoavelmente institucionalizado e órgãos de imprensa que foram absolutamente destroçados). Como se não fosse o bastante, ainda deixaram que a esquerda atingisse, debaixo de seu nariz, a quase hegemonia no campo cultural (basta olhar para Academia, TV, Cinema, Teatro e redações de jornais).
Há pouco mais de 50 anos o Brasil vivia um dos dias mais tristes de sua história política. Resta esperar que aprendamos com a história do Golpe e com todo o contexto que o tornou possível (talvez ate inevitável) para podermos construir um país mais livre e respeitador de direitos individuais, divergindo dentro dos limites das instituições democráticas.
Fabio Ostermann, é formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também estudou Economia. Graduado em Liderança para a Competitividade Global pela Georgetown University (EUA) e em Política e Sociedade Civil pela International Academy for Leadership (Alemanha). Mestrando em Ciências Sociais/Ciência Política na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). É Diretor de Relações Institucionais do Instituto Liberal.
Essa matéria foi originalmente publicada pela Instituto Liberal