A substituição da colheita manual da cana-de-açúcar pela mecanizada no Estado de São Paulo nos últimos seis anos, por força do Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético, tem provocado a queda crescente das emissões de gases de efeito estufa (GEE) pelo setor agrícola.
Se esse ritmo de conversão for mantido nos próximos anos e, dependendo do tipo de manejo da cana-de-açúcar crua adotado, o setor poderá contribuir com mais da metade da meta de redução das emissões de GEE do estado.
A estimativa é de estudos feitos por pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal, no âmbito de um Projeto Temático, realizado com apoio do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). Os resultados foram apresentados no dia 12 de setembro durante a 1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais (Conclima), organizado pela FAPESP em parceria com a Rede Brasileira de Pesquisa e Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC).
“As emissões de GEE por unidade de área plantada de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo estão caindo por causa da conversão de áreas de cana-de-açúcar queimada por cana crua”, disse Newton la Scala Júnior, professor da Unesp e coordenador do projeto.
De acordo com dados apresentados pelo pesquisador, obtidos do Projeto Canasat, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), dos 4.658.316 hectares de cana colhidos na safra de 2012, 1.277.003 hectares (27,4%) foram por queima e 3.381.313 (72,60%) mecanicamente – enquanto que, em 2006, quando o Protocolo Agroambiental foi implementado, 65,76% da cana foram colhidas por queima e 34,24% por colheita mecanizada.
Ao estimar as emissões de GEE nas áreas de cana-de-açúcar na fase agrícola no Estado de São Paulo nesse período de 2006 a 2012 – com base em metodologias utilizadas pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) –, os pesquisadores constataram que as emissões por unidade de área plantada caíram, a despeito do aumento do número de hectares de cana colhidos e da colheita mecanizada também emitir GEE devido ao uso de fertilizantes sintéticos e da queima de diesel das colheitadeiras.
Enquanto em 2006 foram emitidos entre 2,3 mil a 2,4 mil quilos por hectare de CO2 equivalente (multiplicação das emissões de GEE pelo seu potencial de aquecimento global), em 2012 esse número caiu para faixa de 2,1 mil quilos por hectare.
“Essa redução por unidade de área tem ocorrido justamente por causa da conversão das áreas de cana queimada para cana crua, eliminando a queima de resíduos da cultivar. A tendência é que a emissão de GEE por áreas de cana-de-açúcar caia cada vez mais”, disse Scala.
Metas de mitigação
Os pesquisadores também realizaram um outro estudo, que deverá ser publicado em uma das próximas edições da revista Biomass&Bioenergy, no qual estimam o potencial de redução das emissões de GEE da cana-de-açúcar colhida em São Paulo com base em três cenários de conversão de áreas onde a cana é queimada hoje no estado pela colheita mecanizada.
No primeiro cenário, eles calcularam qual seria a redução de GEE entre 2011 e 2014 se 556.840 hectares de área de cana-de-açúcar onde a cultivar é queimada hoje fosse convertida para colheita da cultivar crua por ano, de modo a cumprir a meta do Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético de acabar com a queima da palha da cana-de-açúcar no estado entre 2014 e 2017.
Já no segundo foi projetada qual seria a mitigação de GEE se 167.042 hectares de cana queimada fossem substituídos por ano pela colheita da cana crua até 2021 para atingir a meta do Plano Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC) paulista, que estabeleceu o plano de reduzir até 2020 20% da emissão de GEE no estado, em todos os setores, em relação a 2005. E no terceiro cenário foi estimada a diminuição das emissões de GEE pela cana colhida no estado até 2029, com base na taxa de conversão de área de cana queimada por cana crua observada hoje de, em média, 92.294 hectares por ano.
Para os três cenários foi considerada a hipótese de a conversão ser realizada pelo manejo convencional, por manejo reduzido ou pela combinação de preparo reduzido do solo com rotação agrícola, no qual a cada ano, em um ciclo de colheita de 5 a 6 anos, não são aplicados fertilizantes sintéticos no solo.
O estudo revelou que, se esse ritmo de conversão for mantido nos três cenários e se a conversão foi realizada com base no manejo reduzido do solo, será possível atingir tanto a meta do Protocolo Agroambiental do Setor Energético como a do PEMC. Já se a substituição for feita pelo método de preparo reduzido do solo combinado com rotação agrícola será possível não só atingir as duas metas como, até 2050, a emissão evitada poderá ser de 70 megatoneladas de CO2 equivalente.
“Esse número é bastante expressivo e equivale a mais da metade da meta de redução das emissões de GEE que São Paulo terá de atingir nos próximos anos”, disse Scala.
“Somente com a mudança do cenário de produção de cana-de-açúcar em São Paulo seria possível o estado atingir boa parte de sua meta de redução de GEE”, disse Scala.
Importância da palha
Segundo o pesquisador, 60% do que se deixaria de emitir de GEE com a adoção do método de preparo reduzido do solo combinado com rotação agrícola corresponde ao acúmulo de carbono no solo.
De acordo com Scala, a cana-de-açúcar absorve durante a fotossíntese uma grande quantidade de CO2 da atmosfera e incorpora parte do composto absorvido em sua fitomassa (raízes e palha), que volta para atmosfera. Além disso, o solo onde a cultivar é plantada também absorve CO2 e também emite parte dela para a atmosfera.
Ao converter a cana queimada para cana crua é possível aumentar o estoque de carbono no solo, pois grandes quantidades de resíduos da planta (como a palha) são mantidos na superfície e incorporados pelo solo na forma de carbono.
“Se os resíduos da cana-de-açúcar forem mantidos na superfície do solo após a colheita, é possível compensar quase todas as emissões de GEE associadas ao uso de fertilizantes sintéticos ou de diesel das colheitadeiras, por exemplo”, afirmou Scala.
Em estudos de campo e testes em laboratório com amostras de solo realizados nos últimos 15 anos, os pesquisadores demonstraram que os valores médios de emissão de carbono do solo de áreas cuja colheita da cana foi realizada pelo sistema mecanizado foram significativamente menores do que aqueles onde a cultura foi colhida pelo sistema de queima, em que se elimina a palha.
Em um experimento realizado ao longo de 50 dias em uma plantação que foi dividida em três áreas – sendo uma coberta por 50% de palha, a segunda por 100% do resíduo e a terceira sem palha –, os pesquisadores observaram que as áreas cobertas por palha emitiram 400 quilos a menos de carbono (correspondente a quase 1,5 mil quilos de gás carbônico) do que as áreas onde a palha foi retirada.
“O que temos observado é que, quando se tira a palha da superfície do solo após a cana ter sido colhida, as emissões aumentam e que a simples retirada da palha da superfície do solo resulta em um aumento das emissões tão grande quanto se observa quando o solo é preparado para o plantio da cultivar”, disse.
Esta matéria foi originalmente publicada pela Agência Fapesp