Referendo de setembro pode dissolver Reino Unido

09/09/2014 17:05 Atualizado: 09/09/2014 17:05

No seu “The Downing Street Years”, publicado em 1993, Margaret Thatcher escreveu que “sendo uma nação histórica com um passado de orgulho, os escoceses vão inevitavelmente ressentir-se […] de tempos em tempos [e] como nação que são, têm um direito inalienável à autodeterminação, que até agora têm exercido ao permanecerem na União. Caso determinem que querem a independência, nenhum partido ou político inglês vai colocar-se em seu caminho, por mais que lamentem a sua partida. O que os escoceses não podem fazer, contudo, é insistir nas suas condições para ficar na União sem ter em conta as visões dos outros”.

Muitos estranharam que Alex Salmond recorresse à figura conservadora décadas depois de Thatcher ter abandonado a liderança política do Reino Unido; subitamente, a mais fervorosa adepta da união britânica passou a bandeira da campanha do primeiro-ministro da Escócia pelo “sim” no referendo à independência.

Dentro de nove dias, cerca de 4,1 milhões de escoceses serão chamados a responder à pergunta “Você quer uma Escócia independente?” e, pela primeira vez desde que o primeiro-ministro britânico David Cameron anunciou a consulta popular, em outubro de 2012, os separatistas estão à frente nas sondagens.

O caos foi lançado no domingo (7) quando o instituto YouGov divulgou a última pesquisa de intenções de voto para o plebiscito de 18 de setembro: neste momento, 51% dos escoceses dizem que vão votar “sim”, contra 49% que querem a manutenção do Reino Unido. Apesar de estarem dentro da margem de erro, os resultados surpreenderam muitos unionistas, ainda que Alistair Darling, trabalhista escocês à frente da campanha “Better Together”, tenha admitido que só provam que, “ao contrário do que muitos julgavam, o referendo não tinha um resultado preanunciado”.

Aqui entra a Dama-de-Ferro, que do túmulo é agora citada por políticos como Charles Kennedy, o antigo líder do Partido Liberal-Democrata, que diz que “Thatcher fez mais pela independência da Escócia do que qualquer nacionalista”.

Num momento de ‘vai ou racha’ para o país, para o Reino Unido e até para a União Europeia (60% dos escoceses querem o reino no bloco), é ela e o seu Partido Conservador, os Tories, que acende o descontentamento escocês. Depois de mais de três séculos de união, o país está cansado da liderança central, quer seja conservadora, quer trabalhista ou liberal-democrata, e o legado de Thatcher terá resultados práticos – e inevitáveis – na votação.

Em janeiro deste ano foi revelado que, em 1984, no final do seu primeiro mandato como primeira-ministra britânica (1979-1990), Thatcher tentou reduzir o orçamento da Escócia escondendo o plano dos cidadãos. Poucos dias passaram entre as “assombrosas” revelações e a publicação de um artigo de opinião assinado por Salmond na “Scotsman”.

“Depois de as revelações sobre os Tories terem delineado um plano secreto para cortar o orçamento escocês nos anos 80, hoje escrevi a David Cameron”, declarou então o primeiro-ministro escocês. “Isto confirmou o que muitos escoceses já sabiam: não podemos confiar aos Tories as finanças da Escócia. Se o ‘não’ ganhar em setembro, é isto que eles vão fazer. O objetivo deles é cortar os fundos da Escócia em 4 bilhões de libras.”

A questão da distribuição da riqueza dentro do reino é um dos principais campos de batalha desta corrida. Dentro do Reino Unido são os escoceses os que mais recebem per capita, com o Tesouro britânico liderado por George Osborne afirmando que, em 2012-2013, a Escócia gastou 65,2 bilhões de libras, 9,3% da despesa pública no reino, sendo que os escoceses constituem 8,3% da população britânica.

O debate sobre a independência, combatida por variadas figuras públicas e políticas dentro e fora do Reino Unido, concentrou as atenções no futuro da Fórmula Barnett, um sistema criado em 1979 para determinar o limite dos gastos de Irlanda do Norte, País de Gales e Escócia.

Os críticos da fórmula dizem que tem sido ela a grande aliada dos escoceses, ajudando-os a melhorar os seus serviços públicos em detrimento dos outros países do reino. Os separatistas, por sua vez, que se bateram por garantias de Cameron de que manterá a fórmula caso o “não” vença, acreditam que esta será extinta pelo governo central de maioria Torie assim que a contagem dos votos provar que a consulta favoreceu os unionistas.

Com a virada nas sondagens, o governo Cameron também virou. Assim que os resultados foram apresentados no domingo, Osborne usou o púlpito da BBC para prometer um “plano de ação” que dará mais autonomia à Escócia – mais poderes fiscais sobre a despesa pública e sobre a segurança social – caso os separatistas sejam derrotados. Os pormenores do plano vão ser anunciados esta semana, mas para os que estão do lado de Salmond, eles não passam de chantagem barata. O fato, que apontavam ontem analistas de todos os quadrantes, é que qualquer que seja o resultado do referendo, o establishment britânico está à beira da morte.

Quer se culpe Thatcher, quer os Tories ou o New Labour (a terceira via de Tony Blair), a consulta não está, como muitos unionistas tentaram fazer crer, ligada a sentimentos ultranacionalistas ou a uma ressurreição do espírito Braveheart, esse mito eterno dos escoceses de espada em riste. E todos o sabem. Como apontava ontem na “NewStatesman” o editor Jason Cowley, declarado unionista, o que o referendo pode trazer ainda está por chegar: “Todos nós, habitantes destas ilhas, devemos estar agradecidos porque as elites presunçosas e complacentes de Londres – políticas, financeiras, burocratas e da mídia – estão finalmente sendo obrigadas a reconhecer [a necessidade de renovação da democracia]; só que tarde! A casa já está pegando fogo e as chamas já estão quase fora de controle.”

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Editado pelo Epoch Times