Recessão no radar

10/02/2015 09:40 Atualizado: 10/02/2015 09:40

Joaquim Levy, numa entrevista em Davos, há algumas semanas atrás, num lapso (ou traído pelas convicções), deixou escapar que teríamos uma recessão neste primeiro trimestre (“recessão técnica”, dois trimestres seguidos no negativo). Acabou corrigido pela assessoria, mas deixou esta dúvida no ar. Será mesmo que ele estava realmente equivocado? Ou será que já estamos de fato em recessão? A observar pelos indicadores de atividade mais recentes e pelas expectativas parece que sim.

O ano passado e este já parecem perdidos. Em 2014, é provável que o PIB tenha recuado entre 0,1% e 0,5%, com o Industrial recuando em torno de 3%, Serviços próximo à estabilidade e o Agropecuário crescendo 1%. Pelo lado da demanda agregada, o Consumo das Famílias perdeu dinamismo, assim como os Investimentos Agregados, pelo ambiente de incertezas existente, e o Consumo do Governo segurou um pouco o tranco, pela proximidade das eleições e as várias políticas anticíclicas adotadas.

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No ano passado teve destaque o tombo da indústria nacional, recuando 3,2% contra 2013, segundo o IBGE, depois de crescer 2,1% em 2013 e recuar 2,3% em 2012. Isto reforça a falta de convicção das políticas econômicas adotadas, já que a economia brasileira continua se comportamento de forma errática, entre altas estimuladas por medidas artificiais e quedas pela perda de confiança. Estamos meio sem rumo.

Pelos dados do IBGE, o pior desempenho acabou com o setor de bens de capital, mergulhando 9,6% no ano, depois de um pico em 2013 (13,3%), seguido por bens duráveis, recuando 9,2%.

Boa parte deste recuo aconteceu pelo aperto do crédito e baixa capacidade de endividamento, pela crise argentina afetando nossa produção de automóveis, pela Copa do Mundo (menos dias úteis), mas também pelo ambiente de incertezas, dadas as intervenções desastradas do governo na economia, o clima de beligerância nas eleições (forte polarização política) e a relação tempestuosa entre governo e meio empresarial. Neste contexto, as empresas acabaram adiando seus projetos de investimento ou mesmo cancelando-os. Com isto, a produção de bens de capital despencou, assim como a taxa de investimento em relação ao PIB (deve ter fechado em 17%).

E o pior é que 2015 não começou nada bem para o setor produtivo. Pelos dados da Anfavea, a produção automobilística de janeiro recuou 13,7% contra o mesmo mês de 2014 e fechou praticamente estável contra o mês anterior, com leve alta de 0,4%. Já as vendas deste setor recuaram 18,8% e 31,4% pela mesma base de comparação. Somado a isto, os indicadores de confiança dos vários agentes da economia, indústria, comércio, serviços e construção civil, continuaram mostrando baixo dinamismo. Em janeiro, por exemplo, a Sondagem do Comércio, da FGV, recuou 1,5% contra dezembro e 13,3% contra o mesmo mês do ano precedente.

De fato, a economia continua paralisada no aguardo dos efeitos das medidas fiscais anunciadas. A meta fiscal do Levy, antes em R$ 66 bilhões, partindo do superávit primário de R$ 10 bilhões no ano passado, depois do rombo fiscal confirmado de R$ 33 bilhões, 0,6% do PIB, terá que ser mais ambiciosa. Novas medidas fiscais devem ser anunciadas nas próximas semanas. Nestas devermos ter novos cortes de investimentos públicos, adiamentos de despesas e fontes adicionais de receita (mexidas nas LCI e LCA são uma possibilidade, com a adoção do IR).

Sobre a meta fiscal para este ano, deve ficar em torno de R$ 100 bilhões, o que deve pesará ainda mais no crescimento da economia. Devemos estar atentos também aos impactos do racionamento de água e energia inevitável, a ser anunciado depois dos “meses das chuvas”, março e abril, o que pode afetar a produção e o consumo da economia, jogando o PIB para uma retração ainda maior. Somado a isto, o BACEN ainda deve elevar o juro a 12,5% agora em março e não será surpresa se novos ajustes forem anunciados nas reuniões seguintes. Com isto, a retração do PIB neste ano deve ficar entre 0,5% e 1,0%. Em suma, já estamos em recessão, como bem sinalizou Levy em ato falho.

Como sair deste atoleiro?

O ministro achava que, ceteris paribus, ou seja, mantidas as condições econômicas estáveis, sem os vários ruídos com o desdobramento dos escândalos da Petrobras, por exemplo, seria possível através do ajuste fiscal, duro e transparente, restabelecer a confiança dos agentes, melhorar a qualidade da gestão pública e abrir a possibilidade de retomada de crescimento, pelo menos ao fim deste ano. Como bem dizem nos provérbios populares, “faltou combinar com os adversários”.

Com certeza, teremos mais um ano complicado, econômica e politicamente, com muita volatilidade nos mercados e investidores numa postura cautelosa e defensiva.

Mesmo assim, algumas medidas precisam entrar no radar do governo, se somando a este ajuste fiscal aprofundado por Joaquim Levy.

Poderíamos citar: a decisão do BACEN de deixar o câmbio deslizar mais, com o dólar chegando a R$ 2,90/3,00; as concessões devem ser retomadas, importantes para destravar os investimentos, ainda mais num ano em que o principal agente público de investimentos, a Petrobras, deve atuar menos, e o governo precisa anunciar uma agressiva política de exportações, neste caso, reduzindo ainda mais o “Custo Brasil”, estimulando setores competitivos, atraindo outros e tentando negociar futuras parcerias comerciais bilaterais, numa virada saudável sobre a forma de enxergar o comércio exterior no passado.

Lembremos que os governos do PT, nestes 12 anos, nas suas políticas externas, se pautaram por acordos multilaterais, mais focados na politização das relações exteriores do que no realismo comercial de outras épocas. Agora, este precisa retornar, até porque estamos sofrendo por mais esta política.

Em 2014 a balança comercial fechou no negativo, em US$ 3,9 bilhões, e em janeiro deste ano, registrou déficit de US$ 3,2 bilhões. Se nada for feito, o buraco externo, o saldo em conta corrente, hoje em US$ 90,9 bilhões, 4,17% do PIB, será ainda maior, o que pode detonar um processo de saída de recursos e ao fim, a perda do grau de investimentos.